A Receita Federal do Brasil (RFB) publicou no Diário Oficial da União, em 18 de novembro, a Portaria 72 da Subsecretaria de Tributação e Contencioso (Portaria Sutri 72/24), que estabelece as normas complementares necessárias para a implementação do Procedimento de Consensualidade Fiscal – Receita de Consenso, criado pela recente Portaria RFB 467/24.

Hipóteses e requisitos para aplicação do Receita de Consenso

De acordo com a Portaria RFB 467/24, o Receita de Consenso tem como objetivo a resolução consensual de divergências entre o fisco federal e os contribuintes com classificação máxima em programas de conformidade da RFB. A iniciativa pode ser aplicada em duas hipóteses:

  • Em procedimento fiscal, caso haja divergência quanto ao entendimento preliminar exposto pela autoridade fiscalizatória sobre a qualificação de um fato tributário ou aduaneiro (inciso I do artigo 7º da Portaria RFB 467/24);
  • Na ausência de procedimento fiscal, para definir a consequência tributária e aduaneira de determinado negócio jurídico (inciso II do artigo 7º da Portaria RFB 467/24).

No caso de aplicação do Receita de Consenso durante procedimento fiscal, “a divergência deve ser caracterizada mediante termo de constatação fiscal ou outro ato da autoridade fiscalizatória acerca de seu entendimento sobre o assunto objeto de análise” (parágrafo 1º do artigo 7º da Portaria RFB 467/24).

Já na hipótese de ausência de procedimento fiscal, o parágrafo 3º do artigo 6º da Portaria Sutri 72/24 estabelece que o interessado deverá acrescentar ao seu requerimento:

  • quadro cronológico dos atos jurídicos relativos ao negócio, acompanhado de documentação comprobatória; e
  • fluxograma comparativo das situações fáticas prévias e posteriores.

O artigo 8º da Portaria RFB 467/24 determina que o procedimento não é aplicável em caso de demandas relacionadas a condutas com indícios de:

  • sonegação, fraude ou conluio (inciso I);
  • crimes contra a ordem tributária (inciso II);
  • crimes de descaminho ou contrabando (inciso III); ou
  • infrações puníveis com pena de perdimento (inciso IV).

Em seu parágrafo único, o artigo 8º da Portaria RFB 467/24 estabelece que o Receita de Consenso não é aplicável a situações relativas a fatos geradores “cujo prazo de decadência para lançamento do crédito tributário seja inferior a trezentos e sessenta dias”. Em regra, portanto, não se aplica a casos relativos a fatos geradores ocorridos há mais de quatro anos, considerando hipótese relativa a tributo lançado por homologação e sujeita à decadência de acordo com o artigo 150, parágrafo 4º, do Código Tributário Nacional.

Como mencionado, o ingresso no Receita de Consenso está disponível apenas para os contribuintes com classificação máxima em programas de conformidade da RFB – como os Programas de Conformidade Cooperativa Fiscal (Confia) ou Programa Brasileiro de Operador Econômico Autorizado (Programa OEA) – relativa ao mês anterior ao do requerimento.

Atendidos os critérios mencionados acima, o requerimento de ingresso no Receita de Consenso será formalizado pelo contribuinte por meio de formulário disponível no Portal de Serviços da Receita Federal na internet – formulário padrão constante do Anexo Único da Portaria Sutri 72/24.

Órgão conciliador: Centro de Prevenção e Solução de Conflitos Tributários e Aduaneiros (Cecat)

A conciliação ficará a cargo do Centro de Prevenção e Solução de Conflitos Tributários e Aduaneiros (Cecat) – vinculado à Sutri –, responsável por receber as demandas, examinar sua admissibilidade e analisar e deliberar, de forma consensual e dialógica, as matérias admitidas no procedimento consensual.

O Cecat utilizará a mesma estrutura administrativa do Centro de Julgamento de Penalidades Aduaneiras (Cejul). Entretanto, considerando a especificidade do procedimento, o auditor fiscal integrante do Cecat “será habilitado em capacitação específica para o uso de técnicas de consensualidade em ambiente dialógico” (inciso I do artigo 4º da Portaria Sutri 72/24).

O Serviço de Controle de Julgamento de Processos de Penalidades Aduaneiras (Sejup), do Cejul, também receberá as demandas e dará apoio ao Cecat no exame de admissibilidade, bem como na análise e deliberação no âmbito do procedimento consensual.

Admissibilidade da demanda

Com o ingresso do requerimento, um auditor fiscal do Cecat avaliará a admissibilidade do documento e formalizará sua decisão por meio despacho decisório, considerando os seguintes critérios:

  • matéria controvertida;
  • grau de incerteza sobre os fatos tributários ou aduaneiros;
  • existência de conduta com repercussão em lançamentos semelhantes para períodos de apuração posteriores; e
  • comprovação da existência de jurisprudência administrativa ou judicial sobre situações idênticas ou similares aos fatos do caso concreto.

