A natureza jurídica de ganhos obtidos pelos beneficiários de planos de stock options tem sido objeto de bastante controvérsia entre autoridades fiscais e contribuintes nos últimos anos. Recentemente, ao analisar o tema, a 2ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) proferiu entendimento favorável ao contribuinte.
A decisão proferida por unanimidade de votos considerou que o rendimento obtido com planos de stock options não se qualifica como remuneração para fins de incidência das contribuições previdenciárias.
No entendimento das autoridades fiscais o benefício econômico obtido pelos beneficiários dos planos se qualificaria como remuneração para fins de incidência do Imposto de Renda das Pessoas Físicas (IRPF) ou Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) e contribuições previdenciárias. Já os contribuintes entendem que os ganhos auferidos por meio dos planos de stock options no momento de venda futura das ações teriam natureza mercantil e seriam tributados como ganhos de capital.
São muitas autuações lavradas pela Receita Federal sobre a matéria, direcionadas tanto às companhias que instituíram os planos – a título de cobrança das contribuições previdenciárias ou IRRF – como diretamente aos executivos – a título de recolhimento do IRPF supostamente devido.
Na esfera administrativa, é possível identificar uma série de precedentes proferidos pelo Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) sobre a natureza desses ganhos, que envolvem discussão sobre a existência dos elementos de “risco” e “onerosidade”, conforme características de cada plano adotado.
No entendimento do Carf, o elemento “risco” estaria presente nos casos em que não houvesse garantia de ganho a ser obtido pelo beneficiário por meio do plano. Isso se daria, por exemplo, quando os beneficiários estivessem sujeitos à cláusula de lock-up, que os impediria de alienar as ações adquiridas por um determinado período, submetendo-se, assim, à oscilação no preço das ações no mercado.
Já o elemento “onerosidade” estaria presente, por exemplo, nos casos em que os beneficiários efetuassem o pagamento do preço de exercício com recursos próprios, sem que fosse concedido um grande desconto em comparação ao valor de mercado das ações.
Em alguns casos, o Carf passou a se basear no fato de as opções serem outorgadas gratuitamente aos beneficiários, o que evidenciaria a ausência do elemento “onerosidade” e indicaria o caráter remuneratório do plano de stock options.
Mais recentemente, ao analisar a natureza dos ganhos auferidos por meio de tais planos, a 2ª Turma da CSRF proferiu entendimento favorável ao contribuinte, no sentido de que o rendimento auferido no âmbito de planos de stock options não se qualifica como remuneração, para fins de incidência das contribuições previdenciárias. A decisão foi proferida por unanimidade de votos.
De acordo com a CSRF, os ganhos auferidos por meio de planos de stock options não consistem em remuneração já que decorrem da valorização das ações no tempo. Além disso, não são oferecidos ou pagos pela companhia que instituiu o plano, mas sim pelo mercado, em decorrência de fatores macro e microeconômicos, que fogem completamente ao controle da companhia (Acórdão 9202-010.506, de 22 de novembro de 2022).
No caso da decisão da CSRF, ressaltou-se que a oscilação no valor das ações decorre não só de fatores inerentes à companhia – como as suas perspectivas de longo prazo, a qualidade da administração do período, entre outros. A CSRF ressalta que esta decorre também de fatores econômicos domésticos – como as taxas de juros vigentes no período, inflação, estabilidade econômica e política – e internacionais – o valor do dólar, a taxa de juros do Tesouro americano, entre outros.
Dessa forma, a CSRF entende que tributar a variação das ações nesse período implicaria tributar um ganho que foi gerado pelo mercado como um todo.
A CSRF afasta o caráter remuneratório dos ganhos com base em outros pontos relevantes, como o fato de a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) não ter o poder de criar, alterar ou definir institutos de direito tributário. Como visto em precedentes anteriores, as autoridades fiscais se apoiavam em instruções normativas da CVM que identificavam os planos de incentivo baseados em ação como integrantes da remuneração dos beneficiários.
O fato de os documentos da empresa fazerem referência aos planos de stock options como remuneração também não seriam suficientes para definir a incidência tributária segundo a CSRF. O conceito de remuneração deve ser verificado a partir do previsto na Constituição Federal, no Código Tributário Nacional e na legislação previdenciária.
Além disso, a CSRF reitera a importância do entendimento já consolidado do Tribunal Superior do Trabalho (TST) sobre a matéria. De acordo com o tribunal, os ganhos obtidos por meio de planos de stock options não consistem em remuneração.
Diante desse cenário, a CSRF conclui acertadamente que tributar a diferença positiva entre o preço de mercado das ações na data do exercício e o preço das ações fixado na data da outorga significaria tributar um ganho decorrente do mercado de capitais.
Na esfera judicial, percebe-se atualmente um panorama favorável à discussão sobre a natureza dos ganhos decorrentes de plano de stock options. Há muitos precedentes proferidos pelos tribunais regionais federais (TRFs) que afastam o caráter remuneratório dos ganhos auferidos por meio desses planos.
No STJ, a matéria ainda está pendente. Há possibilidade de que a natureza desses ganhos seja objeto de análise por meio da sistemática de recursos representativos de controvérsia.
A análise dessa matéria por esse meio é bastante discutível, principalmente levando em consideração que a discussão envolve aspectos fáticos de cada plano implementado que devem ser analisados caso a caso.
Uma eventual decisão do STJ por meio de recurso repetitivo de controvérsia e com base em plano específico poderá gerar impactos para planos de stock options, que, por suas condições específicas, não se enquadram necessariamente nesse tipo de tratamento.
Vale ainda ressaltar que, em 22 de agosto, o Senado Federal aprovou o marco legal das stock options (Projeto de Lei 2.724/22).
A proposta também pretende encerrar a discussão sobre a natureza dos ganhos obtidos por meio desses planos e trazer maior segurança jurídica em relação ao tema. Para isso, define que a opção de compra de ações tem natureza mercantil e prevê de forma expressa que essa opção de compra não se incorpora ao contrato de trabalho e não constitui base de incidência de qualquer encargo trabalhista, previdenciário ou tributário, se presentes determinadas condições.
Após aprovado pelo Senado Federal, o Projeto de Lei 2.724/22 segue agora para análise da Câmara dos Deputados.