A Medida Provisória 1.152/22, publicada em 28 de dezembro de 2022, introduziu a nova política brasileira de preços de transferência, em linha com o modelo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e o princípio do arm’s length (art. 2º).[1] O objetivo dessa política é viabilizar o ingresso do Brasil na OCDE, além de atrair investimentos estrangeiros.
Atualmente, está em tramitação no Congresso Nacional a conversão da MP 1.152/22, que já conta com 107 pedidos de emenda parlamentar sobre vários dos seus dispositivos. De acordo com o art. 62, §§ 3º e 7º,[2] da Constituição, o processo de conversão deverá ser concluído em 60 dias, prorrogáveis uma única vez por idêntico período, sob pena de perda de eficácia da medida provisória.
Em 29 de março de 2023, foi editado o Ato do Presidente da Mesa do Congresso Nacional nº 16, que prorroga a vigência da MP 1.152/22 em 60 dias, de modo que o prazo se encerra em 1º de junho de 2023.
Apesar da insegurança, os indicadores políticos apontam até o momento para a conversão da MP, mesmo que com alterações na redação. A conversão da MP, inclusive, já está em votação no Plenário da Câmara dos Deputados e, na sequência, deverá ser submetida ao Senado Federal.
Ciente desse contexto, a Receita Federal do Brasil (RFB) já informou que a regulamentação da nova política de preços de transferência deverá ocorrer apenas após a conclusão do processo de conversão.
Contudo, em razão do próprio alinhamento ao modelo da OCDE, espera-se que a experiência em jurisdições que já adotem esse padrão seja um importante referencial para a delimitação da transação controlada, seleção do método mais apropriado e elaboração da documentação, observadas as particularidades da perspectiva brasileira sobre o negócio.
Ainda assim, o art. 48 da MP 1.152/22[3] determina que o novo regime de preços de transferência produzirá efeitos a partir de janeiro de 2024, em atenção à anterioridade tributária e à própria complexidade das regras em questão.
Caso deseje, porém, o contribuinte pode optar pela aplicação da nova sistemática para o ano-calendário atual, por meio de opção irretratável formulada a partir de setembro de 2023 (art. 46 da MP 1.152/22[4] c/c arts. 2º e 3º da Instrução Normativa RFB 2.132/23).[5]
Outro tema relevante da medida provisória é a reestruturação de negócios, quando resulte na transferência de benefícios e/ou prejuízos entre partes relacionadas. Ele é tratado no art. 27 da MP 1.152/22.[6]
Essa regra inaugura um regime que objetiva capturar, essencialmente, as transferências de ganhos e perdas entre sociedades de um mesmo grupo econômico ocasionadas por operações societárias. Como uma inovação legislativa ainda não obrigatória, entendemos ser um momento especialmente propício para que os negócios sejam reavaliados e reorganizados sem a oneração fiscal mencionada.
[1] “Art. 2º Para fins de determinação da base de cálculo dos tributos de que trata o parágrafo único do art. 1º, os termos e as condições de uma transação controlada serão estabelecidos de acordo com aqueles que seriam estabelecidos entre partes não relacionadas em transações comparáveis.”
[2] “Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional. [...]
- 3º As medidas provisórias, ressalvado o disposto nos §§ 11 e 12 perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de sessenta dias, prorrogável, nos termos do § 7º, uma vez por igual período, devendo o Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas delas decorrentes. [...]
- 7º Prorrogar-se-á uma única vez por igual período a vigência de medida provisória que, no prazo de sessenta dias, contado de sua publicação, não tiver a sua votação encerrada nas duas Casas do Congresso Nacional.”
[3] “Art. 48. Esta Medida Provisória entra em vigor em 1º de janeiro de 2024.
Parágrafo único. Aos contribuintes que fizerem a opção prevista no art. 46, aplicam-se, a partir de 1º de janeiro de 2023:
I - os art. 1º a art. 45; e
II - as revogações previstas no art. 47.”
[4] “Art. 46. O contribuinte poderá optar pela aplicação do disposto nos art. 1º a art. 45 desta Medida Provisória para o ano-calendário de 2023.
- 1º A opção será irretratável e acarretará a observância das alterações previstas nos art. 1º a art. 45 e os efeitos do disposto no art. 47 a partir de 1º de janeiro de 2023.
- 2º A Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Economia estabelecerá a forma, o prazo e as condições da opção de que trata o caput.”
[5] “Art. 2º A opção a que se refere o art. 1º será formalizada no período de 1º a 30 de setembro de 2023, mediante:
I - abertura de processo digital por meio do Portal do Centro Virtual de Atendimento (Portal e-CAC); e
II - anexação do termo de opção constante do Anexo Único.
- 1º No caso de início de atividade ou de surgimento de nova pessoa jurídica em razão de fusão ou cisão no período de setembro a dezembro do ano-calendário de 2023, a opção referida no caput deverá ser formalizada no 1º (primeiro) mês de atividade.
- 2º No caso de extinção da pessoa jurídica no período de janeiro a agosto do ano-calendário de 2023, a opção referida no caput deverá ser formalizada no mês de extinção.
Art. 3º A opção efetuada nos termos do art. 2º será irretratável e acarretará, a partir de 1º de janeiro de 2023, a observância do disposto nos arts. 1º a 45 e dos efeitos constantes do art. 47, todos da Medida Provisória nº 1.152, de 2022.”
[6] “Art. 27. São consideradas reestruturações de negócios as modificações nas relações comerciais ou financeiras entre partes relacionadas que resultem na transferência de lucro potencial ou em benefícios ou prejuízos para qualquer uma das partes e que seriam remuneradas caso fossem efetuadas entre partes não relacionadas de acordo com o princípio previsto no art. 2º.
- 1º O lucro potencial referido no caput compreende os lucros ou as perdas esperados associados à transferência de funções, ativos, riscos ou oportunidades de negócios.
- 2º As reestruturações a que se refere o caput incluem hipóteses em que o lucro potencial seja transferido a uma parte relacionada como resultado da renegociação ou do encerramento das relações comerciais ou financeiras com partes não relacionadas.
- 3º Para determinar a compensação pelo benefício obtido ou pelo prejuízo sofrido por qualquer uma das partes da transação, serão considerados:
I - os custos suportados pela entidade transferidora como consequência da reestruturação; e
II - a transferência do lucro potencial.
- 4º A compensação pela transferência do lucro potencial considerará o valor que os itens transferidos têm em conjunto.”