Roberta Danelon LeonhardtThais Ferreira Moreno e Claudia Hori

Nos últimos meses, acompanhamos discussões globais sobre a importância de uma retomada verde da economia após a pandemia de covid-19, por meio de pautas como Environmental, Social and Corporate Governance (ESG), mercado de carbono, títulos verdes, mudanças nos hábitos de consumo, entre outros assuntos. Na contramão dessa tendência, a pandemia acabou enfraquecendo o compromisso de diversas nações com ações climáticas e de conservação do meio ambiente. Houve cortes nos investimentos por parte das autoridades públicas e do setor privado na área de sustentabilidade, metas de emissão descumpridas e adiamento da Conferência das Partes da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP 26), na qual acontecem as principais discussões a respeito das mudanças climáticas no mundo.

É justamente nesse contexto que os debates sobre a possibilidade de utilizar litígios para alavancar as políticas ambientais se intensificam. Em 2019, o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), António Guterres, alertou sobre o fato de que o mundo está se aproximando de um “ponto sem retorno” no que diz respeito às mudanças climáticas. Preocupação semelhante foi manifestada no Relatório Global de Riscos 2020, elaborado pelo Fórum Econômico Mundial. Pela primeira vez na história do estudo, todos os maiores riscos de longo prazo estavam relacionados ao clima.

A litigância climática pode ser definida como um meio para facilitar a regulação climática e para obter a responsabilização dos policymakers por meio de decisões judiciais. Atualmente, a maior parte da litigância climática ainda é direcionada aos governos e aos agentes estatais, mas é possível exercê-la em face de entidades privadas e particulares.

No Brasil, ainda não há um volume expressivo de demandas associadas à litigância climática, mas observamos uma crescente preocupação com o tema. Uma iniciativa que merece destaque é a recente recomendação ministerial emitida no âmbito do Processo Administrativo n° 01/2019, instaurado pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) em dezembro de 2020. Diversas diretrizes foram expedidas ao Poder Executivo estadual para que adote ações de prevenção e mitigação das mudanças climáticas no estado.

Ainda que o processo não tenha finalidade punitiva imediata, o não atendimento injustificado da recomendação ministerial pode ensejar a adoção de medidas mais severas no futuro por parte do Ministério Público, incluindo a judicialização do tema, em razão da inércia do Poder Público. Apesar de as determinações serem primordialmente direcionadas à Administração Pública, é nítida a repercussão de tais medidas na esfera privada.

O estado do Rio de Janeiro tem, desde 2010, uma Política Estadual sobre Mudança Global do Clima e Desenvolvimento Sustentável, criada pela Lei Estadual nº 5.690/10, cujas regulamentação e operacionalização dependem de alguns instrumentos adicionais, como:

  • A elaboração/atualização quinquenal do Plano Estadual sobre Mudança do Clima, o qual deverá identificar, planejar e coordenar as ações e medidas que possam ser empreendidas no âmbito público ou privado para mitigar as emissões de gases de efeito estufa e para promover a adaptação da sociedade aos impactos decorrentes da mudança do clima.
  • O Fórum Rio de Mudanças Climáticas, que visa mobilizar a sociedade, o governo estadual e os governos municipais para discussão e apoio às ações relacionadas às mudanças climáticas.
  • A implementação do Sistema Estadual de Informações sobre Mudanças do Clima, que deve monitorar os parâmetros relacionados a mudanças climáticas (tais como temperatura, pluviosidade e nível do mar), entre outras regulamentações.

Para o empreendedor, os pedidos mais relevantes apresentados pelo MPRJ estariam relacionados ao licenciamento ambiental e à criação de um mercado de carbono.

O Plano Estadual sobre Mudança do Clima já previa a inclusão de exigências relacionadas a emissões como condicionantes para o licenciamento ambiental de empreendimentos com significativa emissão de gases de efeito estufa. Assim, o licenciado deveria apresentar inventários de emissão ou planos de mitigação e medidas de compensação e, até mesmo, cumprir obrigação de neutralização total ou parcial.

Diante disso, por se tratar de mais um instrumento a ser regulamentado, o MPRJ requereu na recomendação ministerial a regulamentação infralegal da condicionante prevista no artigo 10 da Lei Estadual n° 8.538/19, que prevê que “o órgão estadual ambiental competente exigirá, na forma de condicionante, nos processos de licenciamento ambiental de empreendimento de grande porte, um percentual de recursos financeiros proporcional às emissões de carbono e aos impactos ambientais do empreendimento a ser licenciado para a recuperação da Mata Atlântica e constituição de corredores ecológicos e florestais, independente da necessidade de Autorizações de Supressão da Vegetação – ASV”.

Com relação à criação de um mercado de carbono, o Plano Estadual sobre Mudança do Clima tinha uma disposição específica sobre o tema, que envolvia o fomento de mercados de carbono por parte do estado, estimulando a criação e implementação de projetos capazes de reduzir as emissões atmosféricas. O MPRJ, mais uma vez, solicitou a adoção de medidas que viabilizem a efetiva implementação dessa disposição.

A criação de um mercado de carbono bem estruturado pode ser bastante interessante para as entidades privadas, principalmente em razão da Lei Estadual n° 3.467/2000, que dispõe sobre infrações ambientais e, em seu artigo 9º, VII, prevê que a implementação de planos e programas voluntários, em conformidade com a Política Estadual sobre Mudança do Clima, pode ser considerada circunstância atenuante em caso de infração.

Assim, a regulamentação de um mercado de carbono garantiria um benefício duplo ao empreendedor, que, além de contribuir para a mitigação dos efeitos das mudanças climáticas, ainda poderia pleitear a redução de eventual penalidade, utilizando-se de um sistema de mercado devidamente sistematizado e regulamentado.

Com a instauração do Processo Administrativo n° 01/2019, o MPRJ busca a efetiva execução dos instrumentos legais existentes e pouco utilizados para fins de mitigação dos impactos das mudanças climáticas no estado do Rio de Janeiro. Tais instrumentos incluem a criação de um mercado de carbono, a apresentação de planos para coordenar ações a serem implementadas tanto pelo setor público quanto pelo privado para reduzir as emissões de gases de efeito estufa, a promoção de discussões entre diferentes stakeholders sobre medidas direcionadas às mudanças climáticas e a inclusão de condicionantes técnicas em licenças ambientais prevendo financiamento de projetos de preservação, com base no percentual de emissões de carbono do empreendimento.

Embora a medida se apresente, a princípio, como um enrijecimento da legislação ambiental, o setor privado, ao observar as novas disposições e contribuir para atenuar os efeitos negativos de suas operações para o meio ambiente, pode obter benefícios reputacionais por se alinhar com as expectativas do novo mercado e as demandas de seus investidores por projetos cada vez mais sustentáveis.