Uma das inovações trazidas pela Instrução Normativa nº 81 do Departamento de Registro Empresarial e Integração (DREI), emitida em 10 de junho deste ano, é a previsão expressa de registro de contratos sociais de sociedades limitadas contendo quotas preferenciais com restrição de voto ou sem direito a voto.

Um item específico incluído no manual de registro das sociedades limitadas (5.3.1) estabelece expressamente que são admitidas quotas de classes distintas nessas sociedades, cabendo ao contrato social estabelecer as proporções e condições atreladas a tais quotas. Essas quotas preferenciais poderão atribuir a seus titulares direitos econômicos e políticos diversos. Podem inclusive suprimir ou limitar o direito de voto do sócio titular da quota preferencial, observando-se os limites da Lei nº 6.404/76 (Lei das S.A.), aplicada supletivamente.[1]

O DREI também fez constar expressamente que, caso haja alguma quota preferencial sem direito a voto, ela não será computada para fins de cálculo dos quóruns de instalação e deliberação previstos no Código Civil.

As quotas preferenciais são aquelas que conferem a seus titulares vantagens patrimoniais e/ou privilégios especiais não atribuídos às demais quotas, acompanhadas, na maioria das vezes, de restrições ao direito de voto.

Desde a entrada em vigor do novo Código Civil, em 10 de janeiro de 2002, discute-se a possibilidade de o capital social de sociedades limitadas contemplar quotas preferenciais, já que o Código Civil é silente a esse respeito. Apesar desse silêncio, parte da doutrina passou a entender que as quotas preferenciais não deveriam mais ser admitidas com fundamento na prevalência do caráter de sociedade de pessoas (intuitu personae) intrínseco às sociedades limitadas.

É importante destacar que, quando tratamos da liberdade de uma sociedade limitada para praticar um ato não vedado por lei, como contemplar quotas preferenciais no seu capital social, devemos considerar certos princípios balizadores do direito privado, entre eles a autonomia privada, a liberdade contratual e a legalidade.

A autonomia privada e a liberdade contratual materializam o direito das partes contratantes de escolher se querem ou não celebrar um contrato, bem como seu conteúdo e suas condições, desde que acordadas em boa-fé, respeitando a função social do contrato, e não contrariando nenhum dispositivo legal. O princípio da legalidade, por sua vez, está previsto no art. 5º, inciso II da Constituição Federal, segundo o qual todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, e ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei. Do ponto de vista do direito privado, esse princípio estipula que o particular poderá fazer tudo aquilo que não lhe for vedado por lei, o que inclui praticar qualquer ato não previsto em lei. Dessa forma, não haveria impedimento legal para que as sociedades limitadas contemplassem quotas preferenciais em seus contratos sociais.

Acontece que, antes da Instrução Normativa nº 81, não havia entendimento uniforme das diversas juntas comerciais a respeito dessa controvérsia. Algumas aceitavam o registro de contratos sociais contemplando quotas sem direito a voto ou com direito restrito de voto, enquanto outras rejeitavam tal possibilidade.

Desde 2017, com a edição da Instrução Normativa DREI nº 38, já constava no manual de registro das sociedades limitadas a possibilidade de se estabelecer quotas preferenciais em sociedades limitadas. Na época, havia sido incluída no item 1.4, inciso II, alínea “b”, do manual de registro de sociedades limitadas a previsão de que a regência supletiva da Lei das S.A. seria presumida para sociedades limitadas que possuíssem quotas preferenciais. Ainda assim, havia divergências na doutrina quanto a sua validade e licitude, bem como quanto aos pormenores atrelados ao fracionamento do capital social em tais quotas, por exemplo a possibilidade de suprimir ou limitar o direito a voto. Essa diferença de entendimento sempre gerou grande insegurança jurídica a respeito do tema e serviu pra inviabilizar na prática que sociedades limitadas criassem quotas preferenciais.

Ainda que seja muito bem-vinda a alteração trazida pela Instrução Normativa nº 81 como forma de uniformizar o entendimento dos órgãos de registro, algumas questões controversas ainda precisarão ser esclarecidas. A primeira gira em torno da competência do DREI para estabelecer a possibilidade de criação de quotas preferenciais nas sociedades limitadas, dado que o DREI é um órgão cuja finalidade legal é baixar normas para solucionar dúvidas relativas à interpretação de leis e regulamentos sobre o registro de empresas, nos termos do art. 4º da Lei nº 8.934/94. Logo, eventual sócio de uma sociedade limitada que venha a se sentir prejudicado pelo fracionamento do capital social em quotas preferenciais poderá levar a questão para ser discutida no âmbito judiciário, sob a alegação de incompetência do DREI para “legislar” sobre quotas preferenciais em sociedades limitadas.

Além disso, a Instrução Normativa nº 81 não indica exatamente quais vantagens poderão ser atribuídas às quotas preferenciais. Ou seja, não está claro se as sociedades limitadas ficarão restritas ao uso das vantagens permitidas na Lei das S.A., que deverá ser aplicada de forma supletiva, ou se poderão inovar com outras vantagens não previstas na lei.

Dessa forma, sob o ponto de vista do registro de empresas, algumas questões relativas à utilização de quotas preferenciais por sociedades limitadas foram esclarecidas e uniformizadas pela Instrução Normativa nº 81. No entanto, dada a controvérsia que o tema gera na doutrina brasileira, a questão de fundo ainda gera polêmica e entendimentos conflitantes.


[1] A Lei das S.A., por sua vez, traz expressamente a possibilidade de companhias emitirem ações preferenciais, as quais conferem aos acionistas titulares determinadas preferências, tais como (i) prioridade na distribuição de dividendos fixos ou mínimos, (ii) prioridade no reembolso do capital, com prêmio ou sem ele ou (iii) acumulação das preferências e vantagens mencionadas nos itens (i) e (ii), conforme prevê o art. 17 da mesma lei. Ademais, o estatuto social poderá limitar alguns direitos relativos às ações preferenciais, como o direito de voto.