A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) submeteu à consulta pública minuta de resolução que estabelece as diretrizes a serem observadas nos processos administrativos sanitários sancionatórios (PAS) no âmbito da Anvisa (Consulta Pública 1.297/24).

O PAS é um procedimento instaurado pela vigilância sanitária com base em um auto de infração. Seu objetivo é apurar as irregularidades sanitárias detectadas e as responsabilidades do infrator. Nesse procedimento é assegurado ao infrator o direito de ampla defesa e contraditório.

Atualmente, os PAS da Anvisa são regulados pela Lei 9.784/99, que estabelece as normas para o processo administrativo no âmbito da Administração Pública federal (o que inclui, além da Anvisa, outros órgãos, autarquias e entes federais da Administração Pública).

A proposta de regulamentação do PAS no âmbito da Anvisa esteve inicialmente prevista na Agenda Regulatória 2017-2020 (Tema 1.22 – Infrações Sanitárias) e, atualmente, consta da Agenda Regulatória 2024-2025 no item “1.4 - Definição de procedimentos para o julgamento de Processos Administrativos Sanitários (PAS)”.

Principais aspectos da proposta de norma

Para subsidiar o processo de elaboração do relatório de análise de impacto regulatório e construção da minuta de norma, o tema foi amplamente discutido por diversas unidades organizacionais da Anvisa, além da segunda, terceira e quinta diretorias e da Procuradoria Federal junto à Agência.

Entre os principais aspectos trazidos pela proposta de norma, destacam-se:

  • Fiscalização responsiva: adoção de uma abordagem que considera o risco sanitário envolvido, o histórico de conformidade da empresa e as circunstâncias específicas para determinar a resposta mais adequada. Tais medidas administrativas podem ser classificadas como:
    • prévias: aplicadas a critério da Anvisa quando os danos resultantes da infração forem de baixo ou médio impacto para a saúde da população. Essas medidas visam estimular o retorno à conformidade de forma rápida e eficaz, sem constituir penalidade ao infrator. Elas serão aplicadas à empresa pela autoridade competente por meio de notificação sanitária, que deve conter: a descrição da irregularidade detectada, o respectivo dispositivo legal transgredido e o prazo para correção ou para a apresentação de plano de ações corretivas. A empresa transgressora deve comprovar à Anvisa a correção da infração dentro dos prazos estabelecidos na notificação sanitária ou no plano de ações corretivas, sob pena de adoção de medida administrativa sancionatória. Não é possível aplicar medida administrativa prévia nos seguintes casos:
      • já tenha sido aplicada medida administrativa prévia à empresa pela mesma espécie de infração nos 12 meses anteriores à prática da infração constatada;
      • já tenha sido aplicada medida sancionatória à empresa pela mesma espécie de infração nos três anos anteriores à prática da infração constatada, contados da data da decisão administrativa transitada em julgado; ou
      • ter a empresa agido com dolo ou má fé.
    • acautelatórias: adotadas em caso de risco iminente, sem a prévia manifestação do interessado, sem prejuízo da aplicação de medida prévia ou sancionatória. Essas medidas têm o objetivo de eliminar, reduzir ou atenuar os riscos sanitários associados a produtos ou serviços e podem ser de dois tipos:
      • cautelares, que perdurarão enquanto presentes as circunstâncias especiais de risco iminente à saúde que levaram à sua aplicação; ou
      • preventivas, que devem ser aplicadas nos casos em que sejam flagrantes os indícios de alteração ou adulteração de produto. Essas medidas não devem exceder o prazo de 90 dias. A empresa será comunicada da medida administrativa acautelatória por meio de ato administrativo expresso, assinado pela autoridade sanitária competente. O ato deve conter a descrição da situação irregular e o dispositivo legal que fundamenta a medida. Não é admitido efeito suspensivo em recursos interpostos contra as medidas administrativas acautelatórias. Essas medidas serão revogadas de ofício quando demonstrada a insubsistência ou a cessação das causas determinantes de sua aplicação;
    • sancionatórias: implicam a aplicação de sanção, conforme estabelecido na Lei 6.437/77.
  • Etapas do PAS: As etapas do PAS sancionatório são:
    • lavratura do auto de infração sanitário (AIS);
    • apresentação de defesa do AIS;
    • manifestação da área ou do servidor atuante;
    • julgamento de primeira instância;
    • interposição de recurso;
    • julgamento em segunda instância;
    • interposição de recurso contra a decisão de segunda instância;
    • julgamento em última instância; e
    • certificação do trânsito em julgado.
  • Dupla vista: o critério da dupla visita deve ser observado quando forem constatadas infrações de risco sanitário muito baixo, baixo ou médio, praticadas por microempreendedor individual, microempresas ou empresas de pequeno porte que não tenham condenações anteriores por infrações sanitárias.
  • Prevalência da esfera competente: sempre que identificada a instauração de PAS pelo mesmo fato e pela mesma infração em diferentes esferas do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, os PAS instaurados posteriormente no âmbito da Anvisa serão arquivados.
  • Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta (TCAC): regulamentação da possibilidade e critérios para celebração de TCAC – instrumento que tem a finalidade de simplificar adequar, reparar ou compensar conduta irregular às disposições legais e regulamentares, bem como sanar e cessar os efeitos da infração imputada.

