Desde que a Polícia Federal deflagrou em 2015 a Operação Zelotes, que denunciou esquemas de corrupção no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), o órgão passou por diversas mudanças institucionais, como troca do corpo de conselheiros, alteração do regimento interno, diminuição do número de turmas, entre outras providências que visaram reformular o procedimento de julgamento do órgão.

Mesmo com todas as alterações realizadas em prol da melhoria técnica do conselho, a forma de condução dos julgamentos e de alguns procedimentos previstos vem sofrendo questionamentos. Verificou-se um aumento expressivo de ações judiciais pedindo a suspensão de julgamentos de processos administrativos e a reforma de decisões sob alegação de erros procedimentais.

Isso fica bastante claro quando se analisam os números. A quantidade de mandados de segurança impetrados em 2014 contra atos do Carf foi inexpressiva. Já em 2016, após a reestruturação do órgão, foram impetrados aproximadamente 150 mandados de segurança para impugnar os mais variados atos administrativos. E de janeiro a agosto deste ano já foram mais de 180 mandados de segurança.

O voto de qualidade do presidente e a falta de paridade entre representantes da Fazenda e dos contribuintes na composição das turmas são os pontos mais suscitados nas centenas de ações ajuizadas.

Segundo o que defendem os contribuintes, há quebra da isonomia nos julgamentos com o voto de desempate atribuído ao presidente das turmas – que é, por determinação legal, sempre representante da Fazenda Nacional. Apoiados em levantamento empírico do Núcleo de Estudos Fiscais da Fundação Getulio Vargas sobre as decisões do Carf proferidas até junho de 2016, os contribuintes demonstram que quase 100% das autuações são mantidas pela Câmara Superior de Recursos Fiscais quando entra em cena o chamado voto de qualidade, evidenciando que o conselheiro representante da Fazenda Nacional quase sempre se posiciona contra o contribuinte.

Diante dos relevantes questionamentos por parte dos contribuintes, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5.731 para que o Supremo Tribunal Federal se pronuncie definitivamente sobre a constitucionalidade ou não do voto de qualidade. A ação ainda aguarda julgamento, mas já retrata uma possível necessidade de alteração do tão recente regimento interno do Carf, que claramente tem causado distorções nos julgamentos. Em relação a esse mesmo tema, o Ministério Público Federal se manifestou favoravelmente ao contribuinte pela concessão de liminar no mandado de segurança nº 1002344-58.2017.4.01.3400. Talvez isso reforce a necessidade de uma reforma no regimento interno do conselho.

O não cumprimento da paridade entre os conselheiros representantes da Fazenda Nacional e dos contribuintes, prevista no art. 23 do regimento interno do Carf, também é objeto de polêmica. A ausência de conselheiros representantes dos contribuintes no órgão torna desigual a composição de algumas turmas.

No Judiciário, os contribuintes defendem a observância dos arts. 18 e 24 do regimento interno do Carf, que preveem a convocação de suplentes nas hipóteses de vacância, impedimento, interrupção de mandato, licença ou ausência de conselheiro. Quanto a esse ponto, tem-se notícia de que o Judiciário já concedeu decisões liminares favoráveis aos contribuintes, determinando a suspensão dos julgamentos do Carf em que não haja composição paritária até que um suplente de representação dos contribuintes seja convocado.

Ainda em relação a esse tema, as confederações, responsáveis por indicar nomes ao Carf para preencher as vagas de conselheiros representantes dos contribuintes, suscitam que a recente decisão de vedar ao conselheiro do Carf o direito de advogar diminuiu o número de profissionais interessados em atuar no órgão.

Em conclusão, verifica-se que o Poder Judiciário vem exercendo verdadeiro controle de legalidade dos atos administrativos, garantindo a efetiva aplicação dos princípios que norteiam a administração pública e garantem ao contribuinte a segurança jurídica nos julgamentos de suas demandas tributárias.

O cenário atual, de constantes intervenções do Judiciário nos julgamentos do Carf, sugere a necessidade de mudanças no órgão administrativo. Com a suspensão de julgamentos e reformas de decisões, o Carf perde força e acumula ainda mais processos pendentes de julgamento, contrariando o interesse arrecadatório da Fazenda Nacional.