O desenvolvimento de empreendimentos imobiliários sob a forma de loteamento requer atuação estratégica e investimentos vultuosos. Os esforços começam pela concepção do projeto, com a identificação da área e a realização de estudos de viabilidade técnica e ambiental. O processo continua com a aquisição de grandes glebas, o que costuma envolver sua regularização e a superação de entraves documentais, além de aprovações e obras de infraestrutura. Essas etapas não levam em conta ainda os custos envolvidos na comercialização dos lotes, que também representam um componente significativo do investimento.
Embora o crédito habitacional tenha aumentado, na prática, as linhas para financiamento de compra de lotes são muito limitadas. As instituições financeiras julgam que a liquidez dos lotes é menor e que é difícil fazer a análise de risco de crédito dos adquirentes, especialmente em empreendimentos mais populares.
Além disso, há grande descasamento de fluxos entre os quatro anos para a realização das obras de infraestrutura (previstos em lei) e os 10 a 30 anos para liquidação dos recebíveis para esse tipo de ativo, o que dificulta o autofinanciamento para a maior parte dos empreendedores do setor.
Diante desse cenário, o loteador se vê obrigado a recorrer ao mercado de capitais por meio de estruturas de dívidas/crédito, como o Certificado de Recebíveis Imobiliários (CRI). Essas opções trazem consigo custos mais elevados e maior complexidade.
Como alternativa, existe a opção pelo terceiro investidor que aceite se associar ao loteador, geralmente via estruturas societárias que diminuem o controle do loteador sobre o empreendimento.
Em qualquer dessas soluções, o arcabouço contratual que regulará o financiamento poderá ser determinante para garantir ao loteador proteções necessárias em caso de adversidade.
Em paralelo, é possível notar um esforço genuíno dos órgãos públicos em responder à agilidade demandada pelo mercado de loteamentos. Um exemplo são as inovações trazidas, no início deste ano, pela Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação do estado de São Paulo para o processo de licenciamento de loteamentos e condomínios de lotes.
O Graprohab Digital e o Graprohab Integra têm como objetivo tornar o trâmite 100% eletrônico e permitir que os processos corram ao mesmo tempo nos municípios participantes e no estado. Essa inovação tem o potencial de reduzir substancialmente o prazo total de tramitação.
A adoção de novas tecnologias, procedimentos e convênios, porém, não consegue superar questões jurídicas de fundo.
Em 2022, o município de Paulínia, no estado de São Paulo, foi impedido pela Justiça de licenciar novos loteamentos, condomínios e outros empreendimentos, pois o plano diretor, datado de 2006, não tinha sido revisado dentro do prazo legal – pelo menos a cada dez anos, de acordo com o Estatuto das Cidades.
Ter plano diretor em vigor, inclusive, é um dos requisitos para adesão do município ao Graprohab Integra, o que demonstra nitidamente a necessidade de um refinamento cada vez maior na análise e na auditoria do ativo imobiliário.
Em outras localidades que não têm esse nível de integração entre os órgãos licenciadores, o desafio é ainda maior, o que demanda dos desenvolvedores investimentos em estudos e análises jurídicas para tentar antecipar exigências e outras dificuldades que afetam a viabilidade financeira do empreendimento.
Além disso, a transformação de uma gleba de terras (geralmente, rural) em lotes urbanizados é sempre de interesse do município. A razão mais óbvia é transferir ao loteador os investimentos necessários à implantação de infraestruturas que, muitas vezes, servem também à população já instalada nas proximidades do empreendimento, além de desenvolver a atividade econômica local.
A razão menos óbvia – mas não menos relevante – é o aumento na arrecadação de imposto territorial e predial urbano, com a conversão da gleba rural em urbana, a conclusão da transformação da gleba em lotes urbanizados e a construção de edificações nesses lotes.
No entanto, a avidez arrecadatória tem causado muitas discussões sobre o momento em que as situações acima ficam caracterizadas.
A situação mais comum era a cobrança do imposto territorial sobre lotes antes de sua efetiva existência, ou seja, antes da conclusão das obras de urbanização da gleba (os chamados lotes virtuais), fundamentada na Súmula 626 do STJ. Pela súmula, a cobrança de IPTU sobre área urbanizável ou de expansão urbana não está condicionada à existência de, pelo menos, dois equipamentos públicos listados no artigo 32, § 1º, do Código Tributário Nacional.
Espera-se que essa prática seja deixada para trás com a recente inclusão do parágrafo 3º ao artigo 22 da Lei 6.766/79 (por meio da Lei 14.620/23). O parágrafo determina que os lotes somente serão inscritos no cadastro imobiliário após a emissão do Termo de Verificação e Execução de Obras (TVEO).
Como se não bastasse, e diante dos prazos elásticos para pagamento do preço dos lotes, o que se constata é que a situação de crédito do adquirente tende a oscilar e colocar em risco a capacidade de pagamento das parcelas do preço – e, até mesmo, a sua solvência. O risco se estende à efetiva quitação das dívidas relacionadas aos lotes, principalmente IPTU e taxas associativas relativas à associação de moradores eventualmente constituída – cuja cobrança, não raras vezes, pode ser objeto de questionamentos.
Em cenários críticos e caso a estrutura contratual para realização das vendas dos lotes não tenha sido devidamente modelada, o loteador pode ainda se ver obrigado a administrar e arcar com essas dívidas para, minimamente, garantir o seu direito de reaver o lote, protegê-lo de gravames e evitar que se torne inadimplente diante de possíveis investidores.
Os desafios em lotear não se esgotam aqui. Mas fica evidente a necessidade de aplicar inteligência jurídica em todas as etapas do desenvolvimento do loteamento.