Há quase 16 anos se tem notícia de autuações dirigidas a distribuidoras de energia elétrica – principalmente as localizadas no estado de São Paulo –, que aproveitam o crédito do ICMS decorrente da aquisição de combustíveis utilizados em veículos operacionais empregados no acionamento/manutenção da rede de distribuição de energia elétrica.

Trata-se, especificamente, de combustíveis que abastecem veículos operacionais utilizados para manter o funcionamento correto da rede de distribuição. Esses veículos têm cor e logomarca das distribuidoras e são aparelhados com equipamentos voltados para a manutenção da rede elétrica – como os veículos com escada no teto.

A tese defendida pelas distribuidoras é que o crédito de ICMS seria legítimo, já que o combustível se destina à movimentação de veículos que asseguram a continuidade do funcionamento da rede de distribuição, imprescindível à transmissão da energia elétrica. O direito de crédito está previsto nos artigos 19 e 20 da Lei Complementar 87/96.

No entender do fisco paulista, no entanto, esses créditos seriam indevidos, pois o combustível configuraria material destinado ao uso e consumo do estabelecimento. Não contribuiria para a atividade de distribuição de energia elétrica e, sendo assim, a tomada de crédito estaria vedada (art. 33, I, da Lei Complementar 87/96).

A discussão, portanto, gira em torno da natureza do combustível adquirido pelas distribuidoras: trata-se de bem de uso ou consumo do estabelecimento ou de bem que contribui com a atividade-fim realizada pela empresa. Com base nessa definição, se estabelecerá o direito ou não ao aproveitamento de créditos de ICMS na sistemática da não cumulatividade desse imposto.

Para que se compreenda melhor a controvérsia, é necessário analisar a natureza jurídica específica da atividade desenvolvida pelas distribuidoras de energia elétrica. Do ponto de vista jurídico, essa atividade tem natureza híbrida, porque é considerada prestação de serviço público, na medida em que oferece uma utilidade à sociedade. Não há controvérsia quanto a isso, tanto assim que é serviço prestado sob regime de concessão ou permissão, nos termos dos artigos 21, XI, “b”, da Constituição Federal, 5º do Decreto 41.019/57 e 4º, § 5º, da Lei 9.074/95.

Mas, para efeitos de tributação, a Constituição Federal tratou a energia elétrica como mercadoria, para que incidisse sobre ela exclusivamente o ICMS, nos termos do seu art. 155, II.

Portanto, com relação ao enquadramento jurídico da atividade exercida pela distribuidora de energia elétrica, além de configurar prestação de serviço, também há natureza comercial – pois ocorre a venda da mercadoria energia elétrica –, assim concebida pelo ordenamento jurídico e, em particular, pela Constituição Federal.

A distribuição se caracteriza como o ramo do setor elétrico dedicado à entrega de energia elétrica para um consumidor. Nesse segmento, a energia distribuída é aquela efetivamente entregue aos consumidores conectados à rede elétrica de uma determinada empresa de distribuição.

A distribuição, assim, se dá por meio de instalações e cabos elétricos que devem estar operando normalmente e sem interrupções para chegar ao consumidor.

A energia elétrica é um bem essencial, conforme dispõem os artigos 10 da Lei 7.783/89, 22 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), e 6 da Lei 8.987/95. Diante da impossibilidade de sua estocagem, como ocorre com mercadorias tangíveis, as distribuidoras se veem obrigadas a utilizar, constantemente, automóveis operacionais para a manutenção da rede elétrica, rede responsável pela distribuição da energia.

Pode-se afirmar, dessa forma, que o uso desses automóveis na manutenção da rede elétrica é indispensável para que as distribuidoras garantam a continuidade do fornecimento de energia elétrica aos seus clientes e evitem interrupções.

Daí porque as distribuidoras sustentam que as atividades que asseguram o bom funcionamento da rede de distribuição são essenciais. Caso contrário, a mercadoria – a energia elétrica – simplesmente não poderia ser transportada.

O art. 155, §2º, inciso I, da Constituição Federal determina que o ICMS é um imposto “não cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro estado ou pelo Distrito Federal”.

Nos termos dos artigos 19 e 20 da Lei Complementar 87/96, em observância ao princípio da não cumulatividade do ICMS previsto na Constituição Federal, é assegurado ao sujeito passivo o direito de creditar-se do imposto cobrado anteriormente em operações que tenham resultado na entrada de mercadoria, real ou simbólica, no estabelecimento.

A mesma Lei Complementar 87/96, nos parágrafos §1º e §3º do art. 20, porém, estabelece que o crédito de ICMS é vedado se não houver nenhuma relação entre a mercadoria adquirida e sua comercialização posteriormente ou se a saída for isenta ou não tributada.

Considerando a atividade desenvolvida pelas distribuidoras de energia elétrica, é possível afirmar que o combustível adquirido é empregado diretamente em sua atividade operacional de prestação de serviço público de distribuição de energia elétrica, na medida que se destina à movimentação dos veículos que asseguram a continuidade do funcionamento de sua rede de distribuição, imprescindível à transmissão da energia elétrica. Ou seja, são essenciais para a regular prestação de serviço de distribuição de energia elétrica.

A controvérsia instaurada ao longo dos anos entre fisco e contribuinte parece estar alcançando desfecho favorável a este último.

É bem verdade que a grande maioria das autuações foi mantida pelo Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo. Esse posicionamento reiterado levou algumas distribuidoras de energia elétrica a rever a estratégia e deixar de aproveitar o crédito de ICMS decorrente da aquisição dos mencionados combustíveis.

Outras, porém, parecem ter insistido na defesa da legitimidade da apropriação desse crédito na esfera judicial, arcando com os custos de processos, muitas vezes morosos, inclusive com a apresentação de garantia do valor integral e atualizado exigido pela Fazenda estadual.

No âmbito judicial, após muita controvérsia entre o fisco e os contribuintes, o cenário desfavorável começou a ser alterado mais recentemente.

É o caso, por exemplo, de recentes precedentes baseados em decisões do STJ que, ao identificarem a jurisprudência firmada pela Corte de que é permitido o crédito de ICMS referente à aquisição de produtos intermediários, desde que comprovada a necessidade de sua utilização para a realização do objeto social da empresa, reconheceram a possibilidade de creditamento do ICMS na aquisição dos combustíveis para utilização em veículos operacionais empregados na manutenção da rede de distribuição de energia elétrica.

Assim, após todos esses anos, a jurisprudência finalmente tem começado a se curvar ao que nos parece ser a interpretação mais adequada do princípio da não cumulatividade e do disposto na Lei Complementar 87/96.