Publicada em 3 de outubro, a Medida Provisória 1.262 (MP 1.262/24) instituiu o adicional da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) como parte do processo de adaptação da legislação brasileira às Regras Globais Contra a Erosão da Base Tributária (Regras GloBE). A Instrução Normativa 2.228 (IN 2.228/24), editada na mesma data, regulamenta a MP 1.262.

A edição da MP 1.262 inaugura o processo de alinhamento da legislação tributária brasileira às regras internacionais relativas à implementação do imposto mínimo global (Pilar 2), no contexto das adequações legislativas do Brasil às práticas da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

Em termos práticos, o adicional de CSLL funciona como um imposto mínimo, nos moldes de um Qualified Domestic Minimum Top-up Tax (QDMTT), aplicável aos grupos de multinacionais que tiverem lucro contábil igual ou superior a 750 milhões de euros (cerca de R$ 4,5 bilhões) em pelo menos dois dos quatro anos fiscais imediatamente anteriores ao ano fiscal analisado. O adicional de CSLL busca atingir os grupos multinacionais sujeitos a uma alíquota efetiva de IRPJ/CSLL inferior a 15%.

Com a medida, que entra em vigor em janeiro de 2026, o governo federal estima alcançar cerca de 290 grupos empresariais que têm atuação no Brasil e arrecadar R$ 18,3 bilhões entre 2026 e 2028. Ainda não há indicações de que o governo federal adotará as Regras GloBE relativas ao Income Inclusion Rule (IIR) ou ao Undertaxed Payment Rule (UTPR).

Embora os diversos efeitos da MP 1.262/24 mereçam análise detalhada, vamos nos concentrar, a seguir, em alguns aspectos que se destacam de imediato com o novo regramento.

Ajustes (adição e exclusão) do lucro contábil e atualizações via norma infralegal

A MP 1.262 estabelece que o adicional da CSLL recai sobre os chamados lucros excedentes – que correspondem à diferença entre o lucro líquido GloBE e a exclusão do lucro baseada na substância:

Lucros excedentes = lucro líquido GloBE – exclusão do lucro baseada em substância

O lucro líquido GloBE é resultado do lucro líquido da entidade ajustado pela exclusão e adição de diversos valores previstos no Anexo I da MP 1.262 (como ganhos e perdas em participações no capital excluído, despesas não autorizadas etc.).

A MP 1.262/24 também estabelece que a Receita Federal do Brasil (RFB) pode editar atos para dispor sobre ajustes adicionais a serem realizados para apuração do lucro líquido GloBE.

A exclusão do lucro baseada em substância corresponde a um carve-out (um processo de separação de uma linha de negócio de uma empresa) que tem como base fatores atrelados à substância da atividade desenvolvida pela entidade no país – isto é, folha de pagamento e ativos tangíveis. A exclusão resulta na diminuição do montante devido a título de adicional da CSLL. Na estruturação de um QDMTT, a OCDE permite ao país incluir o carve-out.

De acordo com a MP 1.262/24, a regulamentação pela RFB deverá ser atualizada periodicamente para permanecer alinhada aos documentos de referência aprovados pelo Inclusive Framework da OCDE. Além disso, a regulamentação deverá assegurar a qualificação do adicional da CSLL como um QMDTT.

Essas exigências se devem ao fato de que, de acordo com as regras da OCDE, um imposto mínimo doméstico (como o adicional da CSLL) só será reconhecido por outros países para cálculo das Regras GloBE, caso seja um QMDTT. Para que o adicional da CSLL seja considerado um QMDTT, é necessário observar as regras atualizadas estabelecidas pela OCDE.

Embora se compreenda que a criação de normas infralegais – sem a edição de lei – permita atualizar rapidamente as regras e alinhá-las às práticas da OCDE, essa permissão não se afina com os fundamentos do sistema jurídico brasileiro e pode gerar insegurança, além de dar margem a um eventual contencioso sobre o tema.

Para mitigar esse problema, se poderia incluir uma previsão, semelhante àquela já adotada na recém-editada legislação de preço de transferência. Dessa forma, as atualizações automáticas para incorporar as orientações e práticas da OCDE seriam limitadas, quando fossem contrárias ao texto legal (artigo 1º, §4º, IN 2.161/23).

Discussão judicial ou administrativa implica desconsideração do pagamento do adicional de CSLL


A repercussão no âmbito do contencioso tributário merece atenção especial, considerando a regra estabelecida pelo artigo 35. De acordo com o dispositivo, o adicional da CSLL será considerado não recolhido caso seja, direta ou indiretamente, objeto de litígio judicial ou administrativo. O valor não poderá ser utilizado como crédito na aplicação das Regras GloBE pelo grupo multinacional em nenhuma circunstância, ano fiscal ou jurisdição.

