A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) publicou o Parecer de Orientação CVM 40, aprovado pelo seu colegiado, no dia 11 de outubro. O documento torna público o entendimento consolidado do regulador sobre as normas aplicáveis aos criptoativos considerados valores mobiliários. O objetivo da autarquia é orientar os participantes do mercado e trazer segurança jurídica e previsibilidade para o desenvolvimento do setor.

Os criptoativos, ou ativos virtuais, se dividem em criptomoedas – como o bitcoin, as altcoins, as stablecoins – e tokens – como os utility tokens, os security ou equity tokens e os non-fungible tokens (NFT).

A posição da CVM é que os bitcoins e a maioria das outras criptomoedas estão fora do seu escopo regulatório, pois não são considerados valores mobiliários ou ativos financeiros.[1] A competência da autarquia, portanto, não abrange os prestadores de serviços que realizam a administração, gestão, custódia ou operam exchanges nas quais são transacionadas apenas criptomoedas.

Os tokens, por sua vez, podem estar sob o alcance regulatório da CVM, desde que sejam classificados como valores mobiliários. Quando isso ocorre, todos os prestadores de serviços envolvidos em emissão, distribuição pública, depósito centralizado, compensação e liquidação, escrituração e emissão de certificados, custódia, assim como intermediários que atuem, direta ou indiretamente, na negociação secundária desses tokens devem cumprir as regulamentações da CVM aplicáveis às respectivas atividades profissionais desempenhadas.

Atualmente tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei 4.401/21,[2] conhecido como o Marco Legal das Criptomoedas, que propõe a regulação dos prestadores de serviços de ativos virtuais. Seu foco regulatório principal, porém, são os ativos virtuais utilizados para investimento ou pagamento que não sejam considerados valores mobiliários, uma vez que não há qualquer regulação sobre as atividades deles ou supervisão por órgão regulador.

O projeto exclui expressamente a regulação dos ativos virtuais considerados valores mobiliários, que já estão sujeitos à Lei 6.385/76 (Lei do Mercado de Capitais) e à supervisão da CVM.

Existe, portanto, complementaridade das iniciativas da CVM e do Poder Legislativo em relação à regulação do setor de criptoativos (ativos virtuais) como um todo. O projeto do Marco Legal das Criptomoedas deixa claro, inclusive, que a competência da CVM sobre os tokens considerados valores mobiliários deve permanecer inalterada.

Sobre o Parecer de Orientação CVM 40, destacamos as principais orientações:

  • Neutralidade tecnológica: seguindo a tendência internacional, a CVM adota uma postura neutra em relação às tecnologias empregadas e é receptiva em relação a novas tecnologias. As tecnologias por trás dos criptoativos (por exemplo, blockchain ou outra DLT) não estão sujeitas à regulamentação no mercado de capitais, nem têm relevância no processo de enquadramento de um ativo como valor mobiliário ou para a submissão de determinada atividade à regulamentação da CVM.
  • Categorias dos criptoativos: a CVM optou pela adoção de uma abordagem funcional na categorização dos criptoativos para indicar seu tratamento jurídico, classificando-os entre:
  • Token de pagamento: sua funcionalidade replica as das moedas, como unidade de conta, meio de troca e reserva de valor.
  • Token de utilidade: sua funcionalidade é adquirir ou acessar determinado produto ou serviço.
  • Token referenciado a ativo: sua funcionalidade é representar um ou mais ativos, que podem ser tangíveis ou intangíveis, como, por exemplo, os security tokens, as stablecoins, os non-fungible tokens (NFT) e os demais ativos objeto de operações de tokenização.

Um único criptoativo pode ser enquadrado em mais de uma categoria de acordo com as funções desempenhadas e os direitos associados. Além disso, os tokens podem ou não ser caracterizados como valores mobiliários, dependendo da análise de cada caso, com base nas diretrizes explicadas a seguir.

  • Classificação de criptoativos como valores mobiliários: a classificação dos criptoativos como valores mobiliários importa na medida em que isso atrai a competência da CVM para os emissores e ofertas públicas desse ativos virtuais, assim como para os agentes envolvidos na intermediação, escrituração, custódia, depósito centralizado, registro, compensação e liquidação de operações que envolvam criptoativos considerados valores mobiliários, além da administração de mercado organizado para negociação secundária desse tipo de criptoativo.

Segundo orientação da CVM, os criptoativos deverão ser considerados valores mobiliários nas hipóteses a seguir:

  • Caso o token seja caracterizado como um contrato de investimento coletivo ofertado publicamente que gere direito de participação, de parceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação de serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou de terceiros, conforme previsto no inciso IX do art. 2º da Lei do Mercado de Capitais.

Isso pode ocorrer ainda que o instrumento de investimento coletivo invista ou assuma exposição em criptoativos que não sejam considerados valores mobiliários, como bitcoin ou outras criptomoedas. Conforme jurisprudência administrativa da autarquia, a caracterização referida no parágrafo acima não depende de prévia manifestação da CVM, mas sim de aplicação do Howey Test, que será explicado abaixo.

