É inegável que a tecnologia se torna cada vez mais parte da nossa rotina. Quem diria, dez anos atrás, que iríamos pagar nossas contas, investir, chamar um táxi ou fazer compras com apenas um toque no celular? Esses hábitos são tão banais hoje em dia que a próxima novidade já não chega como grande surpresa.
Essas empresas inovadoras, com grande potencial para crescimento em um mercado que busca ideias disruptivas a todo momento (e que, portanto, exigem financiamento), são cada vez mais atrativas para grandes investidores. Em 2018, de acordo com o levantamento da ABStartups, cinco empresas brasileiras de tecnologia ultrapassaram o valor de avaliação de US$ 1 bilhão: iFood, 99, Nubank, PagSeguros e Stone. São os unicórnios tupiniquins.
Esse crescimento chamou a atenção de investidores locais e internacionais com apetite para alocar seus recursos em projetos inovadores e com potencial para gerar retornos rápidos e robustos. Tal movimento resultou em um crescimento vertiginoso das operações de M&A no setor.
Seguindo a lógica do mercado internacional e o dinamismo típico desse segmento, os empreendedores de tecnologia buscam um capital investidor “barato” e, talvez mais importante, que não imponha demasiadas restrições e obrigações. O anseio, contudo, é confrontado com um sistema legal codificado como o brasileiro, em que a interpretação deve ser feita de acordo com as regras estabelecidas, e que não consegue se ajustar rapidamente aos novos costumes trazidos por essas empresas. O trâmite de aprovação de mudanças legais é burocrático e demanda tempo. Como exemplos, vimos recentemente amplas discussões sobre como enquadrar as atividades desempenhadas pelos motoristas de aplicativos e um acalorado debate sobre a regulamentação do compartilhamento de patinetes e bicicletas.
Afora as discussões regulatórias decorrentes das atividades desempenhadas, temas relacionados às contingências fiscais e trabalhistas (com seus riscos de contaminação não apenas das empresas-alvo, mas também dos próprios investidores) continuam sendo um dos grandes focos da discussão e negociação nos investimentos em empresas de tecnologia (além de outros, como privacidade e proteção de dados). É comum haver um certo “choque” entre o dinamismo e a velocidade dos empreendedores de tecnologia e um processo mais criterioso de auditoria e negociação de um pacote de indenização que proteja os investidores contra possíveis perdas e contaminações.
Assim, o desafio de assegurar a proteção aos investidores e, ao mesmo tempo, garantir o financiamento das empresas de tecnologia, sem entravar as negociações por prazos delongados, gera algum descompasso nos M&As do setor. Investidores com mais apetite ao risco tendem a adotar uma postura “menos exigente” e, muitas vezes, levam vantagem sobre seus pares no mercado brasileiro cada vez mais competitivo.
Por outro lado, a estruturação de operações de M&A envolvendo empresas de tecnologia ganha novo peso, a fim de possibilitar uma blindagem maior do investidor aos riscos associados ao investimento. Nesse contexto, são comuns estruturas de investimento alicerçadas em dívidas conversíveis ou investimentos feitos via holdings constituídas no exterior.
É inegável que cada operação tem a sua peculiaridade, razão pela qual se torna ainda mais fundamental analisar os aspectos específicos de cada investimento. De qualquer forma, o mercado tem desenvolvido alternativas para que a segurança desejada pelo investidor não impeça o financiamento dessas novas plataformas, que operam com um dinamismo peculiar. Com o tempo, o mercado sedimentará a medida correta entre tal dinamismo e o conservadorismo típico de operações de M&A.