A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) anunciou, em 30 de setembro, a publicação da Resolução CVM 214, que estabelece uma regulamentação específica para os Fundos de Investimento nas Cadeias Produtivas do Agronegócio (Fiagro), uma das prioridades do órgão para 2024.
A Resolução CVM 214 entrará em vigor em 3 de março de 2025 e será incorporada à Resolução CVM 175/22 (Marco Regulatório dos Fundos de Investimento) como Anexo VI. A normatização dos Fiagros era a única pendente para a completa regulamentação dos tipos de fundo de investimento previstos no marco regulatório.
Essa nova norma foi elaborada com base nos três anos de experiência da Resolução CVM 39/21, que tratava, de forma temporária e em caráter experimental, do registro dos Fiagros. Com a entrada em vigor da nova regulamentação, a Resolução CVM 39 será revogada em março.
A ampliação da participação do agronegócio no mercado de capitais é uma das principais preocupações da CVM em sua Agenda Regulatória 2024, que visa a um mercado mais inclusivo e sustentável.
A CVM destacou a ampla e qualificada participação do mercado na audiência pública, fruto da experiência prática acumulada no período experimental. Com a regulação definitiva, os Fiagros “multimercado” ganham uma disciplina própria e autônoma e poderão investir em uma ampla gama de ativos.
A regulamentação também atende aos anseios dos participantes para incorporar mais amplamente regras originárias de outras categorias de fundos aplicáveis, eliminando assim o excesso de referência aos demais anexos.
Isso foi feito com a incorporação no anexo normativo de Fiagros de regras aplicáveis aos FIPs sobre a efetiva influência na empresa investida. No caso das disposições dos FIDCs, foram incorporadas regras sobre a formalização e diligência na aquisição, monitoramento e registro ou custódia dos direitos creditórios integrantes da carteira. Em relação aos FIFs, foram aplicadas as normas de limites de composição e diversificação da carteira de ativos. Busca-se com isso mitigar os riscos de insegurança jurídica e arbitragem regulatória.
A aplicação subsidiária das regras aplicáveis a outras categorias de fundos permaneceu na regulamentação definitiva, mas restrita a uma única categoria adicional. Nesse caso, deve ser escolhida a categoria que seja mais alinhada à política de investimento do Fiagro em questão. Além disso, houve um aumento no limite de ativação desse mecanismo: de 33,33% para 50% do patrimônio líquido do fundo.
Assim, o critério para ativar esse mecanismo é que a política de investimento possibilite alocação em percentual acima desse limite em ativos tipicamente investidos por outra categoria de fundo. Em caso de conflito, a regra do Fiagro prevalece.
O regulador fez ajustes na lista de ativos passíveis de investimento por Fiagros. Em especial, ampliou a possibilidade de investimento para “direitos reais sobre imóveis rurais” e “direitos creditórios imobiliários relativos a imóveis rurais”. Além disso, consolidou-se a possibilidade de investimento em “créditos de carbono do agronegócio” e “cotas de outras classes que apliquem mais de 50% de seu patrimônio líquido nos ativos passíveis de investimento por Fiagro”, sem limitação. Isso inclui fundos de índice (ETFs) que persigam seu benchmark por meio da aquisição desses ativos ou outros Fiagros.
A regulamentação também introduziu a possibilidade de investimento em “Créditos de Descarbonização – CBIOS”. Além disso, foi expressamente permitida a aplicação em “cotas de fundos de investimento em renda fixa e títulos de renda fixa” (exclusivamente para fins de liquidez e gestão de caixa) e “derivativos” (para hedge patrimonial), atendendo às necessidades do mercado. A propósito, foi afastada a possibilidade de investimento em direitos creditórios não padronizados e/ou não performados.
Em relação aos créditos de carbono do agronegócio e CBIOs, a CVM não acatou as manifestações do mercado no sentido de equipará-los a ativos financeiros para fins de enquadramento no rol de ativos do art. 20-A, inciso III, da Lei 8.668/93. A decisão contrasta com o que foi feito no anexo normativo dos FIFs.
No relatório da audiência pública, a CVM explica que foge da sua competência definir a natureza jurídica desses ativos. Também esclarece que a equiparação no anexo do FIFs foi empregada somente como técnica regulatória sob o amparo do art. 1.368-C do Código Civil.
Caso a política de investimentos admita a aquisição de créditos de carbono do agronegócio, o regulamento deverá especificar como o administrador exercerá controle sobre a titularidade dos créditos.
Será considerada infração grave a falha do administrador em controlar a titularidade dos créditos de carbono do agronegócio, nos termos do Anexo Normativo VI. Além disso, será responsabilidade do gestor definir as metodologias aceitas para certificar a efetiva redução ou remoção de gases de efeito estufa nos projetos que geram os créditos elegíveis à carteira, em conformidade com as melhores práticas. Esses projetos devem estar relacionados às atividades integrantes das cadeias produtivas do agronegócio.
