A 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) vai definir se as operações de integralização de imóveis realizadas por fundo de investimento imobiliário (FII) podem ser tributadas pelo Imposto de Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) ou estão sujeitas à imunidade tributária por se tratar de transferência de propriedade fiduciária, nos termos dos artigos 156, II, da Constituição Federal[1] (CF/88) e 35, II, do Código Tributário Nacional (CTN).[2]

A questão inédita no STJ está sendo examinada no Agravo em Recurso Especial 1.492.971/SP.

No dia 20 de setembro de 2022, o julgamento do caso foi suspenso por pedido de vista da ministra Regina Helena Costa, após voto do relator, ministro Gurgel de Faria, pelo desprovimento do recurso dos contribuintes para reconhecer a incidência do ITBI.

De acordo com o ministro, nessas operações, a aquisição do imóvel para a composição do patrimônio do FII é efetivada diretamente pela administradora do fundo e paga por meio da emissão de novas cotas do fundo aos alienantes. Há, portanto, efetiva transferência a título oneroso da propriedade dos imóveis, o que atrai a incidência do ITBI.

Assim como o ministro, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo também não reconheceu o direito dos contribuintes à imunidade do ITBI, sob o argumento de que cotistas deixam de ser proprietários do imóvel ao repassá-lo para o FII, e, por isso, há a transferência da propriedade. Essa posição levou à interposição do recurso em julgamento no STJ.

A controvérsia se traduz em um embate entre a interpretação dos fiscos municipais e dos contribuintes – e consequentes desdobramentos judiciais – sobre a possibilidade de caracterizar essa operação, tão comum em FIIs, como transmissão onerosa de propriedade, passível de tributação pelo ITBI, nos termos do art. 35, II, e 110[3] do CTN e do art. 156, II, CF/88.

Além dos aspectos tributários, é importante entender a finalidade por trás do instituto jurídico da propriedade fiduciária, para uma correta interpretação das operações realizadas pelo FII. Esse instituto motiva, inclusive, que os fundos de investimento não gozem de personalidade jurídica, mas sejam constituídos como uma comunhão de recursos que integram um patrimônio separado, o que tem inspiração na figura do trust do direito anglo-americano.

Nos termos da Lei 8.668/93, os FIIs se caracterizam por serem uma comunhão de recursos captados por meio do sistema de distribuição de valores mobiliários destinados à aplicação em empreendimentos imobiliários, os quais não têm personalidade jurídica. A questão é pertinente, já que o patrimônio dos FIIs é constituído pelos bens e direitos adquiridos pela instituição administradora, em caráter fiduciário.

Os bens imóveis, assim como seus frutos e rendimentos, são mantidos sob a propriedade fiduciária da instituição administradora, de forma independente e incomunicável com o patrimônio dela. Quando os investidores integralizam as cotas do FII mediante a conferência de bens imóveis, estes são transferidos, em propriedade fiduciária, para a instituição administradora, constituindo um patrimônio separado administrado em proveito dos cotistas.

Trata-se de um negócio fiduciário que atribui ao bem a finalidade de administração, o que o distingue do negócio fiduciário em garantia, uma vez que os cotistas continuam sendo proprietários indiretos do bem imóvel, na qualidade de cotistas do FII.

Ou seja, na hipótese em análise no STJ, os cotistas apenas alocaram os imóveis de sua titularidade em um veículo próprio para usufruir de uma administração profissional, recebendo como contrapartida as cotas, que nada mais são do que as frações ideais do patrimônio do FII.

O objetivo dessa operação, portanto, não é a transferência onerosa da propriedade imobiliária para a administradora do fundo, mas sim confiar imóveis dos investidores a terceiro com a finalidade específica de gestão patrimonial.

Deve-se considerar, ainda, que o fato gerador do ITBI somente ocorre com a transferência efetiva da propriedade imobiliária, que se dá mediante o competente registro no cartório de registro de imóveis, conforme jurisprudência do STF.

