Ao julgar o Recurso Especial 1.008.343/SP (REsp 1.008.343/SP) e analisar o artigo 16, parágrafo 3º, da Lei 6.830/80, a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) fixou o entendimento sobre o objeto da Súmula 294:

“A compensação efetuada pelo contribuinte, antes do ajuizamento do feito executivo, pode figurar como fundamento de defesa dos embargos à execução fiscal, a fim de ilidir a presunção de liquidez e certeza da CDA, máxime quando, à época da compensação, restaram atendidos os requisitos da existência de crédito tributário compensável, da configuração do indébito tributário, e da existência de lei específica autorizativa da citada modalidade extintiva do crédito tributário”.

A partir da tese fixada, surgiram duas interpretações:

  • a restritiva (aplicada pela 2ª Turma do STJ), pela qual a compensação somente poderia ser arguida por embargos à execução fiscal se houvesse sido previamente homologada na esfera administrativa, antes do ajuizamento da execução fiscal; e
  • a ampliada (aplicada pela 1ª Turma do STJ), pela qual mesmo que a compensação não tivesse sido homologada na esfera administrativa, poderia ser matéria de defesa nos embargos à execução fiscal, cabendo ao Poder Judiciário analisar a legalidade do ato decisório administrativo.

Com a edição da Súmula 294, em 2010, a 1ª e a 2ª Turma do STJ passaram a proferir decisões divergentes sobre a interpretação do artigo 16, parágrafo 3º, da Lei 6.830/80, de acordo com os entendimentos mencionados acima.

Somente em 25 de novembro de 2021, com o julgamento dos Embargos de Divergência em Recurso Especial 1.795.347/RJ (EREsp 1.795.347/RJ), a 1ª Seção do STJ uniformizou o entendimento de que a correta interpretação da Súmula 294 é a de que a compensação só pode ser alegada como matéria de defesa em embargos à execução fiscal, caso seja previamente homologada.

Desde então, os embargos à execução fiscal que pretendem discutir compensação tributária não homologada na esfera administrativa estão sendo extintos sem julgamento do mérito, de acordo com o artigo 16, parágrafo 3º, da Lei 6.830/80.

Essas decisões abriram um novo debate relacionado à matéria, considerando os princípios fundamentais do direito processual, entre eles, segurança jurídica, economia processual e ampla defesa.

Seria legal e constitucional negar o direito dos contribuintes à efetiva prestação jurisdicional, ao deixar de enfrentar o mérito de embargos à execução fiscal apresentados especificamente antes do julgamento dos EREsp 1.795.347/RJ – quando só então o STJ consolidou a jurisprudência em prol da interpretação restritiva da Súmula 294?

Em nossa opinião, é uma violação clara aos princípios fundamentais que norteiam o direito processual brasileiro extinguir arbitrariamente embargos à execução fiscal após anos de discussão. Isso se torna ainda mais grave em casos que envolvem prova pericial custosa, comum em processos sobre compensação tributária. Tal extinção, justificada pela alegação de que essa matéria deveria ser tratada apenas em ação ordinária com a mesma finalidade, contraria os fundamentos de nossa legislação processual.

Essa interpretação levaria à desconsideração de todos os atos processuais, honorários advocatícios e periciais, tempo das partes dos serventuários e dos magistrados, custas e despesas processuais, além dos valores já incorridos e que seriam despendidos em outra ação a ser proposta com a mesma finalidade. Tudo isso, por consequência, sobrecarregaria ainda mais o já congestionado Poder Judiciário.

O prejuízo é ainda maior para os casos, não raros, em que já houve o decurso do prazo prescricional para o ajuizamento de nova ação ordinária, o que compromete gravemente a efetiva prestação jurisdicional.

Acórdãos recentes no âmbito do TRF-2[1] e do TRF-4,[2] porém, trazem alguma esperança. Esses acórdãos reconhecem a necessidade do enfrentamento do mérito no caso de embargos à execução fiscal que tratem de compensações não homologadas na esfera administrativa, especificamente para aqueles opostos antes da uniformização do entendimento pelo STJ no EREsp 1.795.347/RJ.

A Justiça Federal de São Paulo já proferiu decisão acertada deferindo[3] a conversão dos embargos à execução fiscal em ação anulatória, para garantir o direito do contribuinte à prestação jurisdicional integral. Vale destacar que a Fazenda Nacional não interpôs recurso a essa decisão.

Diante desse cenário, cresce a expectativa dos contribuintes para que o STJ analise a matéria de forma holística e criteriosa e com base nos princípios da segurança jurídica, economia processual, ampla defesa, razoabilidade e efetiva prestação jurisdicional. Isso deve ocorrer em breve no julgamento do REsp 2.152.304/RS, interposto pela Fazenda Nacional, e do AREsp 2.682.184, interposto por contribuinte.

A interpretação dada ao artigo 16, parágrafo 3º, da Lei 6.830/80 nos autos dos EREsp 1.795.347/RJ indicou uma clara mudança no entendimento que prevalecia na 1ª Turma do STJ e e nos demais tribunais regionais. No entanto, ao apreciar a matéria, os tribunais superiores devem examinar todas as consequências de uma aplicação retroativa do novo entendimento consolidado. Essa é uma medida essencial para proteger os contribuintes que agiram com base na jurisprudência em vigor até então.

Até que os tribunais superiores definam essa questão, é importante que os contribuintes que opuseram embargos à execução fiscal antes de 25 de novembro de 2021, para discutir compensação tributária não homologada, sigam litigando contra decisões extintivas. Dessa forma, poderão lutar para resguardar o seu direito à efetiva prestação jurisdicional com o enfrentamento do mérito da demanda.

 


[1] 4ª Turma Especializada do TRF-2, Apelação 0506600-59.2010.4.02.5101, desembargador relator Firly Nascimento Filho, julgado em 20 de março de 2024.

[2] 1ª Turma Especializada do TRF-4, Agravo de Instrumento 5012948-31.2023.4.04.0000, desembargador relator Marcelo de Nardi, julgado em 16 de agosto de 2023.

[3] Decisão proferida nos autos do processo 0012727-20.2018.4.03.6182, em trâmite na 13ª Vara de Execuções Fiscais Federal da JFSP, juiz João Roberto Ottavi Junior, 20 de setembro de 2022.