Acompanhamos com atenção os movimentos de desestatização da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) desde as preliminares da Lei 16.525/17, que estabelece a reorganização societária da estatal e autoriza a criação de sua sociedade controladora. Pretende-se agora revogar essa lei com a aprovação do Projeto de Lei 1.501/23 (PL 1.501/23), encaminhado em caráter de urgência à Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo no dia 17 de outubro.

O PL 1.501/23 reconfigura em definitivo o modelo de desestatização da companhia, cujos primeiros passos vinham sendo dados nos últimos meses.

Entre as medidas que merecem destaque estão a inclusão do município de São Paulo na Unidade Regional de Serviços de Abastecimento de Água Potável e Esgotamento Sanitário Sudeste (Urae 1 – Sudeste) e a sinalização do atual governo para uma política de modicidade tarifária no setor de água e esgotamento sanitário, mesmo após a realização da operação societária proposta.

Pelo novo modelo, o governo fica autorizado a alienar participação societária, inclusive de controle acionário, por meio de pregão ou leilão em bolsa de valores ou oferta pública de distribuição de valores mobiliários ou aumento de capital, com renúncia ou cessão – total ou parcial – de direitos de subscrição.

O mecanismo de desestatização escolhido é uma diluição da participação acionária de São Paulo na Sabesp. Atualmente o estado é titular de pouco mais da metade das ações com direito a voto. Adota-se, assim, um modelo que, em linhas gerais, foi empregado na desestatização da Eletrobrás – no nível federal – e da Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan) – no Rio Grande do Sul.

A participação mínima do estado na companhia não está legalmente definida, já que o PL 1.501/23 delegou ao Conselho do Programa Estadual de Desestatização (CDPED) a função de arbitrar sobre o assunto.

O conselho também ficou incumbido de fixar o limite máximo de exercício de direito de voto aplicável a qualquer acionista ou grupo de acionistas independentemente do número de ações ordinárias.

Ao estado de São Paulo foi conferida apenas uma golden share, ação preferencial de classe especial, exclusiva do governo, e que dá poder de veto em três deliberações:

  • denominação e sede da companhia;
  • alteração do objeto social que implique supressão da atividade principal de prestação de serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário; e
  • a regra sobre os limites ao exercício do direito de voto atribuído a acionistas ou grupo de acionistas, conforme exposto acima, a serem fixados pelo CDPED.

A desestatização deve observar três diretrizes:

  • atendimento às metas de universalização da prestação dos serviços de abastecimento de água e de esgotamento sanitário em todos os municípios do estado atendidos pela companhia, considerando a inclusão de áreas rurais e núcleos urbanos informais consolidados;
  • antecipação para 31 de dezembro de 2029 das mesmas metas de universalização, acelerando-se, assim, o cumprimento do novo marco do saneamento básico em quatro anos, em comparação ao padrão nacional, resguardados eventuais prazos inferiores previstos contratualmente; e
  • redução tarifária, considerando, preferencialmente, a população mais vulnerável.

É nesse último aspecto que está a grande inovação desse modelo de desestatização: no mínimo, 30% das receitas arrecadadas com a alienação da participação e do controle acionários do estado deverão ser destinadas a um novo fundo especial, denominado Fundo de Apoio à Universalização do Saneamento no Estado de São Paulo (Fausp).

Com o Fausp, busca-se oferecer recursos para ações de saneamento básico, inclusive voltadas à modicidade tarifária no setor e à mencionada antecipação das metas do novo marco.

O PL 1.501/23 autoriza e até mesmo vincula o repasse de recursos do fundo para a Sabesp, na forma de auxílio para investimento, depreciação ou amortização da base regulatória de ativos nas concessões ou outras alocações que atinjam a mesma finalidade.

Ainda é cedo para avaliar esse novo modelo de desestatização da Sabesp, já que diversas medidas de estruturação do projeto ainda não são públicas nem acessíveis. Essas medidas vão desde a alteração do estatuto social da companhia até a adaptação dos seus contratos de programa e do próprio padrão regulatório a ser empregado pela Agência Reguladora de Serviços Públicos do Estado de São Paulo (Arsesp).

Parece claro que a essência econômica da operação é a de uma subvenção para investimento, cujo funding consiste na própria participação acionária do estado de São Paulo na Sabesp, com o respaldo da mudança do regime de compras e de recursos humanos de público para privado.

Será dado um novo impulso a instrumentos de direito financeiro da Lei 4.320/64 que estavam um pouco adormecidos, até porque positivados há quase 60 anos, quando o país iniciava algumas das políticas desenvolvimentistas hoje bem conhecidas de nossa história institucional.