A utilização do TCAC no âmbito das ações de fiscalização sanitária já havia sido permitida pela Lei 14.671/23. Sua aplicação vem sendo amplamente discutida tanto internamente na Anvisa – por meio de grupo de trabalho composto por representantes da Assessoria do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (ASNVS), Procuradoria Federal junto à Anvisa, além de representantes de todas as diretorias da agência – quanto pela sociedade e setor regulado (por exemplo, por meio da Consulta Pública 1.282/24 – clique aqui para mais informações).

  • Capacidade econômica do autuado: a capacidade econômica do autuado será apurada no momento da emissão da decisão de primeira instância e considerada na dosimetria das penas. Empresas que não mantiverem seus dados cadastrais atualizados poderão ser enquadradas automaticamente como de grande porte.
  • Processo eletrônico: digitalização integral dos processos e regulamentação do PAS por meio de procedimento eletrônico, para reduzir custos e otimizar recursos humanos.
  • Tabela de multas: anexo à proposta de norma que traz os valores das multas conforme a capacidade econômica do infrator, natureza da infração e grau do risco sanitário. De acordo com a Anvisa, esse anexo busca trazer transparência para as autoridades sanitárias e para os autuados, a fim de reduzir a rediscussão dos parâmetros utilizados para fixação dos valores da multa no âmbito recursal. Nos casos de infrações sanitárias cuja descrição da conduta contenha mais de um produto, descumprimento de mais de um item de notificação ou ato semelhante ou com presença de atenuantes, a fixação do valor da multa será o valor base definido na tabela de multa no anexo:
    • acrescido de 10% por produto até o limite máximo estabelecido para a faixa de multa da natureza da infração;
    • acrescido de 10% por item descumprido até o limite máximo estabelecido para a faixa de multa da natureza da infração; e
    • reduzido em 10% por atenuante até o limite mínimo estabelecido para a faixa de multa da natureza da infração.
  • O anexo é composto dos seguintes valores:
 

Pessoa Física/MEI/
Empreendedor Individual

Microempresa Empresa de Pequeno Porte Médio – Grupo IV Médio – Grupo III Grande – Grupo II Grande – Grupo I
Infração de natureza LEVE (R$ 2 mil a R$ 75 mil) – infrator beneficiado por circunstância atenuante
Baixo 2 mil 4 mil 8 mil 12 mil 14 mil 17 mil 20 mil
Médio 3 mil 7 mil 19 mil 26.625,00 33.250,00 40.375,00 47,5 mil
Alto 4 mil 10 mil 30 mil 41.250,00 52,5 mil 63.750,00 75 mil

Infração de natureza GRAVE (R$ 75.000,00 a R$ 200.000,00) – quando verificada uma circunstância Agravante

Baixo 75 mil 85 mil 95,5 mil 112,5 mil 125 mil 135 mil 150 mil
Médio 87,5 mil 97,5 mil 110,5 mil 130,5 mil 142,5 mil 155 mil 175 mil
Alto 100 mil 110 mil 125 mil 150 mil 160 mil 175 mil 200 mil
Infração de natureza GRAVÍSSIMA (R$ 200 mil a R$ 1,5 milhão) – quando verificadas duas ou mais circunstâncias agravantes
Baixo 200 mil 225 mil 300 mil 350 mil 380 mil 450 mil 500 mil
Médio 250 mil 400 mil 710 mil 775 mil 835 mil 920 mil 1 milhão
Alto 300 mil 500 mil 1,12 milhão 1,2 milhão 1,29 milhão 1,39 milhão 1,5 milhão

Determinação do TCU

De acordo com a Anvisa, a Consulta Pública 1.297/24 visa tornar mais eficientes, rápidos, custo-efetivos, eficazes e transparentes os processos de fiscalização conduzidos pela agência – desde a concepção do dossiê de investigação até o julgamento do PAS e aplicação de sanções.

Uma das principais motivações para a elaboração de minuta de norma sobre o tema foi a determinação proferida pelo Tribunal de Contas da União (TCU), no âmbito do Acórdão 732/20 (Processo 001.814/2019-2).

Após a realização de auditoria de processos em curso na Anvisa, o TCU concluiu que o PAS na agência é ineficiente na apuração das infrações sanitárias e na sua responsabilização, sendo necessária a adoção de ações para a resolução do problema. Para isso, foi recomendado à Diretoria Colegiada da Anvisa:

  • instituir unidade responsável pela gestão de todo o PAS, abarcando a instrução, autuação, julgamento e recursos, independentemente do objeto, de forma a conferir uniformidade e segurança jurídica ao processo;
  • normatizar o PAS de forma sistêmica;
  • estabelecer sistema informatizado para completa gestão e tramitação do PAS, de forma totalmente eletrônica;
  • avaliar a possibilidade de edição de boletim interno de jurisprudência, com divulgação periódica na rede interna da agência, para ajudar a uniformizar os entendimentos;
  • avaliar a possibilidade de publicar informações consolidadas, em site eletrônico, em formato de Business Intelligence (BI), com informações mínimas;
  • normatizar a utilização do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para PAS; e
  • encaminhar à Casa Civil para análise e posterior envio ao Congresso Nacional proposta de alteração da Lei 6.437/77 (que configura as infrações à legislação sanitária federal e estabelece sanções respectivas).

As contribuições à Consulta Pública 1.297/24 podem ser feitas até 3 de fevereiro. A prática de Life Sciences & Saúde pode fornecer mais informações sobre o tema.