A Resolução CVM 175/22, publicada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) em 23 de dezembro, inaugura o novo marco regulatório dos fundos de investimentos e incorpora à regulamentação brasileira normas que estavam sendo debatidas com os agentes do setor desde 2020.
A efetiva implementação das novidades e dos avanços propostos pela resolução esbarra na necessidade de conferir segurança jurídica aos investidores, administradores e gestores de fundos de investimento, o que inclui a correta definição do tratamento tributário aplicável aos cotistas dos fundos.
Algumas das mudanças propostas pela resolução deverão ser acompanhadas de alterações no ordenamento jurídico-tributário, tanto do ponto de vista legal quanto infralegal, a partir da expedição de normas pela Receita Federal do Brasil (RFB), no exercício de sua competência regulamentar.
Alguns exemplos desses temas:
- Criação de patrimônios segregados por classes de cotas de categorias distintas: essa inovação traz à tona a discussão quanto à necessidade de atualizar a legislação tributária, que, atualmente, não prevê tratamento distinto para os cotistas conforme a sua classe de cotas, mas sim com base no tipo de fundo e na composição da sua carteira (em bases consolidadas).
Além disso, tendo em vista que o regime tributário geral atual é baseado no prazo médio da carteira do fundo e no período de manutenção do investimento, a possibilidade de um mesmo fundo ter diferentes classes de cotas pode afetar a definição do regime tributário aplicável ao cotista quando os investimentos ou desinvestimentos resultarem na alteração da composição da carteira do fundo.
Esse ponto foi identificado pelo legislador e resultou na apresentação de proposta de emenda à MP 1.137/22 na Câmara dos Deputados, segundo a qual a “tributação de fundos de investimento que constituírem classes de cotas (...) incidirá exclusivamente sobre cada classe de cota, de acordo com a sua respectiva composição e o regime tributário aplicável, nos termos da legislação tributária em vigor e da regulamentação da Secretaria da Receita Federal”.
Esperamos que o processo de tramitação da MP aperfeiçoe a redação desse dispositivo legal, inclusive para esclarecer que os fundos de investimento não são tributados, mas sim seus cotistas.
- Fundo de investimento em ações: do ponto de vista regulatório, os fundos de investimento em ações podem investir em ações “admitidas à negociação em mercado organizado”. Do ponto de vista tributário, a incidência do Imposto de Renda à alíquota de 15% exclusivamente no resgate das cotas aplica-se aos cotistas dos “fundos de investimento em ações”, definidos como “fundos de investimento cujas carteiras sejam constituídas, no mínimo, por 80% de ações negociadas no mercado à vista de bolsa de valores ou entidade assemelhada”.
Tal qualificação pressupõe que o portfólio do fundo seja composto por ações efetivamente negociadas, e não apenas admitidas à negociação, como autoriza a CVM. Ainda, a lista de ativos equiparados às ações editadas pela RFB no exercício da sua competência regulamentar não é idêntica à lista de equiparação editada pela CVM, o que também gera desalinhamento.
Uma mudança que promova algum alinhamento entre as regras regulatórias e tributárias de composição de carteira de fundo foi introduzida pela MP 1.137/22 no que diz respeito à carteira dos FIPs, mas tal iniciativa não contemplou outras hipóteses de desalinhamento, como serão exploradas a seguir.
- Período de desinvestimento ou liquidação e desenquadramento passivo: a exceção ao descumprimento dos requisitos de enquadramento dos fundos para fins regulatórios também é um tema não abordado pela legislação tributária. A compatibilidade total entre as regras da CVM e os dispositivos legais que condicionam a aplicação de tratamento tributário específico aos cotistas de fundos com base na composição de sua carteira pressupõe que os eventos acima mencionados também sejam considerados, de modo que as exceções ao descumprimento dos requisitos regulatórios também sejam refletidas em exceções ao desenquadramento para fins tributários.
A Resolução CVM 175/22 entrará em vigor em 3 de abril de 2023, com exceção de algumas regras específicas, que passarão a vigorar em data posterior. Dada a importância da definição do tratamento tributário do cotista dos fundos para a efetividade das mudanças promovidas pela resolução, espera-se que o tema seja objeto de iniciativas legislativas no futuro próximo.