Como os créditos de carbono e as CBIOS não são ativos listados no art. 20-A da Lei 8.668/93 e não foram equiparados a ativos financeiros, a própria CVM apontou no relatório da audiência pública que isso pode ter impacto na aplicação da lei pela autoridade fiscal. gestor a responsabilidade de manter o tratamento tributário da classe e dos cotistas na composição da carteira, nos termos do art. 19, inciso I, do Anexo Normativo VI.
Quanto ao investimento em imóveis rurais, houve flexibilização para permitir que os Fiagros invistam em direitos reais sobre esses ativos. Além disso, o conceito de “imóvel rural” foi ampliado em relação à proposta preliminar, embora a redação final não tenha atendido por completo as manifestações do mercado no sentido de viabilizar estruturas para imóveis rurais que não apresentam Certificado de Cadastro de Imóvel Rural (CCIR).
A definição acabou ficando da seguinte forma: “o imóvel que possui Certificado de Cadastro de Imóvel Rural – CCIR ou que, localizado em perímetro urbano, seja destinado à exploração de atividades das cadeias produtivas do agronegócio e possua registro no Registro Geral de Imóveis –RGI”.
Tal definição pode incluir ainda “imóvel que possua depósito de água não marinha, natural ou artificial para utilização em atividades de piscicultura ou aquicultura” para acomodar uma especificidade do setor.
Além disso, é necessário que o informe anual, o pedido de registro de oferta pública de distribuição de cotas e, se houver, o laudo de avaliação contenham a inscrição do imóvel no Cadastro Ambiental Rural (CAR) ou forneçam justificativa para a ausência dessa inscrição.
Em relação a aspectos relacionados à informalidade do agronegócio brasileiro, apontados em manifestações à audiência pública, o regulador considerou que qualquer flexibilização das regras para aumentar o volume de operações é limitada pela necessidade de proteger o investidor e resguardar a higidez do mercado de capitais.
Nesse contexto, foi destacado que o agronegócio poderia se beneficiar ao longo do tempo de um aumento da formalidade na condução dos seus negócios para participar cada vez mais desse mercado e ter acesso a investimentos por meio da poupança popular.
Quanto aos limites de composição e diversificação da carteira de ativos, a CVM optou por deixar a critério do administrador e do gestor do Fiagro multimercado a definição dos limites mínimos e máximos de aplicação por modalidade de ativo, bem como os requisitos de diversificação de investimento por emissor ou devedor, considerando o patrimônio líquido do fundo.
Já no caso de aplicação subsidiária de outra categoria de fundo, mencionada anteriormente, os limites estabelecidos no anexo normativo que disciplina a categoria em questão deverão prevalecer.
Outro assunto importante diz respeito às responsabilidades socioambientais do gestor. Esse prestador ficará encarregado de preservar a integridade fundiária e ambiental do imóvel rural.
Além disso, a lâmina de informações básicas do Fiagro, que deve ser disponibilizada ao investidor, precisará detalhar como o gestor gerencia os riscos socioambientais da carteira de ativos. Caso a gestão desses riscos não seja necessária, uma justificativa deve ser fornecida, seguindo o princípio “pratique ou explique”.
Também foram admitidas regras mais flexíveis para as classes restritas – destinadas exclusivamente a investidores qualificados e profissionais. Entre essas regras estão:
- possibilidade de dispensa de laudo de avaliação para integralização de cotas em ativos;
- estabelecimento de prazos para conversão de cota e para pagamento dos resgates diferentes daqueles previstos na regulamentação;
- existência de encargos adicionais; e
- hipóteses de afastamento de situações de potencial conflito de interesses (art. 38 e art. 31, § 1º, do Anexo Normativo VI).
Especificamente para investidores profissionais, há ainda mais flexibilidades, como a dispensa da necessidade de contratar serviços de registro e custódia de direitos creditórios integrantes da carteira (art. 38 do Anexo Normativo VI).
Os Fiagros em funcionamento terão até 30 de setembro de 2025 para se adaptar às novas regras, que marcam um avanço significativo na consolidação desses fundos como um produto de investimento no mercado de capitais. Essa atualização representa mais um passo para ampliar o financiamento privado do agronegócio, um setor tão importante para a economia brasileira.
A mudança também promove a democratização do acesso ao mercado para o investidor de varejo, com o benefício de uma gestão profissional e especializada. Nesse contexto, ganham destaque a ampliação e flexibilização das possibilidades de investimentos e os aspectos de sustentabilidade na composição e gestão dos ativos da carteira. As medidas estão alinhadas com as melhores práticas internacionais, às quais a CVM adere, reforçando a preocupação com o desenvolvimento sustentável e a transição para uma economia de baixo carbono.
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