Em termos práticos, a lei pretende que o contribuinte que litigar sobre o adicional da CSLL não terá direito a computar esses valores como um QDMTT para apuração do tributo a pagar, por aplicação das Regras GloBE.

Vale destacar que a norma menciona “direta ou indiretamente”, o que levanta dúvida sobre a extensão da regra e sua aplicabilidade diante de mandados de segurança ou outras disputas que não envolvam valores determinados, e sim disputas sobre a aplicação da lei.

Embora vislumbremos que a base de cálculo do adicional da CSLL seja questionável do ponto de vista constitucional (devido aos vários ajustes previstos na IN 2.228/24), os contribuintes devem analisar os potenciais impactos da aplicação da regra do artigo 35 da MP 1.262/24, caso pretendam questionar judicialmente o tributo.

Créditos tributários na nova regra


A discussão, há muito antecipada, sobre os efeitos dos benefícios fiscais para fins das regras do Pilar 2 teve seu capítulo inicial com o artigo 36 da MP 1.262/24.

Como estabelece o dispositivo, a partir de 2026, o Poder Executivo está autorizado a converter, total ou parcialmente, os incentivos fiscais da Sudam e da Sudene em um crédito financeiro classificável como um crédito de tributo reembolsável qualificado, com o objetivo de introduzir os requisitos de substância adotados no cálculo da exclusão do lucro baseada na substância.

O dispositivo busca adequar os benefícios da Sudam/Sudene considerando a dicotomia entre créditos de tributo qualificado e não qualificado. Isso ocorre porque a alíquota efetiva é calculada com base na razão entre os tributos abrangidos ajustados e o lucro líquido GloBE.

Ao realizar os cálculos, o contribuinte deve incluir no lucro GloBE os créditos considerados qualificados. Não é obrigatório reduzir o valor dos tributos abrangidos ajustados quando houver crédito ou reembolso. Por outro lado, os créditos não qualificados são excluídos do lucro GloBE, mas acabam por reduzir o valor a título de tributos abrangidos ajustados.

Na prática, isso significa que um benefício considerado qualificado terá impacto menor no cálculo da alíquota efetiva quando comparado a um benefício considerado não qualificado – que tende a provocar a redução da alíquota efetiva de forma mais acentuada.

Em princípio, nos parece positiva a intenção por trás do dispositivo, que sinaliza a preocupação do governo federal em mitigar possíveis impactos negativos originados do regramento de benefícios fiscais.

É importante, porém, acompanhar a forma como os benefícios serão convertidos e eventuais desdobramentos, bem como a adequação futura de outros benefícios fiscais, considerando também como o governo federal interpretará a existência de benefícios fiscais semelhantes de outros países.

Alteração do conceito de país ou dependência com tributação favorecida ou regime fiscal privilegiado

A qualificação de país ou dependência com tributação favorecida ou previsão de regime fiscal privilegiado, que decorra exclusivamente da não tributação da renda à alíquota máxima de 17%, poderá ser afastada pela RFB, excepcionalmente, para países que fomentem de forma relevante o desenvolvimento nacional por meio de grandes investimentos no Brasil.

Potencial aumento de carga tributária

Sugerimos que os grupos multinacionais com entidades constituintes no Brasil que sejam beneficiárias de incentivos fiscais, distribuam juros sobre capital próprio (JCP) ou amortizem por via fiscal o ágio por expectativa de rentabilidade futura – além de outras hipóteses que reduzem a carga tributária – avaliem se a sujeição ao pagamento do adicional de CSLL aumentará a carga tributária do grupo multinacional.

Essa análise é importante porque, caso a matriz (Ultimate Parent EntityUPE) do grupo multinacional esteja localizada em país que não adote as Regras GloBE, o pagamento do QMDTT (adicional da CSLL) no Brasil, em tese, levará ao aumento da carga tributária do grupo multinacional.

Por outro lado, caso a UPE esteja localizada em país que tenha incorporado as Regras GloBE, o pagamento do QMDTT no Brasil será considerado para fins de tributação pelas mesmas regras na jurisdição da UPE, gerando um efeito neutro no grupo. Espera-se, porém, que essa neutralidade só seja alcançada em 2026, devido ao período de transição nas jurisdições OCDE.

Nossa equipe tributária está à disposição para esclarecer eventuais questionamentos sobre o tema.