O Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) publicou, em 7 de outubro, o Convênio ICMS 109/24, que promove alterações nas regras referentes à remessa interestadual de bens e mercadorias entre estabelecimentos de mesma titularidade. A medida revoga o Convênio ICMS 178/23. Neste artigo traçamos um breve histórico sobre o tema e apresentamos as principais alterações trazidas pela nova medida do Confaz.
BREVE HISTÓRICO
A Lei Complementar 87/96 (LC 87/96) estabeleceu que o fato gerador do ICMS se daria, entre outras hipóteses, com a saída de bens e mercadorias de estabelecimento contribuinte do imposto, inclusive as saídas com destino a estabelecimento do mesmo titular.
Muito se discutiu ao longo dos anos no Judiciário sobre a incidência do imposto nas operações entre estabelecimentos do mesmo titular, sob o argumento de que não haveria circulação jurídica do bem. Dessa forma, não haveria, portanto, ocorrência do fato gerador. Essa discussão acabou consolidada (ao menos parecia) pela Súmula 166 do STJ.
A matéria, entretanto, foi novamente levada ao Judiciário, ao se questionar a incidência do ICMS em operações envolvendo circulação física de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte localizados em estados diferentes (operações interestaduais). O assunto foi examinado no âmbito da Ação Declaratória de Constitucionalidade 49 (ADC 49).
Na ADC 49, o Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu o entendimento – com efeitos aplicáveis a todos os contribuintes – de que o fato gerador da incidência do ICMS é a circulação jurídica de mercadorias. A Suprema Corte também ratificou que o simples deslocamento entre estabelecimentos do mesmo titular, mesmo que para estado diferente, não configura fato gerador do imposto.
Na ocasião, o STF esclareceu ainda que os créditos vinculados a essas transferências devem ser integralmente preservados, ressaltando que, para garantir o princípio da não cumulatividade, o contribuinte teria o direito de transferir esses créditos para o estabelecimento de destino das mercadorias.
Nesse cenário, o Confaz editou o Convênio ICMS 178/23 (abordado neste artigo), estabelecendo a obrigatoriedade – e respectivos limites – da transferência de créditos de ICMS do estabelecimento de origem para o de destino, no caso de transferências interestaduais de bens e mercadorias.
Após as unidades da Federação incorporarem a suas legislações os entendimentos expostos no Convênio ICMS 178/23, teve início uma enorme onda de embates sobre a natureza obrigatória ou facultativa da transferência de créditos nessa operação. É nesse contexto que surge o Convênio ICMS 109/24, em que foram estabelecidas novas regras para transferência do crédito de ICMS nas transferências interestaduais de mercadorias entre estabelecimentos de mesma titularidade.
PRINCIPAIS ALTERAÇÕES TRAZIDAS PELO NOVO CONVÊNIO ICMS 109/24
- Da transferência de créditos de ICMS
O Convênio ICMS 109/24 assegura, em sua primeira cláusula, o direito à transferência de crédito de ICMS na remessa interestadual de mercadorias entre estabelecimentos de mesma titularidade – aparentemente tornando facultativa uma questão que era obrigatória no Convênio ICMS 178/2023.
Entretanto, o parágrafo único estabelece que o estado de origem é obrigado a garantir apenas a diferença positiva entre os créditos relativos às operações anteriores e o resultado da aplicação dos percentuais estabelecidos na Constituição Federal (CF/88) sobre o valor da transferência.
Assim, caso não se realize a transferência dos créditos, é possível interpretar que o mencionado parágrafo único autoriza que o estado de origem exija o estorno dos créditos de ICMS que ultrapassem a diferença positiva entre o ICMS da entrada e o ICMS “calculado” na transferência.
O Convênio ICMS 109/24 determina ainda dois limites importantes relacionados ao valor máximo do crédito de ICMS passível de transferência.
O primeiro estabelece que esse valor corresponderá ao ICMS apropriado referente às operações anteriores, relativas às mercadorias transferidas. O segundo indica que esse crédito será limitado ao resultado da aplicação de percentuais equivalentes às alíquotas interestaduais do ICMS, como definido na CF/88, sobre os seguintes valores dos bens e mercadorias:
- o valor médio da entrada da mercadoria em estoque na data da transferência;
- o custo da mercadoria produzida, incluindo a soma do custo da matéria-prima, insumo, material secundário e de acondicionamento; e
- no caso de mercadorias não industrializadas, a soma dos custos de sua produção, incluindo os gastos com insumos e material de acondicionamento.
