Dois temas que vêm provocando efervescência no setor industrial e no mundo corporativo são hidrogênio verde e ESG (sigla em inglês para Environmental, Social and Governance, que, em português, corresponde a Ambiental, Social e Governança). Bastante distintos à primeira vista, os dois assuntos se relacionam de maneira singular e trazem oportunidades e vantagens para empresários e investidores, principalmente no Brasil.
Ainda que a adoção de uma estratégia empresarial pautada pelos aspectos e implicações ambientais, sociais e de governança do negócio venha sendo debatida há algum tempo, é inegável que o tema ganhou maior relevância recentemente, quando muitas empresas e governos tiveram que se reestruturar e se adaptar às mudanças impostas pelas medidas de isolamento social para conter a pandemia de Covid-19.
A crise sanitária de escala global revelou as fragilidades das estratégias econômicas adotadas, evidenciando a necessidade de revisão dos modos de produção, consumo e, principalmente, da relação das pessoas, das empresas, dos líderes e nações com o meio ambiente. Hoje em dia, muito se fala na “retomada verde” da economia e no “capitalismo de stakeholders”, e não mais de “shareholders”. É o momento para nações e corporações aproveitarem a crise e os esforços empreendidos na retomada econômica e (re)afirmarem compromissos e agendas em prol da sustentabilidade.
O recente anúncio de iniciativas e investimentos na produção de hidrogênio verde no Brasil e a iminência da edição de um Programa Nacional do Hidrogênio que deve ser aprovado até o final de 2021[1] pelo Congresso Nacional, reavivaram as discussões a respeito da viabilidade e das oportunidades relacionadas ao uso do hidrogênio em diversos mercados e setores.
O hidrogênio é um dos principais insumos industriais,[2] com larga aplicação e capacidade de otimizar uma série de processos e produtos, mas o alto custo de produção tem limitado o seu uso no país. A obtenção do hidrogênio envolve, na maior parte das vezes, a utilização de fontes de energia poluentes, como o petróleo, gás natural ou carvão. A contraparte verde corresponde ao hidrogênio produzido utilizando-se energia de fontes renováveis (como eólica, solar e de biocombustíveis), com emprego da eletrólise para separar o oxigênio do hidrogênio na molécula de água.
Contudo, o consórcio de empreendimentos de geração de energia a partir de fontes renováveis de larga escala com plantas para a produção de hidrogênio verde tem se mostrado um caminho cada vez mais factível para superar os obstáculos à produção e à utilização desse elemento em larga escala, principalmente diante da contínua elevação do preço dos combustíveis fósseis e o consequente aumento da competitividade das fontes alternativas de energia. Nesse contexto, o Brasil, com uma matriz energética 80% composta por fontes renováveis, tem uma franca e inegável vantagem concorrencial para essa importante ferramenta de transição energética mundial.
O hidrogênio verde, especialmente no setor de energia, pode ser a chave para garantir ao país o protagonismo na reestruturação econômica pautada em estratégias ESG, assumindo o papel de componente fundamental da matriz energética brasileira.
Enquanto estratégia corporativa, do ponto de vista ambiental, o hidrogênio verde representa uma importante ferramenta para a descarbonização da economia, dos processos industriais e do setor de transporte, ao reduzir as emissões de gases causadores do efeito estufa (GEE) e servir como instrumento bastante interessante para que sejam atingidos os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS)[3] e demais metas ligadas à sustentabilidade, em especial se observados os aspectos positivos de redução de emissões de carbono e o potencial crédito de energia renovável.
No aspecto social, a produção do hidrogênio verde em escala comercial e a estruturação das cadeias produtiva, de armazenamento e de distribuição no país demandarão investimentos vultosos e resultarão na geração de milhares de novas vagas e oportunidades de emprego e renda.
Considerando o potencial energético brasileiro, principalmente aquele concentrado nas regiões Norte e Nordeste do país e voltado à produção de energia limpa (eólica, solar e hídrica), a implementação de iniciativas ligadas ao hidrogênio verde pode significar um fomento econômico ao desenvolvimento dessas regiões, com maior aporte de investimentos, melhor distribuição de renda e redução de desigualdades sociais. Além disso, há a expectativa de que o hidrogênio verde promova a unificação dos mercados de combustível, industrial e elétrico, dada a sua versatilidade e aplicação múltipla.
Do ponto de vista da governança, à medida que a produção e distribuição de hidrogênio verde no país caminham para se tornar uma realidade, as instituições e instrumentos governamentais devem preparar o cenário legal, econômico e regulatório propício para a integração da cadeia do hidrogênio verde à política energética brasileira, envolvendo a sociedade civil e setores empresariais, bem como direcionando esforços e recursos para uma reestruturação econômica integrada aos ideais e agendas alinhados à questão da sustentabilidade.
É necessário, portanto, acompanhar atentamente o cenário regulatório brasileiro e a mobilização das autoridades para estabelecer o Programa Nacional do Hidrogênio, assim como estar aberto às inúmeras oportunidades da retomada verde atrelada ao hidrogênio verde como uma estratégia importante para fortalecer os aspectos ESG e as iniciativas de descarbonização da economia brasileira.
[1] Com relação a esta temática, a Resolução nº 6, de 20 de abril de 2021, do Conselho Nacional de Política Energética, determinou que o Ministério de Minas e Energia apresente proposta de diretrizes para o Programa Nacional do Hidrogênio no prazo máximo de 60 dias (contados a partir da publicação da referida resolução, que ocorreu em 17 de maio de 2021).
[2] Utilizado na indústria alimentícia, do agronegócio, petroquímica, da mineração, de tecnologia e de energia.
[3] Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável são uma agenda mundial pactuada pelos 193 países membros da Organização das Nações Unidas (ONU) e composta por 17 objetivos e 169 metas a serem atingidos até 2030, com compromissos voltados à erradicação da pobreza, segurança alimentar, saúde, educação, igualdade de gênero, redução das desigualdades, energia, água e saneamento, padrões sustentáveis de produção e de consumo, mudança do clima, cidades sustentáveis, proteção e uso sustentável dos oceanos e dos ecossistemas terrestres, crescimento econômico inclusivo, infraestrutura, industrialização e entre outros.