Diversos veículos de comunicação exibiram, recentemente, um vídeo que mostrava uma ex-atleta residente do bairro de São Conrado, no Rio de Janeiro, agredindo um entregador de mercadorias. O condomínio da agressora acusada de racismo informou que o episódio não seria isolado. Outras ocorrências já haviam sido relatadas, o que pesou para a decisão, no dia 12 de abril, de expulsar a condômina, por se entender que atos violentos representam comportamento antissocial.
O fato de a acusada ser proprietária ou não da unidade que ocupa é indiferente para os efeitos pretendidos pelo condomínio. O direito de propriedade não é absoluto e encontra limitações, por exemplo, nos direitos de vizinhança e nas normas condominiais. Tanto um locatário, se o imóvel for alugado, quanto o próprio proprietário podem ser penalizados por práticas inadequadas. Isso porque a legislação visa coibir abusos no exercício do direito individual de propriedade, que poderiam representar riscos à coletividade em relação à segurança, à saúde e ao sossego.
Algumas circunstâncias fáticas, no entanto, devem ser ponderadas ao analisar se é válida a pretensão de se expulsar um condômino por comportamento antissocial. A primeira delas é a necessidade de a conduta recriminada gerar dificuldade de convivência no edifício, considerando o desconforto dos vizinhos e eventual repercussão midiática. Episódios que movem manifestações, por exemplo, podem obstruir os acessos à construção, gerar dificuldade de ir e vir dos moradores e atribuir má-fama ao local.
Na sequência, compete ao condomínio aplicar a multa prevista na sua convenção para o comportamento inadequado. Na hipótese de reincidência, prevê o artigo 1.337 do Código Civil que, com a deliberação de 3/4 dos condôminos restantes, pode-se aplicar a multa majorada em até dez vezes o valor atribuído para contribuir com as despesas condominiais, de acordo com a gravidade das faltas. É bom lembrar que o condômino multado tem direito de oferecer impugnação à penalidade.
Se a multa, mesmo majorada, não surtir o esperado efeito de obrigar o condômino a evitar repetir a prática antissocial, uma corrente nos tribunais vem se utilizando do Enunciado 508 da V Jornada de Direito Civil, realizada em 2012, para autorizar como medida extrema a exclusão do condômino do edifício. Isso deve ocorrer após assembleia que delibere a propositura de ação judicial com esse objetivo, asseguradas as garantias inerentes ao devido processo legal e à ampla defesa.
Esses foram os passos seguidos em outro caso recente de violência gerada por racismo, ocorrido em condomínio residencial na cidade de São Paulo contra um comediante. O condomínio ajuizou no início deste ano a ação competente pleiteando a expulsão da condômina por comportamento antissocial. O julgamento desse caso pode servir como importante precedente para a consolidação de jurisprudência sobre o assunto.
Até porque há interpretação no Judiciário de que a construção do Enunciado 508 não foi importada para a lei, motivo pelo qual a expulsão de condômino antissocial não seria possível por ausência de previsão legal. Assim, a única alternativa para a punição de casos como o noticiado no Rio de Janeiro seria a aplicação de sucessivas multas, majoradas até o teto legal.
A possibilidade de expulsão do condômino não implica a perda da propriedade do imóvel, mas sim do direito ao convívio no espaço. O condômino desocupa o imóvel por falta de comportamento social adequado para viver no condomínio. Caso seja o titular da unidade, permanece com os seus demais direitos intrínsecos à propriedade – gozar e dispor da coisa – ativos. Aplica-se, em outras palavras, uma sanção indireta de necessidade de alienação ou locação do imóvel.
Cabe questionar, no entanto, se a repetição da conduta lesiva e sucessivas aplicações de multas são requisitos indispensáveis para que se possa expulsar o condômino, quando se trata de atos de violência, racismo e demais condutas de cunho grave e intolerante. Atualmente adotada, essa interpretação, por vezes, impede que haja uma punição severa ou, principalmente, eficaz do infrator.
As discussões promovidas por esse e outros casos podem ser o caminho para mudanças positivas no debate sobre a exclusão do condômino por racismo de forma profunda e ampla. Com a recente mudança da e os graduais avanços sociais, pode ser que Judiciário adote uma resposta mais enérgica para finalmente coibir a repetição desse tipo de comportamento na vida condominial.