O Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) é tributo de grande controvérsia quanto a seu fato gerador em diferentes situações. Uma das questões polêmicas é a cobrança realizada por municípios sobre operações de integralização de imóveis em fundos de investimento imobiliário (FII), tema ainda não pacificado pelos tribunais brasileiros.
A discussão se deve haver ou não incidência de ITBI nessas transações ocorre principalmente por se tratar de tributo municipal. Isso faz com que as regras para cobrança variem de acordo com o local do imóvel integralizado.
Em fevereiro deste ano, em julgamento realizado nos autos do AREsp 1.492.971, a 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) confirmou o entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ/SP) e determinou a incidência de ITBI em operações dessa natureza.
No julgamento, prevaleceu o entendimento entre os ministros integrantes da 1ª Turma do STJ de que “a aquisição de imóvel para patrimônio do fundo de investimento imobiliário, operacionalizada pela emissão de novas quotas do condomínio e efetivada diretamente pela administradora do fundo, configura, a toda evidência, transferência a título oneroso de propriedade imóvel, caracterizadora de fato gerador do ITBI (...)”.
No caso que deu origem ao acórdão, uma empresa administradora de FIIs ajuizou mandado de segurança contra o município de São Paulo, alegando ilegalidade na cobrança do ITBI sobre a operação de integralização dos imóveis ao patrimônio do FII.
Segundo a administradora a propriedade fiduciária transferida deveria ser considerada apenas um direito de garantia. Dessa forma, estaria imune à cobrança do ITBI, de acordo com o que estabelece a Constituição Federal (CF) em seu artigo 156, inciso II.[1] A administradora também alegou que o repasse do imóvel para o patrimônio do FII não configuraria transmissão de propriedade, já que o fundo não tem personalidade jurídica.
O julgamento, portanto, girava em torno de dois fundamentos jurídicos:
- a existência de imunidade tributária sobre direito real de garantia (artigo 156, II, da CF); e
- a inexistência de transmissão de propriedade do imóvel na sua integralização ao FII, já que o fundo não pode ser titular de direitos e obrigações por não ter personalidade jurídica (artigo 35, II, do Código Tributário Nacional).
O juiz do caso indeferiu os pedidos da administradora, pois interpretou que os antigos proprietários não tinham mais relação direta que permitisse a eles exercer direitos sobre os imóveis e receberam em troca as cotas sociais do FII. Teria havido transferência onerosa de propriedade, operação sujeita ao ITBI.
O magistrado entendeu que o imóvel integralizado passou a ser de propriedade do FII, ainda que o registro seja feito formalmente em nome da administradora do FII, como proprietária fiduciária, já que o FII tem natureza jurídica de condomínio fechado e não goza de personalidade jurídica.
Esse entendimento foi mantido pelo TJ/SP, o que gerou a interposição de recurso especial ao STJ.
Questão pode acabar sendo analisada no STF
Apesar de haver aspecto de ordem infraconstitucional na discussão sobre o fato gerador do ITBI na integralização de bens imóveis ao patrimônio de FII, é inegável que existe também o aspecto constitucional em relação à existência ou não de imunidade tributária nessa operação. Com isso, é possível que a questão venha a ser examinada pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Em maio, inclusive, o tema esteve presente na Suprema Corte. Em decisão monocrática no Recurso Extraordinário com Agravo 1.434.753, a ministra Rosa Weber negou seguimento a recurso extraordinário que tratava justamente sobre a imunidade tributária do artigo 156, II, da CF na integralização de imóveis em FII.
A decisão, porém, ocorreu por questões estritamente processuais. Com isso, a ministra não chegou a tratar do mérito da questão.
Outra discussão gira em torno da incidência de ITBI na troca da administradora do FII. Ou seja, averbar a mudança de administradora – transferência de propriedade fiduciária – no registro de imóveis, caracteriza fato gerador de ITBI?
Acreditamos que não, pois, como previsto no art. 11, parágrafo 4º, da Lei 8.668/93, a sucessão da administradora constitui apenas transferência de propriedade fiduciária para fins de administração do patrimônio do fundo. A operação não gera transferência da propriedade.
Caso essa questão seja levada ao Judiciário, será necessário analisar se o posicionamento da 1ª Turma do STJ no AREsp 1.492.971 influenciará na avaliação do julgador sobre a possibilidade de cobrança de ITBI nos casos de mera mudança de administrador do FII, mesmo que se trate de situações juridicamente diferentes.
Já há decisões que reconhecem que a sucessão da propriedade fiduciária de imóvel integrante do patrimônio de FII não constitui transferência de propriedade (REsp 1.521.383/RS).
Sobre toda essa discussão, entendemos que, no futuro, operações que envolvam a integralização de imóveis em FII provavelmente serão tributadas pelo município competente. O ITBI será calculado com base no valor dos imóveis transferidos e poderá chegar a até 5% do valor do imóvel, dependendo da alíquota aplicada pelo município em que se localizar o imóvel.
É essencial, portanto, que, antes de realizar a operação, se analise a legislação municipal para verificar as hipóteses de incidência de ITBI e o valor de eventuais cobranças. Assim será possível definir a estrutura mais eficiente, considerando diversos aspectos negociais e jurídicos – inclusive tributários.
Há ainda um outro ponto que merece atenção: as mudanças trazidas pelo novo marco regulatório dos fundos de investimento (Resolução CVM 175/22). Estabelecido pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o marco deve entrar em vigor em 2 de outubro deste ano e as alterações poderão gerar novas discussões sobre a incidência do ITBI em operações que envolvam FIIs.
[1] Constituição. Art. 156 [...] II – transmissão "intervivos", a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição.