O Ministério da Fazenda, por meio da Portaria Normativa MF 1.330/23, publicada no Diário Oficial em 27 de outubro, estabeleceu as regras para que empresas operem apostas esportivas – definidas em lei como apostas por quota fixa.
A regulação era muito aguardada pelo setor e chega na sequência da legislação que reconheceu a legalidade da modalidade (Lei Federal 13.756/18 e Medida Provisória 1.182/23). A discussão sobre a legalização de jogos de azar, porém, segue em pauta. No Senado Federal, por exemplo, tramita o Projeto de Lei 442/91.
Trata-se de uma indústria crescente, que acena com grandes oportunidades de negócios. Neste artigo, procuramos apresentar alguns insights sobre os ajustes feitos pela nova regulação e as oportunidades que ela traz, principalmente para os operadores de apostas esportivas.
O que é preciso saber para operar no setor?
A Portaria Normativa MF 1.330/23 é abrangente e reúne os principais tópicos sobre o tema:
- indica quem será autorizado a explorar as apostas no país e como esse interesse deve ser manifestado ao Ministério da Fazenda;
- estabelece direitos e deveres dos apostadores;
- obriga as empresas a adotar medidas de prevenção à lavagem de dinheiro, financiamento do terrorismo e proliferação de armas de destruição em massa;
- conceitua jogo responsável e estabelece critérios para sua prática;
- obriga as empresas a adotar práticas de prevenção ao jogo patológico; e
- estabelece parâmetros relacionados à publicidade.
Quem pode ser operador de apostas esportivas e o que ele precisa fazer?
Somente podem ser operadores de apostas esportivas pessoas jurídicas, brasileiras ou estrangeiras, que receberem outorga do Ministério da Fazenda – conforme artigos 6 e 7 da portaria – e estejam devidamente estabelecidas em território nacional.
Para que possam atuar como operadores, recomendamos às empresas:
- revisar os documentos sociais para assegurar que a exploração das apostas de quota fixa está contemplada;
- adotar medidas práticas e jurídicas para se estabelecer no país, no caso de se tratar de empresa estrangeira;
- aprimorar suas medidas e controles para assegurar a origem lícita dos recursos que compõem o seu capital social;
- examinar seus sites para verificar se atendem aos melhores padrões técnicos e operacionais, pois os sites poderão ser verificados e fiscalizados pelo Ministério da Fazenda no procedimento de outorga;
- criar ou aprimorar o canal de atendimento para apostadores, que precisa ser em português, ter e-mail e telefone gratuito e funcionar em regime de atendimento 24/7.
- revisar ou criar um programa de integridade robusto, com políticas específicas e medidas eficientes de controle capazes de:
- prevenir, identificar e monitorar a prática de ilegalidades;
- apresentar critérios claros e procedimentos eficientes para identificação dos clientes, beneficiários, empregados, terceiros e outras partes relacionadas; e
- executar de forma contínua medidas de treinamento e conscientização dos empregados e terceiros para prevenção de ilegalidades.
De acordo com o artigo 26, empresas de apostas nacionais e estrangeiras que desejem ingressar no mercado brasileiro devem manifestar o interesse em receber a outorga em até 30 dias, contados da publicação da portaria. Com isso, elas asseguram prioridade na análise das solicitações de autorização.
Para obter a autorização, as empresas devem cumprir os requisitos de:
- habilitação jurídica;
- regularidade fiscal;
- regularidade trabalhista;
- qualificação econômico-financeira; e
- qualificação técnica.
O acompanhamento jurídico do processo é importante, sobretudo para avaliar se as práticas já adotadas pelas empresas são adequadas e identificar pontos que precisam ser aprimorados para atender aos parâmetros da portaria.
Como cumprir as novas regras do jogo responsável?
A portaria prevê obrigações a serem cumpridas pelos operadores em relação ao jogo responsável a fim de reduzir riscos para os apostadores. Também estabelece regras sobre publicidade e marketing.
Diz o artigo 14 da portaria que “o jogo responsável consiste em medidas, diretrizes e práticas a serem adotadas para prevenção ao transtorno do jogo compulsivo ou patológico, para prevenção e não indução ao endividamento e para proteção de pessoas vulneráveis, especialmente menores e idosos”.
