A morosidade do Judiciário e a burocratização de seus procedimentos torna a busca pela via extrajudicial uma alternativa interessante para solucionar conflitos, principalmente em questões relacionadas a família e sucessões.

Para que se possa utilizar a via extrajudicial, porém, é preciso cumprir requisitos. No caso de inventário, o Código de Processo Civil de 2015 é categórico ao dispor, em seu artigo 610, que: “Havendo testamento ou interessado incapaz, proceder-se-á ao inventário judicial”.

Ou seja, os requisitos determinados pela legislação para a realização de inventário por escritura pública são: ausência de testamento e ausência de interessado incapaz.

Apesar de a norma ser clara, existe uma tendência em relativizar essas imposições, sobrepondo a elas a autonomia da vontade e o movimento de desjudicialização de conflitos.

Já há algum tempo, tanto as leis quanto a jurisprudência têm caminhado para desburocratizar processos e procedimentos como forma de efetivar a entrega da jurisdição aos jurisdicionados e permitir a resolução rápida de determinadas questões.

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já decidiu que é possível realizar inventário e partilha extrajudiciais quando o falecido houver deixado testamento, desde que todos os herdeiros estejam de acordo e sejam capazes.

Há também uma mobilização para que se flexibilize a possibilidade de realização de inventário, ainda que existam herdeiros incapazes.

Existem diversas decisões de magistrados de São Paulo que autorizaram a lavratura de escritura pública para casos em que o herdeiro é incapaz e a partilha se der de forma ideal, ou seja, com divisão igualitária do patrimônio entre os herdeiros.[1]

O Tribunal de Justiça do Acre editou a Portaria 5.914-12, de 8 de setembro de 2021, da Vara de Registros Públicos, Órfãos e Sucessões da Comarca de Rio Branco, a qual dispõe sobre a possibilidade de inventário extrajudicial no caso de herdeiros interessados incapazes, desde que a minuta final seja previamente autorizada pela vara, em procedimento simples e desburocratizado, sem incidência de custas.

Além disso, em fevereiro de 2023, o Código de Normas da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Rio de Janeiro dispôs, em seu capítulo XII, seção III, sobre a regulamentação de inventário por escritura pública, quando houver interessado incapaz e partilha desigual, sujeita a autorização judicial prévia, sob expedição de alvará.

É importante mencionar recente entendimento do estado de Santa Catarina, que, em fevereiro de 2023, passou a autorizar a realização de inventário envolvendo menores, desde que a partilha seja ideal, conforme Circular 51, de 24 de fevereiro de 2023, da Corregedoria-Geral da Justiça do estado de Santa Catarina.

Entre as justificativas apresentadas para a flexibilização e possibilidade de realização de inventário com herdeiros incapazes no requerimento apresentado pelo Colégio Notarial do Brasil – Seção de Santa Catarina (CNB-SC), está:

“A via extrajudicial possui importância singular na concretização desta faceta do acesso à justiça. Este cenário, salvo melhor juízo, também deveria contemplar as pessoas incapazes, que possuem igual direito a uma justiça multiportas, eficiente, célere e segura. Privá-los desta possibilidade poderia ser interpretado como uma restrição injustificada das possibilidades das pessoas incapazes de acessarem e concretizarem os seus próprios direitos”.

O Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) encaminhou pedido de providências ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para regulamentar em escala federal a realização extrajudicial de dissolução conjugal e de inventários, quando houver herdeiros incapazes e testamento, desde que o ato seja consensual.

O instituto reforça a ideia de que, sendo a partilha ideal, não há nenhum prejuízo em optar pela via extrajudicial.

Conclui-se, assim, que o esforço em relativizar os requisitos e entraves impostos pela legislação para o uso da via extrajudicial é das próprias corregedorias, magistrados e tribunais de Justiça. Não existe, até o momento, lei federal sobre o tema, e, consequentemente, homogeneidade na aplicação das normas por parte dos entes federativos.

 

[1]  Exemplos: processos 1016082-28.2021.8.26.0625 e 0000691-27.2021.8.26.0374.