Outros critérios relevantes poderão ser considerados no exame de admissibilidade da demanda, inclusive a avaliação sobre a economicidade da inclusão do litígio no Receita de Consenso. O auditor fiscal poderá requerer elementos adicionais sobre os fatos ocorridos para fundamentar sua decisão sobre a admissibilidade.

Caso a demanda não seja admitida, o artigo 10 da Portaria Sutri 72/24 determina que não caberá recurso ou pedido de reconsideração sobre o despacho decisório de admissibilidade.

Audiência de consensualidade

Após a admissão da demanda no Receita de Consenso, inicia-se o procedimento consensual entre o fisco e o contribuinte.

As partes serão informadas da data e hora de realização da audiência para formulação da proposta de consensualidade – com antecedência mínima de 20 dias, como estabelece o artigo 11 da Portaria Sutri 72/2024. Elas poderão apresentar memoriais contendo seu entendimento sobre a matéria discutida até cinco dias antes da data da audiência.

O auditor fiscal responsável pela análise e deliberação do mérito da demanda será diferente daquele que fez o exame de sua admissibilidade no Receita de Consenso, como determina o parágrafo 1º do artigo 3º da Portaria Sutri 72/24.

A audiência de consensualidade será iniciada pelo auditor fiscal integrante do Cecat, que indicará, de forma sucinta, os fatos, a matéria controvertida e o motivo da sua admissibilidade. Em seguida, as partes terão até 15 minutos para expor oralmente suas razões de fato e de direito, começando pelo interessado ou seu representante legal, seguido pelo representante da RFB.

Durante a audiência, o auditor fiscal do Cecat formulará questionamentos às partes e buscará aproximar seus entendimentos. Ele poderá designar uma segunda audiência em caso de complexidade do tema. No fim de cada sessão, os participantes assinarão uma ata com a síntese da audiência.

Termo de consensualidade

Caso se verifique a possibilidade de consenso entre as partes, o auditor fiscal do Cecat poderá apresentar um termo de consensualidade, que deverá conter:

  • um relatório dos fatos;
  • o entendimento jurídico a ser adotado;
  • a liquidação da obrigação tributária; e
  • as obrigações estabelecidas para as partes, como retificação de escrituração ou declaração, extinção ou parcelamento de dívida tributária e encerramento do procedimento fiscal.

Após o encaminhamento do termo de consensualidade, as partes poderão apresentar, no prazo de 15 dias:

  • manifestação sobre sua concordância;
  • proposta de revisão de questões que estejam em desacordo com os pontos debatidos em audiência; ou
  • alegação de fato superveniente que altere a solução do caso, seguindo as diretrizes do artigo 14 da Portaria RFB 467/2024.

De acordo com o artigo 15 da Portaria 467/24, o termo de consensualidade firmado entre as partes pressupõe:

  • compromisso de adoção da solução nele contida pelo interessado e pela RFB; e
  • renúncia ao contencioso administrativo e judicial na parte consensuada.

Assinado o termo de consensualidade, a Sutri emitirá um ato declaratório executivo (ADE) no prazo de dez dias, a ser publicado no Diário Oficial da União. Esse documento incluirá o nome ou a razão social do interessado, seu número de inscrição no CNPJ, o número do processo de consensualidade, o número do termo de consensualidade e as obrigações pactuadas de forma genérica. Não haverá divulgação de valores ou dados que possam indicar os fatos ou atos tributários ou a situação econômica ou financeira do interessado.

Após a publicação do ADE, as partes terão 30 dias para cumprir as obrigações constantes do termo de consensualidade. O cumprimento dessas obrigações torna o ADE vinculante. No entanto, caso elas não sejam cumpridas dentro do prazo, o ADE será revogado.

Considerações sobre o Receita de Consenso

Em linhas gerais, o Receita de Consenso abre caminho para uma importante alternativa de composição entre o fisco federal e os contribuintes, em uma proposta de composição e cooperação para soluções controvertidas em matéria tributária e aduaneira.

Um importante aspecto a ser considerado pelos contribuintes para o ingresso com a demanda é, sem dúvida, o estágio da discussão sobre matérias controvertidas.

Um procedimento fiscal já instaurado pode-se configurar como uma etapa prévia para a delimitação da matéria controvertida. Com a inserção de um órgão com caráter conciliatório, mesmo nos casos em que se reconheça a existência de exigência fiscal, a iniciativa poderia contribuir para uma possível redefinição/limitação do escopo da exigência.

Por outro lado, nos casos em que não há procedimento fiscal instaurado, a decisão do contribuinte de buscar o procedimento de consensualidade fiscal ainda parece carecer de elementos que ofereçam maior segurança jurídica. A adesão, portanto, dependerá de aspectos específicos do caso concreto, para que se possa fazer uma análise de conveniência e oportunidade.

Nossa equipe tributária está à disposição para fornecer esclarecimentos adicionais e abordar de forma aprofundada as oportunidades do Receita de Consenso em cada caso concreto.