Diferentemente do que existia no Convênio ICMS 178/23, fica claro que, por se tratar de uma efetiva transferência de crédito (do estado de origem para o estado de destino), o valor do destaque de ICMS na operação de transferência estaria limitado ao:
- valor do crédito registrado na entrada do produto; e
- resultado da aplicação dos percentuais estabelecidos na CF/88 sobre o valor da transferência.
Note-se que a limitação do montante de crédito a ser transferido já era aplicada por algumas unidades da Federação, como São Paulo (ver as respostas à consulta 29132/24 e 29566/24). A inserção desse limite no texto do Convênio ICMS 109/24, porém, traz, sem dúvida, maior segurança para os contribuintes, em especial considerando os demais estados da Federação (que entendem de forma diferente ou não haviam externado entendimento formal sobre o tema).
- Da (i)legalidade do estorno do crédito na origem
Quanto à aparente obrigatoriedade de estorno dos créditos de ICMS que ultrapassem a diferença positiva entre o ICMS da entrada e o ICMS “calculado” na transferência, entendemos ser passível de questionamento judicial, especialmente pelos seguintes pontos:
- A inconstitucionalidade da imposição do Convênio ICMS 109/24, já que a Constituição Federal, em seu artigo 155, §2º, inciso II, alínea ‘b’, determina que o estorno de créditos do ICMS deverá ser realizado apenas em operações sujeitas à isenção ou não incidência;
- A ilegalidade do Convênio ICMS 109/24, já que a Lei Complementar 87/96, em seu artigo 21, determina que o estorno de créditos do ICMS deverá ser realizado apenas em operações sujeitas à isenção ou não tributadas; utilização em atividade alheia ao do estabelecimento; ou no caso de perda, perecimento ou deterioração;
- A ilegalidade do Convênio ICMS 109/24, considerando que a obrigatoriedade vai de encontro à decisão do STF, nos autos da ADC 49, que não vinculou a manutenção dos créditos das operações anteriores à obrigatoriedade de sua transferência. Nesse sentido, destaca-se o pronunciamento do ministro Luís Roberto Barroso de que, para a efetividade da não cumulatividade, é necessário que “se faculte aos sujeitos passivos a transferência de créditos entre os estabelecimentos de mesmo titular”.
- Do fato gerador facultativo
O Convênio ICMS 109/24 oferece ainda uma inovação ao outorgar ao contribuinte a possibilidade de equiparar a remessa da mercadoria a uma operação sujeita à ocorrência do fato gerador de imposto. Nesse caso, será considerado o valor da operação para determinar a base de cálculo do ICMS, considerando:
- o valor correspondente à entrada mais recente da mercadoria;
- o custo da mercadoria produzida (a soma do custo da matéria-prima, material secundário, mão de obra e acondicionamento); e
- tratando-se de mercadorias não industrializadas, a soma dos custos de sua produção (os gastos com insumos, mão de obra e acondicionamento).
O novo convênio determina que a opção em questão será anual, irretratável para todo o ano-calendário, registrada no livro Registro de Utilização de Documentos Fiscais e Termos de Ocorrência (RUDFTO) e com renovação automática. Também será aplicada a todos os estabelecimentos do contribuinte localizados no território nacional.
Caso o contribuinte adote essa opção e escolha equiparar tais remessas a remessas tributadas, esse fato deve estar devidamente indicado na nota fiscal em “Dados adicionais”.
- Não aplicação a operações com ativos
De acordo com sua primeira cláusula, o Convênio ICMS 109/24 se aplicaria somente à transferência interestadual de mercadorias, enquanto o Convênio ICMS 178/23 dispunha também sobre a remessa interestadual de bens.
Essa diferenciação é importante, pois pode levar à interpretação de que tal regra não se aplica a todos os bens remetidos, mas apenas às mercadorias, excluindo, por exemplo, bens do ativo.
O Convênio ICMS 109/24 entrou em vigor na data de sua publicação e terá efeitos a partir de 1º de novembro, quando o Convênio ICMS 178/23 será efetivamente revogado. No entanto, será necessário acompanhar a incorporação do Convênio ICMS 109/24 pelas unidades da Federação.
Nossa equipe tributária segue à disposição para esclarecer dúvidas sobre o tema.