A Constituição Federal, em seu artigo 150, parágrafo 7º, prevê que “a lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente. Trata-se da chamada substituição tributária para frente.

No ICMS devido por substituição tributária (ICMS-ST), um contribuinte é responsável por recolher tributo incidente sobre os fatos geradores que presumivelmente ocorrerão durante a cadeia de comércio.

O artigo 8º da Lei Complementar 87/96 estabeleceu quatro critérios para definição da base de cálculo do ICMS-ST:

  • preço final ao consumidor, único ou máximo, fixado por órgão público competente (parágrafo 2º) – único obrigatório, se houver;
  • preço final ao consumidor sugerido pelo fabricante ou importador (parágrafo 3º);
  • valor obtido pelo somatório do valor da operação própria realizada pelo substituto tributário, acrescido dos valores de seguro, de frete e de outros encargos cobrados e da margem de valor agregado (MVA) relativa às operações subsequentes (inciso II);
  • preço ao consumidor final geralmente praticado no mercado em questão, também conhecido como preço médio ponderado final – PMPF (parágrafo 6º).

Caso não haja preço fixado por órgão público competente ou não seja adotado o preço final sugerido pelo fabricante, resta ao ente público optar pela apuração do ICMS-ST com base em:

  • margem de valor agregado relativa às operações subsequentes; ou
  • preço ao consumidor final geralmente praticado.

O artigo 8º,[1] parágrafo 6º, da LC 87/96 estabelece que o preço ao consumidor final será utilizado para obter a base de cálculo do ICMS-ST em substituição à MVA. Não são, portanto, procedimentos que coexistem. Se o estado opta pelo preço ao consumidor final (PMPF), como dispõe o artigo 8º, parágrafo 6º, da LC 87/96, o procedimento previsto no artigo 8º, II, da LC 87/96 (valor da operação própria, acrescido do valor de seguro, fretes, outros encargos e da margem de valor agregado) será afastado. Um procedimento, portanto, substitui o outro.

Entretanto, diversos estados que optaram pela apuração de ICMS-ST com base em PMPF para determinada mercadoria, em substituição à MVA, vêm “ressuscitando” o critério substituído. Fazem isso por meio de expedientes infralegais, que impõem ao contribuinte o recolhimento do ICMS-ST com base em MVA. O gatilho que desencadeia esse mecanismo é acionado quando a operação atinge determinado valor.

Para operações com bebidas, por exemplo, o estado do Rio de Janeiro editou a Resolução Sefaz 358/18, que prevê o PMPF como base de cálculo do ICMS-ST. Entretanto, nas operações internas em que o valor unitário do produto na operação própria do contribuinte substituto seja igual ou superior a 90% do PMPF em vigor, o contribuinte deve aplicar MVA, desprezando o PMPF.

Estados como Minas Gerais[2] e São Paulo,[3] entre outros, instituíram procedimento similar, também por meio de atos infralegais. Criou-se um mecanismo de adoção alternada de bases de cálculo para o regime de substituição tributária em relação à mesma mercadoria. A utilização conjunta de PMPF e MVA, que ocorre quando o gatilho é acionado, não tem previsão na legislação complementar, apenas em atos infralegais.

Não é qualquer norma, porém, que pode dispor sobre a base de cálculo e a substituição tributária do ICMS-ST. A Constituição Federal reserva a matéria à lei complementar, como expressamente previsto nos artigos 146, III, “a”, e 155, parágrafo 2º, XII, “b”.

Considerando que a LC 87/96 prevê expressamente que o PMPF substitui a utilização de MVA, nenhuma norma inferior poderia criar uma metodologia em que PMPF e MVA coexistam.

A instituição de gatilho gera uma distorção tributária, pois contribuintes que vendem o mesmo produto poderão ser obrigados a adotar procedimentos de base de cálculo de ICMS-ST distintos (PMPF x MVA), dependendo do preço praticado em sua operação. Essa situação resulta em valores de tributo muito discrepantes.

Os estados, às vezes, adotam MVAs estáticas, que não são atualizadas por pesquisas regulares de preços (no Rio de Janeiro, por exemplo, a MVA utilizada em operações com bebidas pode chegar a 140% e é a mesma desde 1991).

Ou seja, caso um contribuinte realize operação que atinja um valor capaz de acionar o gatilho (91% do PMPF, por exemplo), terá ainda de aplicar MVA de 140% sobre o valor de sua operação para obter a base de cálculo do ICMS-ST. Já um contribuinte que vendeu o mesmo produto, mas em valor correspondente a 89% do PMPF, utilizará o valor do PMPF como base de cálculo do ICMS-ST.

