A Receita Federal do Brasil (RFB), por meio da Solução de Consulta Cosit 43/25, formalizou o entendimento de que a antecipação de recursos financeiros relacionados à venda no mercado interno de mercadoria importada e recebidos de clientes nacionais não desqualifica operações de importação por ‘conta própria’ ou ‘encomenda’.

O posicionamento é importante pois o assunto historicamente gera controvérsias, que podem levar à aplicação da pena de perdimento das mercadorias (ou multa correspondente a 100% do valor das mercadorias) e até resultar em repercussões criminais para os administradores das empresas.

A solução de consulta analisou a possibilidade de uma empresa receber previamente parte do pagamento pela revenda das mercadorias aos seus clientes nacionais, e se o recebimento desses valores caracterizaria importação terceirizada – ou seja, uma importação indireta.

A empresa consulente atua como ‘importadora direta’ (em importações ‘por conta própria’) e como ‘encomendante’ (em importações ‘por encomenda’).

De acordo com a descrição dos fatos apresentada na solução de consulta, a empresa consulente atua nas fases comercial e de distribuição nacional dos produtos. Ela detém a autorização das marcas para isso, assim como presta serviços de pós-venda aos seus clientes nacionais (como garantia, devoluções, trocas, entre outros).

A RFB entendeu que, em relação às operações de importação ‘por encomenda’, a legislação prevê expressamente que os valores recebidos de ‘encomendante predeterminado a título de pagamento, total ou parcial, da obrigação relativa à revenda da mercadoria nacionalizada, ainda que ocorrido antes da realização da operação de importação ou da efetivação da transação comercial de compra e venda da mercadoria de procedência estrangeira pelo importador por encomenda’ são considerados ‘recursos próprios do importador por encomenda’ (art. 3º, parágrafo 3º, da IN RFB 1.861/18).

Nesse caso, o cliente da empresa consulente é caracterizado como ‘encomendante do encomendante’, o que não é proibido pela legislação em vigor. A legalidade dessa operação já havia sido manifestada anteriormente pela RFB por meio da Solução de Consulta Cosit 158/21.

Além disso, a antecipação de pagamento, também denominado sinal ou arras, é um instituto previsto pela legislação brasileira[1] e pode ser computada como parte do pagamento pela venda do bem nacionalizado sem descaracterizar a operação.

A RFB aplicou o mesmo entendimento às antecipações de pagamento na importação ‘por conta própria’, reconhecendo que o consumidor final apenas realiza uma única operação de compra no mercado interno e que não há elementos que qualifiquem o comprador nacional como ‘adquirente’ ou ‘encomendante’ para fins de importação indireta. Não é necessário, portanto, cumprir formalidades burocráticas relativas a essas operações (obtenção de Radar, formalização e apresentação de contrato de importação à RFB, dentre outros).

Com base nessa fundamentação, o órgão concluiu que:

  • No caso de importação ‘por encomenda’, o simples adiantamento de recursos em relação à venda no mercado interno da mercadoria importada não descaracteriza a operação, ainda que parte do recurso seja utilizado pelo encomendante na efetivação da operação, ou seja, computado no valor integral da dívida; e
  • No caso de importação ‘por conta própria’, em que há o mesmo procedimento de antecipação de recursos em relação à revenda da mercadoria importada, o consumidor final igualmente realiza apenas operação de compra no mercado interno. Não pode ser equiparado a ‘adquirente’ ou ‘encomendante’ da mercadoria para fins aduaneiros.

O posicionamento trazido pela RFB parece indicar que a existência de identificação prévia de cliente no mercado interno não deve ser considerada como elemento suficiente para descaracterizar a operação de importação própria e reclassificá-la como importação indireta.

A Solução de Consulta 43/25 fez, porém, a ressalva de que, em ambos os casos, é necessário haver compatibilidade financeira e operacional entre os intervenientes. Também é preciso que os termos pactuados sejam legítimos para que as operações de importação sejam consideradas regulares.

Para a RFB, relações estabelecidas entre partes legítimas, com comprovação de origem, disponibilidade e transferência de recursos utilizados, tais operações não se caracterizam como infração por (i) ocultação do real adquirente mediante fraude, simulação ou interposição fraudulenta[2]; ou (ii) acobertamento de reais intervenientes ou beneficiários de operações de comércio exterior[3], ainda que haja a antecipação de pagamento pela subsequente venda da mercadoria.

A nosso ver, o posicionamento da RFB guarda coerência com os objetivos que motivaram a instituição das modalidades de importação indireta – importação ‘por conta e ordem’ e importação ‘por encomenda’ – ou seja: a avaliação e identificação da participação ou intervenção de terceiros nas operações de comércio exterior.

Dessa forma, a manifestação da RFB pode ser considerada como positiva para o mercado, pois contribui para trazer mais segurança jurídica às operações em que haja a antecipação de recursos, principalmente nos casos de importações ‘por conta própria’, cuja legislação não é tão clara.

Recomenda-se, de qualquer forma, que as partes envolvidas (tanto a importadora quanto a compradora nacional do bem) observem boas práticas de compliance aduaneiro de modo a estarem preparadas para demonstrar a legitimidade das suas operações, principalmente considerando a relevância e a gravidade de potenciais penalidades caso a RFB entenda que a operação foi irregular – o que pode trazer consequências patrimoniais e criminais para as empresas e seus administradores.

Também se recomenda que a avaliação de risco sobre a adoção dessa estrutura financeira de pagamento seja realizada de acordo com cada situação específica da empresa e das mercadorias importadas, já que poderá haver maior subjetividade da RFB, a depender do caso.

O Machado Meyer Advogados segue à disposição para esclarecer eventuais dúvidas sobre o tema.

 


[1] Art. 417 da Lei 10.406/02 (Código Civil).

[2] Art. 23, V, do Decreto-Lei 1.455/76.

[3] Art. 33 da Lei 11.488/07.