O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) deverá apreciar em abril a constitucionalidade do artigo 50 da Lei de Contravenções Penais (LCP)[1] e, dependendo da decisão, haverá repercussões importantes e imediatas sobre os jogos de azar no país, cuja exploração poderá não mais configurar ilícito penal.

O Ministério Público do Rio Grande do Sul interpôs recurso extraordinário no STF argumentando que a criminalização dos jogos de azar não viola qualquer preceito fundamental e visa acertadamente punir conduta tipificada como lesiva pelo direito penal. O caso tem origem em um acórdão proferido pela Turma Recursal Criminal dos Juizados Especiais Criminais do Rio Grande do Sul, que entendeu ser atípica a conduta descrita no artigo 50 por ir contra preceitos constitucionais como a livre iniciativa, as liberdades fundamentais e o princípio da proporcionalidade.

A questão é de repercussão geral. Caso seja reconhecida a inconstitucionalidade do artigo 50 da LCP, estará aberta a porta para a legalização dos jogos de azar no país, independentemente da regulamentação proposta pelo Legislativo por meio do Projeto de Lei 442/91 (PL 442/91).

Aprovado recentemente na Câmara dos Deputados, o PL 442/91 busca transformar a exploração de jogos de azar em atividade econômica empresarial, sujeita à fiscalização dos órgãos públicos federais e cobrança de tributos. O texto aprovado une propostas sobre legalização da operação de cassinos, bingos, jogo do bicho e outros jogos de aposta a outras que visam obter receita de iniciativas ligadas ao setor cultural.[2]

Os jogos e apostas expressamente autorizados no PL 442/91 são: cassinos, bingos, videobingos, jogos on-line, jogo do bicho e apostas turfísticas. Com relação aos operadores, o texto define como “entidade operadora de jogos e apostas” a pessoa jurídica licenciada pelo governo para exploração dos jogos. Já o “agente de jogos e apostas” seria a pessoa natural encarregada de mediar ou conduzir os processos de aposta ou a dinâmica dos jogos.

A operadora de jogos e apostas terá uma estrutura corporativa complexa, com regras específicas que, se não cumpridas, podem gerar punições mais graves do que as impostas atualmente ao jogo de azar, considerado apenas uma contravenção. A burla às regulamentações será considerada crime sujeito ao rito processual ordinário, passível de cumprimento em regime fechado e toda a complexidade penal subjetiva que permeia as estruturas corporativas.

Ainda de acordo com o projeto de lei, os jogos e apostas configuram atividade econômica privada regulamentada pela União e sujeita à proteção constitucional da livre iniciativa, ao Código de Defesa do Consumidor (CDC) e à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). As operadoras de jogos e apostas terão que se submeter a uma série de critérios e obrigações:

  • ser constituídas sob a forma de sociedades anônimas;
  • possuir um valor mínimo de capital social a depender da atividade que pretendem explorar;[3]
  • cumprir as garantias do “jogo honesto”, inclusive no que tange à publicização da atividade e dos estabelecimentos; e
  • sujeitar-se ao controle e aprovação expressa do Ministério da Economia,[4] que poderá solicitar informações e documentos que entender necessários ao esclarecimento da operação, inclusive quanto à “origem dos recursos” e à “reputação dos envolvidos”.

As operadoras deverão se sujeitar também às diretrizes sobre prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo, mediante implementação e manutenção de política capaz de prevenir as práticas do tipo, incluindo uma classificação de perfil de risco dos jogadores e apostadores e comunicação de operações suspeitas ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf).

Os agentes de jogos e apostas não poderão ser pessoas previamente condenadas por improbidade administrativa, crime falimentar, sonegação fiscal, corrupção, concussão, peculato, crime contra a economia popular, a fé pública, a propriedade ou o Sistema Financeiro Nacional, ou qualquer outra condenação criminal que vede, ainda que temporariamente, o acesso a cargos públicos, por decisão judicial transitada em julgado.[5]

Em relação às penalizações, o PL 442/91 estabelece que o simples descumprimento das normas legais pode constituir infração administrativa e crime punível com pena de prisão de dois a quatro anos. Quem fraudar resultado de jogo ou aposta ou até mesmo pagar prêmio em desacordo com a lei também poderá ser condenado por crime e sujeito à pena de reclusão de quatro a sete anos e multa.

Vale lembrar que, no ordenamento jurídico brasileiro, a responsabilização penal de pessoas jurídicas se restringe aos crimes contra o meio ambiente, sendo assim, as condutas listadas no projeto de lei têm como alvo a punição de pessoas físicas. O agente de jogos e apostas desponta como principal sujeito exposto penalmente, mas há também que se considerar a exposição penal tradicionalmente atrelada aos membros de qualquer organização societária, inclusive no que se refere aos crimes tributários que violem o regime de arrecadação imposto pelo PL 442/91.

A liberação dos jogos de azar no Brasil por meio desse PL depende ainda de tramitação no Senado e apreciação presidencial.

 


[1] O RE n. 966177/RS teve sua repercussão geral reconhecida em 2016 e corresponde ao Tema 924.

[2] A saber: PL 442/91, que propõe a revogação dos dispositivos legais que mencionam a prática de jogo do bicho; PL 73/2021, que dispõe sobre o apoio financeiro da União aos estados, Distrito Federal e municípios para garantir ações emergenciais voltadas ao setor de cultura; e PL 1518/2021, que promove a instituição de política nacional de fomento ao setor de cultura.

[3] O capital social exigido varia conforme a atividade a ser explorada, sendo um mínimo de R$ 10 milhões para operadoras de bingo e um máximo de R$ 100 milhões para cassinos.

[4] O projeto prevê que dependerão de expressa aprovação do Ministério da Economia atos societários como alteração de objeto social ou capital social, fusão, cisão ou incorporação e que deverão ser comunicados o ingresso de acionista qualificado ou aumento da participação qualificada igual ou superior a 15%.

4 O projeto tem uma redação de impedimentos muito semelhante aos casos de inelegibilidade para ocupar cargos de administração em sociedades anônimas (artigo 147, §1º da Lei nº 6.404/76)