Em nosso entendimento, a tentativa de utilizar o gatilho viola diversos princípios constitucionais, como os da isonomia, da segurança jurídica, da capacidade contributiva e da razoabilidade.

No âmbito do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), foi editado o Convênio ICMS 52/17,[4] por meio do qual os estados signatários pretenderam instituir o gatilho para o ICMS-ST.

Esse convênio foi objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.866 (ADI 5.866). O STF suspendeu os efeitos da cláusula que institui o gatilho, justamente devido à afronta à norma que reserva à lei complementar o poder de dispor sobre matéria tributária.

O Convênio ICMS 52/17 foi revogado pelo Convênio ICMS 142/18, que não previa mais a utilização de gatilho para apuração da base de cálculo do ICMS-ST. Por esse motivo, a ADI 5.866 acabou sendo extinta sem julgamento de mérito.

Alguns tribunais de Justiça já se manifestaram sobre o tema, como o Tribunal de Justiça de Tocantins:

(...) o art. 8º, da Lei Complementar nº 87/96 faculta somente a "escolha" entre um dos critérios de apuração da base de cálculo do ICMS-ST, não sendo permitida discricionariedade do Estado em estabelecer "critério híbrido", mesclando a aplicação da Margem de Valor Agregado - MVA (art. 8º, II da LC 87/96) e do Preço Médio Ponderado ao Consumidor Final - PMPF (art. 8º, §6º da Lei Complementar nº 87/96), em razão de especificidades da operação realizada.[5]

O mérito da questão certamente ainda será apreciado pelos tribunais superiores. Em nosso entendimento, há boas chances de o gatilho ser considerado ilegítimo.

 


[1] Art. 8º A base de cálculo, para fins de substituição tributária, será:

(...)

II – em relação às operações ou prestações subseqüentes, obtida pelo somatório das parcelas seguintes:

a) o valor da operação ou prestação própria realizada pelo substituto tributário ou pelo substituído intermediário;

b) o montante dos valores de seguro, de frete e de outros encargos cobrados ou transferíveis aos adquirentes ou tomadores de serviço;

c) a margem de valor agregado, inclusive lucro, relativa às operações ou prestações subseqüentes.

(...)

  • 6o Em substituição ao disposto no inciso II do caput, a base de cálculo em relação às operações ou prestações subseqüentes poderá ser o preço a consumidor final usualmente praticado no mercado considerado, relativamente ao serviço, à mercadoria ou sua similar, em condições de livre concorrência, adotando-se para sua apuração as regras estabelecidas no § 4o deste artigo. (Redação dada pela Lcp 114, de 16.12.2002)

[2] O estado de Minas Gerais, em seu Regulamento do ICMS (Anexo VII, art. 59), prevê, como regra, a utilização de PMPF. Contudo, caso a operação própria seja praticada em valor superior a 86% do PMPF, o contribuinte deve desconsiderar o PMPF e aplicar a MVA sobre o valor da operação própria.

[3] Portaria SER 38/2024, art. 2º, III.

[4] Cláusula décima primeira. Inexistindo o valor de que trata a cláusula décima, a base de cálculo do imposto para fins de substituição tributária em relação às operações subsequentes corresponderá, conforme definido pela legislação da unidade federada de destino, ao:

(...)

I - Preço Médio Ponderado a Consumidor Final (PMPF);

II - preço final a consumidor sugerido pelo fabricante ou importador;

III - preço praticado pelo remetente acrescido dos valores correspondentes a frete, seguro, impostos, contribuições e outros encargos transferíveis ou cobrados do destinatário, ainda que por terceiros, adicionado da parcela resultante da aplicação sobre o referido montante do percentual de Margem de Valor Agregado (MVA) estabelecido na unidade federada de destino ou prevista em convênio e protocolo, para a mercadoria submetida ao regime de substituição tributária, observado o disposto nos §§ 1º e 2º.

(...)

  • 4º Nas operações internas e interestaduais, as unidades federadas ficam autorizadas a estabelecer como base de cálculo a prevista no inciso III do caput desta cláusula quando o valor da operação própria praticado pelo remetente for igual ou superior a percentual estabelecido pela legislação interna da unidade federada de destino do valor do PMPF ou preço sugerido para o bem e a mercadoria.

[5] TJTO, Apelação/Remessa Necessária 5001257-31.2008.8.27.2729, rel. Maysa Vendramini Rosal, julgado em 02 de setembro  de 2020, DJe 14 de setembro de 2020