Desde que a repercussão geral passou a ser requisito para admissão de recursos extraordinários no Supremo Tribunal Federal (STF), esse tipo de recurso vem abrindo caminho para que cheguem à Corte questões de grande interesse nacional e que afetam um número expressivo de interessados.
A introdução do requisito realçou, inclusive, o papel do STF como corte constitucional. Ocorre que, uma vez reconhecida a repercussão geral de uma matéria, a apreciação do tema do julgamento do processo específico sofre um deslocamento. Antes de tudo, o STF toma a decisão sobre o assunto constitucional de repercussão geral sem se limitar aos fundamentos expostos na peça recursal. A corte poderá receber contribuições de entidades representativas (amici curiae) com notório conhecimento sobre o assunto e, após a conclusão, aplicar o entendimento para resolver o processo individual.
Esse novo modelo de julgamento de recursos sobre temas de grande interesse guarda semelhança com o controle abstrato e concentrado de constitucionalidade. Somente após o encerramento dessa fase, a solução será aplicada ao caso específico que possibilitou a chegada da matéria ao STF. Essa forma de apreciação recebe a denominação de abstrativização do julgamento de recurso extraordinário avulso.
Os efeitos subjacentes às decisões proferidas segundo essa sistemática são vinculantes para os órgãos do Poder Judiciário. Após o tribunal de 2º grau aplicar a decisão, não se admitirá a interposição de novo recurso extraordinário, sendo possível o manejo de reclamação contra a decisão do tribunal de 2º grau (desde que exaurida a instância ordinária) que não aplicar a posição consagrada pelo STF na repercussão geral.
É possível constatar, inclusive, uma importante modificação relativa ao controle de constitucionalidade exercido pelo STF nos últimos anos. Decisões proferidas no julgamento de processos subjetivos, mas segundo o regime de repercussão geral, passam a ter efeito semelhante às originadas do controle abstrato e concentrado.
Essa nova forma de encarar a atuação da corte constitucional decorre da atribuição do chamado efeito transcendente às decisões do STF em controle de constitucionalidade difuso, especialmente quando marcado pela abstrativização.
As manifestações do STF são de interesse de toda a coletividade e impactam significativamente a sociedade, razão pela qual os efeitos que poderão irradiar costumam ser considerados nas decisões.
O STF não atua de modo hermético ou mesmo sem considerar os acontecimentos verificados na sociedade – muito embora seja frequente a tentativa de refutar essa afirmação – especialmente porque, ao interpretar os dispositivos constitucionais aplicáveis aos casos sob sua apreciação, as concepções que prevalecem naquele momento são tomadas como premissas.
Entretanto, alegar a influência de fatores extrajurídicos na aplicação do direito exige alguns cuidados, sob pena de se aceitar que o Poder Judiciário assuma função típica do Poder Legislativo.
Em relação ao controle de constitucionalidade de leis que criam ou modificam a regra matriz de um tributo, o argumento de que a declaração de inconstitucionalidade poderá ter um impacto relevante nas contas públicas e comprometer a capacidade do ente federativo de dar continuidade às atividades de interesse da população é frequentemente suscitado (às vezes até ocultado).
Essa argumentação extrajurídica não pode servir de referência para o exercício do controle de constitucionalidade e muito menos como justificativa para reconhecer a validade de um diploma que crie ou modifique a legislação de um tributo.
Com a edição do Código do Processo Civil (CPC) de 2015, foi introduzido o artigo 927, § 3º, que contém redação semelhante à do artigo 27 da Lei nº 9.868/99, o qual autoriza o STF e outros tribunais superiores a modular os efeitos de suas decisões, desde que haja modificação de sua jurisprudência ou em julgamento de recursos repetitivos. A justificativa para modular os efeitos deverá ser o interesse social e a segurança jurídica.
O ponto de atenção é a existência de um entendimento com amplo alcance e cuja modificação possa afetar um número expressivo de relações jurídicas. Por esse motivo, permite-se que os efeitos da decisão sejam calibrados, com o estabelecimento de um momento específico a partir do qual a interpretação conferida deverá ser observada.
A possibilidade de mudar a interpretação de dispositivos legais é resultado da própria dinâmica do estado de direito e reflete as modificações, em diversos sentidos, que ocorrem na sociedade e influenciam os aplicadores do direito.
A busca pela segurança jurídica impõe que os atos consolidados e concluídos no passado em sintonia com a orientação predominante naquele instante devam ser protegidos e sejam blindados contra revisão ou reforma com base em interpretação superveniente.
Justamente em decorrência de um cenário marcado por mudanças de interpretação, a segurança jurídica como valor a ser alcançado pressupõe o estabelecimento de balizas e critérios que protejam os administrados que agem com moderação, seguindo orientações fornecidas pela própria Administração ou mesmo precedentes emanados do Poder Judiciário.
Não se pode admitir que uma interpretação predominante em determinado período seja utilizada como fundamento para a revisão e/ou reforma de ato praticado muitos anos antes, quando a orientação era diferente. Essa é a concepção de segurança jurídica que preconizamos e com base na qual entendemos que a modulação dos efeitos de decisões que modificam jurisprudência dominante deveria se pautar.
A consequência da modificação da jurisprudência dominante é tida, pelo próprio direito positivo, como um fator que autoriza a limitação dos seus efeitos. E qual seria essa consequência? A desconsideração de muitos atos jurídicos concretizados sob a orientação então dominante, obrigando o retorno à situação anterior. No caso da obrigação tributária, trata-se da possibilidade de restituição de valores pagos indevidamente ou mesmo de cobrança de quantias não quitadas oportunamente.
Mediante autorização para que os efeitos da decisão sejam limitados e evitadas as consequências do desfazimento de atos concretizados segundo a orientação dos tribunais superiores, o direito positivo reconhece que, excepcionalmente, fatores extrajurídicos poderão ser invocados como fundamento para uma determinada decisão.
O requisito alternativo a autorizar a modulação dos efeitos de decisões é o interesse social. Mais uma vez, as consequências da decisão para a sociedade poderão ser utilizadas como razão motivadora da limitação dos efeitos do pronunciamento judicial.
O argumento frequentemente invocado como fundamento para os pedidos de limitação dos efeitos de decisão que reconhece a inconstitucionalidade de dispositivo que cria ou modifica a regra matriz de determinado tributo – impacto danoso para os cofres públicos – não pode ser acolhido, se considerado isoladamente. Interesse social não se confunde com interesse da administração tributária.
Os pressupostos que levam a considerar possíveis reflexos da decisão na sociedade como justificativa extrajurídica para limitar os efeitos do pronunciamento estão postos pelo direito positivo e devem ser observados.
Por se tratar de uma exceção admitida pelo direito, é imprescindível que a modulação dos efeitos de decisão judicial com base em fundamentos extrajurídicos seja adotada com parcimônia. Ela somente deverá ocorrer quando os requisitos autorizadores estiverem presentes.