A 2ª Turma da Câmara Superior do Conselho de Administração de Recursos Fiscais (CSRF) decidiu, por maioria, que a falta de retificação da Guia de Recolhimento do Fundo de Garantia do Tempo de Serviços e Informações à Previdência Social (GFIP) não impede que o contribuinte faça a compensação dos valores pagos indevidamente (Processo 19515.720078/2014-86).
O julgamento põe fim a uma discussão antiga existente na Receita Federal (RFB) sobre a necessidade de retificar a GFIP para utilização de crédito previdenciário, ainda que decorrente de decisão transitada em julgado.
Antes da entrada em vigor do e-Social (agosto de 2018), sob o amparo do sistema SEFIP/GFIP, vigorava o art. 26, parágrafo único, da Lei 11.457/07, que apenas previa a possibilidade de compensação de contribuição previdenciária com valores da própria contribuição previdenciária (excluídos terceiros).
Na época, para fins de efetivação, a compensação era declarada na própria GFIP, ainda que o crédito fosse decorrente de decisão judicial transitada em julgado. O lançamento era feito no campo genérico “compensação”.
Ao regular a compensação de contribuição previdenciária em GFIP, tanto o art. 57 da Instrução Normativa da Receita Federal 1.300/12 (IN RFB 1.300/12) como o art. 85 da IN RFB 1.717/17 exigiam a retificação da guia na hipótese de a compensação decorrer de informação incorreta constante na obrigação acessória.
Com base nessas disposições, a RFB entendia que a compensação de contribuição previdenciária decorrente de decisão judicial transitada em julgado dependia da retificação da GFIP vinculada ao crédito (soluções de consulta Cosit 132/16 e Cosit 77/18).
Com a chegada do e-Social, houve uma alteração na forma de realizar as compensações de contribuições previdenciárias. Por meio da Lei 13.670/18, foi revogado o parágrafo único do art. 26 da Lei 11.457/07 e incluído o art. 26-A que, em seu inciso I, passou a prever que as compensações das contribuições previdenciárias são reguladas pelo art. 74 da Lei 9.430/96, quando o sujeito passivo utilizar o e-Social.
Consequentemente, com a entrada do e-Social em operação, as pessoas jurídicas que o utilizam devem realizar compensação de contribuição previdenciária por meio do sistema da PERD/COMp Web. Esse sistema deve ser utilizado até mesmo para o crédito previdenciário que decorre de período anterior ao da utilização do e-Social (crédito anterior ao ano de 2018), tal como ocorre com crédito previdenciário originado de decisão judicial transitada em julgado.
Apesar da alteração da forma de compensação das contribuições previdenciárias, a RFB editou soluções de consulta do ano de 2020 e 2021 que ainda tratavam da necessidade de prévia retificação das GFIPs para compensação da contribuição previdenciária originada de decisão judicial transitada em julgado – Solução de Consulta Disit/SRRF08 8.001/20 e Solução de Consulta Disit/SRRF01 1.009/21.
A Solução de Consulta Disit/SRRF01 1.009/21 tratava exatamente da necessidade de retificar a GFIP antes da compensação decorrente de decisão judicial, já no âmbito de utilização do PERD/COMp Web. Ou seja, a Receita Federal entendeu que a retificação da GFIP é necessária no caso de decisão judicial, ainda que a compensação seja levada a termo na sistemática atual, após a devida habilitação administrativa.
Esse sempre foi um ponto de preocupação ao se analisar o tema, embora, em nossa opinião, o entendimento expressado pela RFB não seja compatível com a atual sistemática de compensação de contribuição previdenciária, já que a compensação de crédito decorrente de decisão judicial transitada em julgado é regulada pelo Capítulo VI da IN RFB 2.055/21 (arts. 100 a 108). Esse capítulo nada prevê sobre a necessidade de retificação de documentos para compensação de contribuição previdenciária.
No caso concreto analisado pela 2ª Turma da CSRF, nos anos de 2009 e 2010, a empresa realizou compensação na própria GFIP de valores decorrentes de pagamentos indevidos de contribuição previdenciária sobre determinadas verbas. No entanto, a empresa não retificou as GFIPs do período que originou o recolhimento indevido. Consequentemente, a RFB lavrou auto de infração para exigir as contribuições previdenciárias, que, no seu entendimento, teriam sido indevidamente compensadas nos anos de 2009 e 2010.
Apesar de o acórdão do julgamento ainda não ter sido formalizado, o relator, conselheiro Marcelo Milton da Silva Risso, entendeu que não há obstáculo para a compensação no caso, já que apenas houve a falha de cumprir a obrigação acessória de retificar a GFIP. Isso levaria à aplicação de multa, mas não ao impedimento à compensação.
O conselheiro destacou que a própria autoridade lançadora reconheceu a existência de contribuições indevidas e, consequentemente, o crédito pertencente à empresa. Essa posição favorável ao contribuinte foi adotada pela maioria dos conselheiros da 2ª Turma.
Com esse julgamento, espera-se que a RFB adote uma nova posição sobre o tema, sobretudo considerando que o atual regime de compensação das contribuições previdenciárias é aquele previsto pelo art. 74 da Lei 9.430/96 (PERD/COMp Web), que não prevê a necessidade de retificação de obrigações acessórias de crédito decorrente de decisão judicial transitada em julgado.