O bitcoin tem ganho cada vez mais destaque nos meios de comunicação. Em março, a cotação de cada unidade superou pela primeira vez o valor de uma onça de ouro. Além disso, algumas varejistas on-line começaram a aceitar o bitcoin como meio de pagamento, o que também colocou a moeda virtual em destaque na mídia. Apesar dessa popularidade crescente, porém, o bitcoin é ainda uma incógnita para muitos.
Por funcionarem como unidade de troca em um sistema que permite enviar pagamentos on-line sem a intervenção de uma instituição financeira, mecanismos como o bitcoin são popularmente chamados de moedas virtuais (ou criptomoedas). Atualmente, existem cerca de seiscentos delas no mundo. Menos conhecido que o bitcoin, o ether também tem se valorizado significativamente nos últimos tempos.
Essas moedas virtuais são descentralizadas, independentes e armazenadas em endereços eletrônicos criados para essa finalidade, sem qualquer regulamentação de governos ou controle de bancos centrais. Os usuários são anônimos, e não há registro da fonte de pagamento.
No caso do bitcoin, sua produção é realizada com a instalação pelo usuário (minerador) de um software que resolve equações complexas e valida as informações de transações de terceiros com bitcoins (é o chamado blockchain). Nesse sistema – denominado mineração – o usuário é remunerado com bitcoins.
O aumento da popularidade desses mecanismos levou o mercado a começar a discutir o que de fato eles são. Podem ser qualificados como moedas? São investimento financeiro? Devem ser declarados às autoridades governamentais? Como funciona a sua tributação?
Há grande preocupação, principalmente por parte das administrações tributárias, quanto à delimitação da natureza jurídica das moedas virtuais e à orientação para a sua tributação adequada.
Nos Estados Unidos, o Internal Revenue Service (IRS, a Receita Federal americana) se manifestou no sentido de que:
- as moedas virtuais devem ser tratadas como propriedade, não se qualificando como moeda estrangeira para fins fiscais;
- o recebimento de um pagamento em moeda virtual deve ser oferecido à tributação como qualquer outro pagamento feito com bens; e
- a remuneração da atividade de produção de moedas virtuais (tal como a mineração) se qualifica como rendimento de trabalho autônomo e deve ser assim tributada. Além disso, se o contribuinte vender ou trocar moedas virtuais, pode haver ganhos de capital tributáveis.
Na União Europeia, a Corte Europeia de Justiça entendeu que a troca de bitcoins deve receber o mesmo tratamento fiscal que a troca de moedas estrangeiras, o que reforça a qualificação desses mecanismos como equivalentes de dinheiro. Nesse sentido, os fiscos do Reino Unido e da Alemanha reconheceram que as moedas virtuais são uma forma de dinheiro privado e que seus criadores e usuários devem ser propriamente tributados.
Como se pode ver, a tentativa de encaixar as moedas virtuais em um ou outro tipo de ativo não é uniforme e está cercada de dúvidas. No Brasil, as Perguntas e Respostas da Declaração do Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (DIRPF), elaboradas pela Receita Federal do Brasil (RFB), procuram esclarecer como as moedas virtuais devem ser tratadas sob a lei brasileira.
A RFB equipara as moedas virtuais a ativos financeiros, estabelecendo que a pessoa física deve informar sua propriedade como Outros Bens, na ficha de Bens e Direitos da DIRPF, convertendo o valor da aquisição em reais. Quando da alienação ou troca para moeda corrente, eventuais ganhos de capital devem ser tributados pelas alíquotas progressivas de 15% a 22,5%, dependendo do valor do ganho. Entretanto, as orientações dadas pela RFB são menos abrangentes que as do IRS, pois não abordam o tratamento tributário que deveria ser aplicado à hipótese de mineração da moeda.
Nos próximos anos, espera-se que o estudo da natureza das moedas virtuais se aprofunde. Instituições internacionais como a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e o Grupo dos 20 (G-20) apontaram a existência de moedas virtuais como um ponto de atenção. A análise das moedas digitais foi alocada à Ação 1 do Projeto BEPS (Base Erosion and Profit Shifting), referente aos desafios trazidos pela economia digital e para a Força Tarefa de Ação Financeira (FATF, na sigla em inglês), que determina padrões globais contra a lavagem de dinheiro e o financiamento de ações terroristas.
O Fundo Monetário Internacional (FMI), a Organização Mundial do Comércio (OMC) e o Bank for International Settlements (BIS) também já publicaram relatórios a respeito das moedas virtuais. Todos esses estudos são ainda iniciais e não deram orientações aos governos sobre como as moedas devem ser tratadas.
Apesar da falta de convergência sobre o assunto, pode-se concluir que as moedas virtuais são uma forma de riqueza, independentemente da qualificação que venham a receber. Assim sendo, o descumprimento dos requisitos de declaração às autoridades governamentais e de tributação pode levar a sanções de natureza tributária, regulatória ou até mesmo criminal, dependendo do caso concreto.