A reforma tributária tem despertado grande interesse no setor de incorporação imobiliária, já que as mudanças na forma de tributação podem ter impactos significativos nesse segmento. Neste artigo, analisamos as principais alterações sugeridas na regulamentação da reforma que tramita no Congresso Nacional.
Após anos de debates, a reforma tributária sobre o consumo foi aprovada em dezembro de 2023, com a promulgação da Emenda Constitucional 132/23.
Com a promessa de simplificar e trazer transparência para o sistema tributário nacional, a reforma prevê a extinção de cinco tributos – ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins –, que serão substituídos por três novos: a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) – conhecidos como IVA-Dual (Imposto sobre Valor Agregado) – e o Imposto Seletivo (IS).
Caberá à União a cobrança da CBS e do IS, em substituição à contribuição ao PIS, a Cofins e ao IPI. Já a competência para a cobrança do IBS foi atribuída de forma compartilhada aos estados, Distrito Federal e municípios, em substituição ao ICMS e ISS, respectivamente.
A implementação da reforma tributária seguirá um processo gradual, como estabelecido pelo regime de transição da Emenda Constitucional 132/23. Isso significa que a introdução da CBS e do IBS ocorrerá à medida que a incidência dos demais tributos for reduzida.
A regulamentação dos novos tributos ficou a cargo de lei complementar federal, que deverá ser aprovada pelo Congresso Nacional de forma segmentada, dividida em mais de um projeto de lei. O principal deles é o Projeto de Lei Complementar 68/24 (PLP 68/24), responsável por instituir a CBS e o IBS.
O PLP 68/24 foi aprovado na Câmara dos Deputados, onde recebeu definições mais precisas. Atualmente, está em tramitação no Senado Federal. O presidente da República havia requerido que o projeto de lei tramitasse em regime de urgência, mas retirou o pedido em 4 de outubro.
A expectativa é que o PLP 68/24 seja votado no Senado ainda este ano. A justificativa para o cronograma largo é a necessidade de tempo para que o texto fosse amplamente debatido com todos os setores da sociedade. Audiências públicas já foram realizadas na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado Federal, nas quais representantes de diversos setores foram ouvidos. O propósito dessas audiências foi apresentar os pleitos aos senadores, para que eles fossem adicionados ao projeto por meio de emendas parlamentares.
No dia 29 de outubro, a CAE apresentou o relatório das audiências públicas realizadas. Para as incorporações imobiliárias, sugere-se aumentar a redução das alíquotas da CBS e do IBS de 40% para 60% e adotar uma regra de transição de regimes específica para o setor imobiliário. As sugestões que constam no relatório da CAE serão encaminhadas à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
Principais alterações para o segmento de incorporação imobiliária
Desde 2004, as incorporações imobiliárias estão sujeitas à possibilidade de adesão ao Regime Especial de Tributação (RET), instituído pela Lei 10.931/04 e regulamentado pela Instrução Normativa RFB 2.179/24.
De acordo com essa legislação, as incorporadoras estariam sujeitas a uma alíquota de 4% sobre a receita mensal recebida, o que corresponde ao pagamento unificado do IRPJ, CSLL, PIS e Cofins. Esse percentual de 4% considerava 1,26% de IRPJ, 0,66% de CSLL, 0,37% de PIS e 1,71% de Cofins.
Para a incorporação ou construção dos imóveis residenciais de interesse social no âmbito do Programa Minha Casa Minha Vida, cuja renda bruta familiar se enquadre na Faixa Urbano 1 (até R$ 2.640), a alíquota unificada prevista para o RET caía para 1%.
Com a reforma tributária e a extinção da contribuição ao PIS e da Cofins, muito se questiona sobre a necessidade de manter o RET. Como consequência da extinção da contribuição ao PIS e da Cofins, o PLP 68/24 previu modificações na legislação do RET.[1] As alterações excluem a referência ao PIS e à Cofins e mantém o regime somente para o IRPJ e para a CSLL.
