A Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reconheceu, em 9 de abril, sob o rito dos julgamentos repetitivos (Tema 1.247), o direito de o contribuinte manter o crédito do IPI originado pela aquisição de produtos utilizados em seu processo de industrialização, mesmo diante de saídas de produtos não tributados (NT), inclusive os imunes, previstos no artigo 155, parágrafo 3º, da Constituição Federal de 1988.

A decisão, tomada de forma unânime pela Primeira Seção do STJ, pôs fim a um debate que perdurava há mais de 20 anos nos tribunais do país sobre a extensão do artigo 11 da Lei 9.779/99assunto já abordado por nós em outro artigo.

O dispositivo mencionado prevê a "possibilidade de creditamento do IPI decorrente de aquisição de matéria-prima, produto intermediário e material de embalagem, aplicados na industrialização, inclusive de produto isento ou tributado à alíquota zero".

No entendimento do fisco, disposto no Ato Declaratório Interpretativo SRF 5/06 (ADI SRF 5/06), não seria permitida a manutenção do crédito de IPI, quando os insumos fossem aplicados em produto final com notação NT (não tributado), devido à ausência de previsão legal. Isso porque o artigo 11 da Lei 9.779/99 não menciona expressamente os produtos finais não tributados. O dispositivo se refere somente aos produtos isentos ou tributados à alíquota zero.

Por outro lado, os contribuintes sustentavam que, com a edição da Lei 9.779/99, o direito à manutenção do crédito do IPI nas aquisições de insumos utilizados para fabricação de produto final desonerado do imposto, inclusive o imune, tornou-se legítimo.

No âmbito do Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf), houve, inicialmente, algumas ocasiões em que se reconheceu o direito à manutenção do crédito do IPI nas saídas desoneradas do imposto, inclusive dos produtos imunes:

IPI. RESSARCIMENTO CRÉDITO MÁTERIA-PRIMA, PRODUTO INTERMEDIÁRIO E MATERIAL DE EMBALAGEM. PRODUTO IMUNE. Os produtos constantes na TIPI como não tributáveis por força da imunidade constitucional e que não estejam excluídos do conceito de industrialização do art. 3º do RIPI/98 devem gozar do direito ao ressarcimento dos créditos relativos aos insumos empregados no processo produtivo, consoante dispõe o art. 11 da Lei nº 9.779/99. Recurso provido em parte.”

Entretanto, após a fixação do tema na Súmula Carf 20, o direito à manutenção do crédito do IPI nas saídas desoneradas vinha sendo reconhecido apenas em caso de saídas destinadas ao exterior:

Não há direito aos créditos de IPI em relação às aquisições de insumos aplicados na fabricação de produtos classificados na TIPI como NT.”

Como o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a discussão sobre a possibilidade de manutenção do crédito prevista na Lei 9.779/99 seria de ordem infraconstitucional, coube ao STJ a palavra final sobre o tema.

Em primeiro julgamento, sem caráter vinculante, a 1ª Seção do STJ, já havia se manifestado, por maioria, pela possibilidade do creditamento de IPI na venda de produtos finais não tributados, inclusive os imunes:

"PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS – IPI. OUTORGA DE CRÉDITO POR MEIO DO ART. 11 DA LEI N. 9.779/1999. CREDITAMENTO AUTÔNOMO. DESVINCULAÇÃO DA REGRA DA NÃO CUMULATIVIDADE – DISTINGUISHING. UTILIZAÇÃO DO SALDO CREDOR DE IPI NA INVIABILIDADE DA COMPENSAÇÃO COM O MENCIONADO TRIBUTO INCIDENTE NA SAÍDA. HIPÓTESE DE PRODUTO NÃO TRIBUTADO. POSSIBILIDADE".

Mais recentemente, esse tema foi afetado ao rito dos recursos repetitivos pela 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça.

Os leading cases foram o REsp 1976618/RJ e o REsp 1995220/RJ, distribuídos para a relatoria do ministro Marco Aurélio Belizze, que reconheceu o direito à manutenção do crédito de IPI na saída de produtos desonerados do imposto (NT), inclusive os imunes. O ministro relator foi acompanhado, por unanimidade, pelos demais ministros que compõem a 1ª Seção do STJ.

Encerrado o debate entre os ministros da 1ª Seção, firmou-se a seguinte tese:

“O creditamento de IPI, estabelecido no art. 11 da Lei n. 9.779/1999, decorrente da aquisição tributada de matéria-prima, produto intermediário e material de embalagem utilizados na industrialização, abrange a saída de produtos isentos, sujeitos à alíquota zero e imunes.”

Considerando o seu caráter vinculante, a decisão do STJ deverá ser obrigatoriamente replicada pelos demais tribunais do país, de acordo com artigo 1.040 do CPC/15.  

Vale notar que o efeito vinculante dessa recente decisão da 1ª Seção do STJ também se aplica aos julgamentos que venham a ser realizados pelo Carf, como previsto no artigo 99 do regimento interno desse órgão colegiado. Assim, muito em breve a Súmula Carf 20 deve ser revogada, para que o Carf adeque sua jurisprudência ao que determina o Tema 1.247.

A prática tributária do Machado Meyer está à disposição para fornecer mais informações sobre as implicações da decisão comentada neste artigo.