  • Caso o token seja a representação digital de algum dos valores mobiliários previstos nos incisos I a VIII do art. 2º da Lei do Mercado de Capitais, ou seja:
  • ações, debêntures ou bônus de subscrição;
  • cupons, direitos, recibos de subscrição e certificados de desdobramento desses recibos;
  • certificados de depósito de valores mobiliários;
  • cédulas de debêntures;
  • cotas de fundos de investimento em valores mobiliários ou de clubes de investimento em quaisquer ativos;
  • notas comerciais;
  • contratos futuros, de opções e outros derivativos, cujos ativos subjacentes sejam valores mobiliários; e
  • outros contratos derivativos, independentemente de os ativos subjacentes serem ou não criptoativos.
  • Caso o token seja a representação digital de certificados de recebíveis ofertados publicamente ou admitidos à negociação em mercado regulamentado de valores mobiliários, conforme previsto no artigo 20, 1º, da Lei 14.430/22 (Marco Legal das Securitizadoras).
  • Contrato de investimento coletivo e Howey Test: para caracterizar um criptoativo ofertado publicamente como um contrato de investimento coletivo nos termos do inciso IX do art. 2º da Lei do Mercado de Capitais e, desse modo, classificá-lo como valor mobiliário, a CVM utiliza o Howey Test, inspirado no método utilizado pela Securities and Exchange Commission (SEC) dos EUA.

A CVM lista as características que devem ser levadas em consideração para fins de classificação ao se analisar um caso:

  • investimento;
  • formalização;
  • caráter coletivo do investimento;
  • expectativa de benefício econômico por direito a alguma forma de participação, parceria ou remuneração, que devem ser resultado do esforço do empreendedor ou de terceiros, e não de fatores externos, como, por exemplo, direitos de participação ou resgate do capital, acordos de remuneração e recebimento de dividendos;
  • esforço de empreendedor ou de terceiro, como, por exemplo, quando a atuação do empreendedor ou de terceiros é necessária para a criação, aprimoramento, operação ou promoção do empreendimento; e
  • oferta pública.
  • Oferta pública: a distribuição pública de criptoativos considerados valores mobiliários no mercado de capitais está sujeita ao registro prévio na CVM, conforme dispõe o artigo 19 da Lei do Mercado de Capitais, exceto nas situações em que a distribuição seja expressamente dispensada nos termos das normas infralegais expedidas pela CVM, conforme competência delegada à autarquia pelos artigos 8º, I, e 19, 5º da referida lei.

No âmbito infralegal, as emissões e ofertas para distribuição pública de valores mobiliários são atualmente disciplinadas pela CVM na Instrução CVM 400/03 e na Instrução 476/09. Essas duas instruções, porém, serão substituídas e revogadas, em 2 de janeiro de 2023, com a entrada em vigor da Resolução CVM 160/22, que inaugurará um novo arcabouço regulatório para as ofertas públicas de valores mobiliários.

Além disso, sendo comum a oferta pública de criptoativos por meio da internet e sem restrição geográfica, a CVM orienta que, nesse caso, devem ser observados os parâmetros do Parecer de Orientação CVM 32 e do Parecer de Orientação CVM 33, ambos de 2005 e aplicáveis a ofertas públicas de valores mobiliários emitidos no exterior para público-alvo residente, domiciliado ou constituído no Brasil.

No novo parecer, a CVM complementou as orientações dadas em 2005 com informações sobre os critérios a serem levados em consideração na avaliação da:

  • efetividade das medidas para impedir que o público em geral acesse a página contendo uma oferta privada de valores mobiliários; e
  • irregularidade de ofertas públicas de valores mobiliários no exterior, sem o devido registro na CVM, e de intermediação de operações com valores mobiliários emitidos no exterior, inclusive derivativos, destinados, em ambos os casos, a público em geral residente no Brasil.
  • Regime informacional e a valorização da transparência: com base no princípio da ampla e adequada divulgação que orienta o regime de informação adotado pela CVM, a autarquia orientou os participantes do mercado de criptoativos classificados como valores mobiliários a prezar pela máxima transparência na sua emissão, distribuição pública e negociação no mercado secundário.

Recomendou que seja observada a regulamentação aplicável sobre esse assunto e apontou como exemplo a Resolução CVM 80/22, a Resolução CVM 86/22 e a Resolução CVM 88/22, conforme aplicável em função das características dos criptoativos e do emissor, nos termos dos artigos 19 e 21 da Lei do Mercado de Capitais. Como explicado acima, a regulamentação vigente aplicável a ofertas públicas de valores mobiliários também deve ser cumprida.

Em relação à admissão da negociação em mercado secundário, a autarquia orientou que os criptoativos enquadrados como valores mobiliários devem ser negociados em mercados organizados que tenham autorização da CVM, nos termos da Resolução CVM 135/22.