O RET não mais corresponderá a uma alíquota de 4% referente à contribuição ao PIS e à Cofins, ao IRPJ e à CSLL. Passará a ter uma alíquota de 1,92% – 1,26% correspondente ao IRPJ e 0,66% correspondente à CSLL. Para os imóveis de interesse social, a alíquota única será reduzida para 0,47%.
Essa alteração no RET, conforme dispõe o PLP 68/24, produzirá efeitos a partir de 1º de janeiro de 2027, data em que se prevê a extinção da contribuição ao PIS e da Cofins.
Ou seja, o RET continuará em vigor, no entanto, corresponderá apenas ao pagamento unificado de IRPJ e de CSLL. A previsão sobre a contribuição ao PIS e a Cofins foi retirada, já que esses tributos serão substituídos pela CBS e pelo IBS, regulamentados pelo PLP 68/24, que prevê, em seu Capítulo V, um regime específico para os bens imóveis.
Tanto a CBS quanto o IBS incidirão sobre o valor da alienação de bem imóvel, inclusive decorrente de incorporação imobiliária e de parcelamento de solo. A base de cálculo para esses tributos será o valor da operação de alienação do bem imóvel, com redutores de ajuste, previstos nos artigos 251 a 253, e redutores sociais, previstos nos artigos 254 e 255.
Em relação à alíquota aplicável, devido à previsão de regime específico, foi estabelecida uma redução em 40% em relação à alíquota modal – aquela que será aplicada a todas as demais atividades não incluídas em regimes específicos ou diferenciados.
A alíquota modal ainda não foi definida. Ela será calculada à medida em que os antigos tributos forem substituídos pelos novos, durante o regime de transição da reforma tributária. Entretanto, a partir de estudos apresentados pelo Ministério da Fazenda, estima-se que a alíquota modal deve variar em torno de 26,5% (somadas as alíquotas da CBS e do IBS).
Assim, ao considerar uma alíquota modal de 26,5% e aplicar a redução em 40% decorrente da previsão do regime específico, a alíquota para operações de incorporação imobiliária ficaria em torno de 15,9%.
De acordo com o texto aprovado pela Câmara dos Deputados, o PLP 68/24 também estabelece que o recolhimento da CBS e do IBS será devido em cada pagamento da unidade imobiliária, podendo apropriar-se de créditos relativos ao IBS e à CBS pagos sobre a aquisição de bens e serviços utilizados.
No RET, as alíquotas dos tributos eram aplicadas de forma unificada sobre a receita mensal, correspondendo ao total das receitas recebidas pela incorporadora com a venda de unidades imobiliárias que compõem cada incorporação submetida ao RET, bem como as receitas financeiras e de variações monetárias decorrentes dessa operação. Com a reforma tributária, os novos tributos passarão a incidir sobre cada pagamento da unidade imobiliária.
Outra alteração importante é a possibilidade de apropriação de créditos da CBS e do IBS. Ou seja, as incorporadoras poderão compensar os créditos apropriados na cadeia produtiva com tomada de serviços e aquisição de bens com os débitos incidentes em suas operações.
Além disso, um ponto que chama atenção é que não há um regime específico para as incorporações destinadas a programas sociais, como o Minha Casa Minha Vida. Essas incorporações serão ainda mais impactadas pela reforma tributária.
É inegável que a reforma trará mudanças significativas para o segmento de incorporação imobiliária, impactando diretamente as operações e a carga tributária não só das incorporadoras, como dos próprios bens imóveis.
Ela traz desafios e oportunidades decorrentes das mudanças nos tributos incidentes. Com a substituição do RET pelo novo regime específico, as empresas do setor enfrentarão um cenário de adaptação estratégica e deverão se manter atentas às regulamentações. A análise minuciosa das alterações propostas e a implementação de estratégias adequadas serão fundamentais para que as empresas do setor possam se adaptar e prosperar diante das mudanças tributárias.
O Machado Meyer está acompanhando de perto essas mudanças e poderá auxiliar as incorporadoras a compreender e a se adaptar às implicações da reforma.
[1] Art. 483. A Lei 10.931, de 2 de agosto de 2004, passa a vigorar com as seguintes alterações: [...]