Por sua vez, na integralização de cotas do FII mediante a conferência de bem imóvel, seria possível argumentar que não ocorre o registro dessa transferência de propriedade imobiliária, uma vez que, no registro de imóveis, deve ser averbado que o imóvel constitui patrimônio do FII.

Como vimos acima, o FII é uma comunhão de recursos sem personalidade jurídica. O imóvel é simplesmente mantido sob a propriedade fiduciária da administradora do fundo para fins de gestão em benefício dos próprios cotistas que integralizaram o bem e em favor dos quais foram emitidas as cotas que representam frações ideias de tal patrimônio.

Nesse sentido, compete à administradora fazer a averbação de uma série de restrições previstas no artigo 7º da Lei 8.668/93[4] na matrícula do imóvel, para assegurar a eficácia perante terceiros de que o bem imóvel faz parte de um patrimônio separado, independente e incomunicável, não confundindo-se com o patrimônio próprio.

Esses aspectos devem ser considerados pelo STJ na análise do caso, especialmente pelo fato de que “a lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado”, como disposto no art. 110 do CTN.

Apesar de não se tratar de caso submetido à sistemática dos recursos repetitivos, a decisão a ser tomada pela 1ª Turma do STJ representará um importante precedente para os demais casos que tratem de questão idêntica e garantirá segurança jurídica, especialmente porque os tribunais estaduais têm divergido sobre o assunto, ora mantendo, ora afastando a cobrança.

O tema ainda não foi examinado pela 2ª Turma do STJ, que, assim como a 1ª Turma, integra a 1ª Seção de Direito Público da Corte. Caso a 1ª e 2ª Turmas adotem posições divergentes, as partes poderão apresentar embargos de divergência para que a 1ª Seção dê a palavra final sobre tema, uniformizando a jurisprudência do STJ.

 


[1] “Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre:

[...]

II – transmissão “inter vivos”, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição;

(...)” (Constituição Federal).

[2] “Art. 35. O imposto, de competência dos Estados, sobre a transmissão de bens imóveis e de direitos a eles relativos tem como fato gerador:

(...)

II – a transmissão, a qualquer título, de direitos reais sobre imóveis, exceto os direitos reais de garantia;

(...)” (Código Tributário Nacional).

[3] “Art. 110. A lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias.” (Código Tributário Nacional).

[4] “Art. 7º Os bens e direitos integrantes do patrimônio do Fundo de Investimento Imobiliário, em especial os bens imóveis mantidos sob a propriedade fiduciária da instituição administradora, bem como seus frutos e rendimentos, não se comunicam com o patrimônio desta, observadas, quanto a tais bens e direitos, as seguintes restrições:

I - não integrem o ativo da administradora;

II - não respondam direta ou indiretamente por qualquer obrigação da instituição administradora;

III - não componham a lista de bens e direitos da administradora, para efeito de liquidação judicial ou extrajudicial;

IV - não possam ser dados em garantia de débito de operação da instituição administradora;

V - não sejam passíveis de execução por quaisquer credores da administradora, por mais privilegiados que possam ser;

VI - não possam ser constituídos quaisquer ônus reais sobre os imóveis.

  • 1 No título aquisitivo, a instituição administradora fará constar as restrições enumeradas nos incisos I a VI e destacará que o bem adquirido constitui patrimônio do Fundo de Investimento Imobiliário.
  • 2 No registro de imóveis serão averbadas as restrições e o destaque referido no parágrafo anterior.
  • 3 A instituição administradora fica dispensada da apresentação de certidão negativa de débitos, expedida pelo Instituto Nacional da Seguridade Social, e da Certidão Negativa de Tributos e Contribuições, administrada pela Secretaria da Receita Federal, quando alienar imóveis integrantes do patrimônio do Fundo de Investimento Imobiliário.” (Lei 8.668/93).