De forma complementar, destacou como exemplo um conjunto mínimo de informações relacionadas aos direitos dos titulares de criptoativos e para negociação, infraestrutura e propriedade dos criptoativos, cujo fornecimento em linguagem acessível ao público-alvo da oferta foi considerado importante pela autarquia.

O regulador indicou que poderá avaliar a criação de um regime mais flexível no futuro a depender da evolução e do desenvolvimento do tema. Por ora, recomendou que os participantes do mercado prestigiem a ampla transparência e observem todas as regras que orientam a divulgação de informações em vigor sobre suas respectivas atividades, para que o investidor possa tomar uma decisão de investimento mais informada.

  • Papel dos intermediários: a CVM destacou o papel dos intermediários que atuam, direta ou indiretamente, na negociação no mercado secundário de criptoativos considerados valores mobiliários. Além do dever de observar a regulamentação aplicável, a autarquia enfatizou novamente a importância da divulgação de informações aos investidores.

Recomendou que, no âmbito da sua área de atuação, esses participantes ajam para assegurar um nível adequado de transparência e informação sobre as características e os riscos associados aos ativos virtuais nas negociações, especialmente quando os criptoativos forem oferecidos de forma direta, e não por meio de um produto regulado, como, por exemplo, fundos de investimento e ETFs – esses veículos de investimento já são obrigados a cumprir um regime de informação bastante completo.

Em caso de parcerias comerciais realizadas pelos intermediários, a CVM orienta que eles promovam due diligence sobre os controles internos dos parceiros comerciais para mitigação de riscos e avaliem se o investidor deve ser informado sobre a natureza e extensão da parceria comercial. Orientou também que tenham segregações e proteções de natureza operacional, estrutural e regulatória, para evitar que eventuais problemas provenientes de ambiente de negociação de criptoativos que não são valores mobiliários impactem os negócios dos intermediários.

Os intermediários devem, ainda, caso os parceiros comerciais ofertem criptoativos que não sejam valores mobiliários ou prestem serviços fora da criptoeconomia, informar o público-alvo sobre os riscos associados.

  • Fundos de investimento: a CVM admite o investimento indireto em criptoativos no exterior por fundos de investimento, nos termos do artigo 98 e seguintes da Instrução CVM 555/14.[3] Já o investimento direto não é admitido, pois o regulador afastou a possibilidade de os criptoativos serem considerados ativos financeiros para fins do artigo 2º, inciso V, da Instrução CVM 555/14.[4]

No Parecer de Orientação CVM 40, a autarquia manteve o entendimento sobre a matéria, informando que a evolução do tratamento do tema depende de aprofundamento dos estudos e interações com o mercado.

O foco do regulador foi transmitir orientações para os administradores e gestores dos fundos adotarem novos critérios e tomarem as medidas necessárias para aumentar o nível de transparência, além de divulgarem adequadamente os riscos ligados aos criptoativos nos materiais de divulgação obrigatório dos fundos – com ênfase para a descrição dos riscos relacionados aos ativos virtuais baseados em tecnologias inovadoras, como os NFTs.

A CVM também abordou a experiência do Sandbox Regulatório, informando que três projetos relacionados à tokenização de valores mobiliários foram aprovados e receberam autorizações temporárias para serem testados no mercado com dispensas regulatórias. Para o regulador, essa iniciativa é uma ferramenta que permite avaliar a necessidade de revisão e atualização regulatória para acolhimento das novas tecnologias.

Como explicitado no Parecer de Orientação CVM 40, o regulador está acompanhando a evolução das tecnologias inovadoras e casos de uso dos criptoativos classificados como valores mobiliários no mercado de capitais e atividades relacionadas. A autarquia antecipou que poderá vir a regular esse novo mercado, no limite da sua competência, caso entenda necessário, com base também na experiência do Sandbox Regulatório. A aprovação do parecer pelo colegiado consolida o entendimento do regulador sobre o assunto e aponta, ainda, nessa direção.

A CVM aproveitou a comunicação com o mercado para alertar os participantes que está atenta e tomará as medidas cabíveis para a prevenção e punição de violações às leis e aos regulamentos do mercado de valores mobiliários no mercado de criptoativos que venham a ser identificadas.

Estamos à disposição para quaisquer esclarecimentos adicionais sobre o tema.

 


[1] Conforme o Ofício Circular 1/2018/CVM/SIN, de 12 de janeiro de 2018.

[2] Após aprovação na Câmara dos Deputados, o texto foi aprovado no Senado Federal, com alterações de mérito, e, por isso, foi remetido novamente à apreciação da Câmara dos Deputados, onde aguarda aprovação em plenário.

[3] Conforme o Ofício Circular 11/2018/CVM/SIN, de 19 de setembro de 2018.

[4] Conforme o Ofício Circular 1/2018/CVM/SIN, de 12 de janeiro de 2018.