Às vésperas do fim do governo e com expectativas frustradas quanto ao avanço do Projeto de Lei nº 6.407/2013 (PL do Gás), o presidente Michel Temer publicou no último dia 17 o Decreto nº 9.616 para alterar o Decreto nº 7.382/2010, que regulamentou os Capítulos I a V e VIII da Lei do Gás.
A medida veio na sequência das muitas discussões promovidas entre agentes da indústria e governo e após diversas iniciativas desenvolvidas ao longo dos últimos anos. De modo geral, as alterações contempladas no decreto estão de acordo com as previsões do PL do Gás e com as propostas apresentadas como parte da iniciativa Gás para Crescer, lançando as bases gerais para a estruturação da indústria do gás natural e deixando a cargo da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) a regulação de temas específicos.
O decreto dá continuidade às diretrizes estratégicas para o desenho do mercado de gás natural publicadas pelo Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) em 2016 e busca atender às expectativas dos agentes. Seu principal objetivo foi flexibilizar critérios e procedimentos regulatórios e legais relacionados à indústria do gás natural, além de conferir à ANP maior autonomia regulatória para que as alterações necessárias ao desenvolvimento da indústria do gás natural sejam implementadas de modo contínuo.
Com o novo decreto, os gasodutos que não se enquadrarem nas definições das modalidades de escoamento, transporte ou transferências poderão ser classificados de acordo com os critérios estabelecidos pela ANP.
A agência reguladora fica encarregada de estabelecer os critérios de autonomia e independência no exercício da atividade de transporte tanto para novos transportadores quanto para transportadores existentes. O objetivo é promover a livre concorrência, a transparência das informações, o acesso não discriminatório aos gasodutos e o uso eficiente das instalações.
Critérios e procedimentos para a expansão (ampliação e construção) da malha dutoviária do país foram flexibilizados. Algumas disposições sobre o edital de chamada pública e o processo de licitação foram revogadas. Nesse sentido, foi suprimida a disposição prevendo que o critério para a seleção da proposta vencedora seria o da menor receita anual, que, por sua vez, corresponderia ao montante anual a ser recebido pelo transportador para a prestação do serviço de transporte. Também foram revogadas as disposições que tratavam do gasoduto de referência, utilizado para definir tarifas e receitas anuais máximas, consideradas para fins de chamada pública e de licitações para concessão.
Especificamente quanto ao edital de licitação, o decreto revogou disposições sobre os itens obrigatórios que deveriam acompanhar a proposta técnica, quais sejam: traçado preliminar do gasoduto; descrição dos equipamentos a serem incorporados à infraestrutura; especificação de materiais; índice de conteúdo local; relação dos carregadores que firmaram termo de compromisso no processo de chamada pública; entre outros.
No que diz respeito ao acesso de terceiros aos gasodutos de transporte, o decreto prevê que as tarifas para a atividade de transporte sejam propostas pelos transportadores e aprovadas pela ANP de acordo com os critérios estabelecidos pela agência. A redação anterior previa que a ANP estabeleceria tanto os critérios para a definição dos valores devidos por terceiros interessados em acessar o gasoduto quanto a forma de pagamento e sua destinação.
Uma das mais relevantes alterações introduzidas pelo decreto, contudo, foi a previsão dos sistemas de transporte de gás natural, definidos como aqueles formados “por gasodutos de transporte interconectados e por outras instalações necessárias à manutenção de sua estabilidade, confiabilidade e segurança, nos termos da regulação da ANP”, conforme definição proposta no PL do Gás. Novamente, ficou a cargo da ANP a regulação específica do sistema de transporte. Os serviços de transporte passarão a ser oferecidos no regime de contratação de capacidade de entrada e saída, podendo ser contratados de forma independente. Havia grande expectativa no setor em relação ao tratamento do tema desde o início das discussões, em meados de 2016.
O decreto prevê expressamente que a nova modalidade de contratação do serviço de transporte de gás natural por entradas e saídas não prejudicará os direitos dos transportadores com contratos atualmente vigentes. Além disso, a ANP poderá estabelecer “incentivos” em relação à receita máxima permitida aos transportadores a fim de adequar os contratos de transporte vigentes à nova modalidade.
Em relação ao acesso às infraestruturas essenciais (gasodutos de escoamento, unidades de processamento e tratamento de gás natural e terminais de liquefação e regaseificação de GNL), foi incluída no decreto uma previsão para determinar que a negativa de acesso que configure conduta anticompetitiva sujeitará o agente às sanções aplicáveis de acordo com a Lei nº 15.529/2011 (Lei do Cade). A ANP ficou encarregada de estabelecer diretrizes para que os detentores e operadores das instalações elaborem os códigos comuns de acesso em conjunto com a agência.
Quanto ao tratamento do consumidor livre, uma das questões mais sensíveis na indústria do gás natural hoje, o decreto limitou-se a dispor que “a União, por intermédio do Ministério de Minas e Energia e da ANP, articulará com os Estados e com o Distrito Federal para a harmonização e o aperfeiçoamento das normas atinentes à indústria de gás natural, inclusive em relação à regulação do consumidor livre”. A redação sugere que será necessário o emprego de um esforço adicional por parte da União para que a regulamentação a respeito do consumidor livre avance nos estados.
A publicação do decreto traz novo ânimo à indústria, que espera para os próximos meses uma intensa atividade regulatória da ANP a fim de implementar as medidas necessárias para concretizar as alterações.