Para se adequarem às regras do jogo responsável, as empresas devem:
- revisar seus termos de serviço e políticas para enfatizar o comprometimento com o jogo responsável e deixar claro que as apostas são destinadas a pessoas maiores de 18 anos completos;
- checar a forma como seus termos e limitação de idade são apresentados em sites e canais – a idade mínima de 18 anos deve constar em todos os termos, mensagens e peças publicitárias;
- criar cadastros e controles para identificação dos apostadores, em que fiquem registrados:
- nome completo do apostador;
- data de nascimento; e
- número de carteira de identidade (RG) ou registro nacional de estrangeiros (RNE), ou de CPF ou documento equivalente em caso de estrangeiro.
- reforçar ou iniciar ações informativas e preventivas para conscientizar apostadores sobre o transtorno causado pelo jogo compulsivo ou patológico.
Em relação ao último tópico, é interessante que as empresas façam campanhas e insiram mensagens educativas em seus canais (site, mídias sociais, durante a execução dos jogos etc.), assim como em suas propagandas comerciais. A adoção de mensagens de advertência é, inclusive, exigida pela portaria (artigo 23).
Também se recomenda usar tecnologias capazes de monitorar, de forma transparente, comportamentos compulsivos – como frequência incomum de apostas ou gasto atípico de valores em determinados períodos.
Outra medida recomendável é destinar parte das receitas e dar suporte a instituições que adotem práticas de combate ao jogo compulsivo.
O artigo 18 da portaria estipula que as casas de apostas devem desenvolver sistemas de controle interno, que permitam aos jogadores estabelecer limites diários de tempo de jogo ou apostas, limites máximos de perda, períodos de pausa e autoexclusão.
Como adequar as iniciativas de publicidade?
Considerando a relevância da publicidade para o desenvolvimento do setor e para o jogo responsável, a portaria, em seu artigo 21, estabelece requisitos específicos sobre o assunto. São proibidas ações de comunicação, publicidade e marketing que:
- sejam veiculadas em escolas e universidades;
- não tenham o aviso de restrição de idade (18+);
- tragam informações enganosas sobre probabilidades e prêmios;
- apresentem as apostas como algo atraente ou associado ao sucesso pessoal;
- utilizem conteúdo de cunho sexual ou objetifiquem pessoas;
- induzam ou usem recursos apelativos para aumentar a quantidade de apostas;
- ofendam crenças ou tradições do país; e
- induzam a falsas crenças, como acreditar que apostar é um ato ou sinal de virtude, coragem ou maturidade, por exemplo.
As iniciativas publicitárias, portanto, devem ser tratadas com muito cuidado e acompanhadas por setores estratégicos da empresa, como o jurídico e as áreas responsáveis por questões de compliance e privacidade.
Desenvolver um plano de publicidade consistente é uma ótima iniciativa. Isso facilitará ao operador comprovar seu cuidado no cumprimento da regulação. O plano pode contemplar informações como os locais de divulgação, a validação do que será divulgado, a correta orientação a influencer digital, entre outros pontos.
Além disso, todo material ou peça de comunicação deve deixar claro que se trata de um material publicitário.
Quais são os impactos em relação à proteção de dados pessoais?
Os operadores de apostas devem observar as regras da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD), o que inclui:
- mapear atividades com dados pessoais (RoPA);
- adotar programa de governança sobre privacidade;
- adotar instrumentos de accountability;
- viabilizar processos para o cumprimento dos direitos dos titulares de dados;
- nomear um encarregado de dados; e
- adotar medidas para segurança dos dados.
Sobre o último item, a portaria determina que haja um responsável pela segurança dos dados (art. 6º, XII, b).
Também devem ser adotadas medidas que assegurem o uso ético de mecanismos de inteligência artificial (IA), para evitar, entre outros, sistemas de IA enviesados e não transparentes.
A portaria estabelece ainda a necessidade de a empresa de apostas esportivas obter do apostador a concordância para tratar seus dados pessoais (art. 11, I). O texto, na forma como foi redigido, sugere que somente o consentimento poderia autorizar o tratamento de dados pessoais dos apostadores. Há, porém, outras bases legais previstas na LGPD que permitem essa prática.