Um dos julgamentos mais sensíveis e importantes em matéria tributária da primeira metade deste ano, a Ação Declaratória de Constitucionalidade 49 (ADC 49) ganhou mais um capítulo.
A presidente da Suprema Corte, ministra Rosa Weber, retirou nesta segunda-feira, dia 17 de abril, o feito do plenário virtual e suspendeu a conclusão do julgamento para proclamação de resultado em sessão presencial marcada para esta quinta-feira, 19 de abril.
O destaque para deliberação em plenário é entendido como tentativa de solucionar o impasse sobre a modulação dos efeitos da decisão, assim como a questão envolvendo o creditamento por parte dos contribuintes.
Explica-se: a decisão de mérito foi proferida em 29 de abril de 2021 e, além de decidir sobre a não incidência do ICMS nas transferências entre estabelecimentos, gerou um efeito reflexo de turbulência e incerteza para os contribuintes do imposto, em especial devido às discussões envolvendo a possibilidade de manutenção dos créditos de ICMS registrados na entrada da mercadoria (já que, em regra, não é possível a manutenção de créditos de ICMS no caso de saída sujeita a não incidência ou isenção – art. 155, §2°, inciso II, alínea ‘b’ da Constituição Federal).
Apesar de o STF ter consolidado na ADC 49 o entendimento de que não há incidência do ICMS na operação de transferência de produtos para outro estabelecimento da mesma empresa, a Corte não dispôs sobre:
- a necessidade de estorno do crédito no estabelecimento de origem; e
- a possibilidade de transferência desse crédito para o estabelecimento posterior (que será responsável pela venda do produto, em provável operação tributada).
Considerando as omissões e pontos obscuros mencionados acima, no dia 13 de maio de 2021, o governador do estado do Rio Grande do Norte opôs embargos de declaração ao acórdão, obstando o trânsito em julgado e, portanto, impedindo a produção imediata de efeitos da decisão de mérito.
Na sessão do último dia 12 de abril, os autos do processo foram postos em julgamento e se formaram duas correntes no tribunal. A primeira delas, encampada pelo ministro relator do processo, ministro Edson Fachin, que foi acompanhado pelos ministros Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Luís Roberto Barroso, Gilmar Mendes e Rosa Weber. A segunda, representando a divergência, encampada pelo ministro Dias Toffoli.
O voto do ministro relator propõe que a decisão de mérito passe a produzir efeitos a partir do exercício financeiro de 2024, ressalvados os processos administrativos e judiciais pendentes de conclusão até a data de publicação da ata de julgamento da decisão de mérito. Quanto aos créditos, decidiu que, exaurido o prazo da modulação sem que os estados disciplinem a matéria, fica reconhecida a possibilidade de transferência.
O voto divergente apresentado pelo ministro Dias Toffoli e acompanhado pelos ministros Alexandre de Moraes, Nunes Marques, Luiz Fux e André Mendonça propõe que a decisão produza efeitos no prazo prospectivo de 18 meses, a partir da data de publicação da ata de julgamento dos embargos de declaração.
No que se refere à sistemática de creditamento, decidiu que a regulamentação sobre a transferência de créditos deve ser feita por lei complementar, editada em âmbito federal, em 18 meses a partir da publicação da ata de julgamento dos embargos.
O placar atual na votação dos embargos de declaração, portanto, encerrou-se em 6 a 5 e contou com os votos de todos os ministros.
A dúvida que persiste é: por que então o julgamento não foi finalizado e houve nova indicação de data para proclamação de resultado em sessão presencial? Muito provavelmente, a resposta se refere à pretensa ausência de quórum qualificado para definição do termo da modulação dos efeitos.
Nos termos da Lei 9.868/99 – que regulamenta o processo e julgamento da ADC, a decisão de mérito poderá ser modulada por “razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social”, diante do quórum de 2/3 dos ministros (oito votos).
Abre-se, assim, uma discussão se tal quórum foi atendido no caso da ADC 49. Isso porque, decidiu-se, em unanimidade, pela necessidade de modulação dos efeitos. A divergência, por sua vez, se deu unicamente em relação ao termo de modulação da decisão.
Frise-se, entretanto, que essa não é a primeira vez que ocorre acolhimento do pedido de modulação por maioria qualificada dos ministros e ausência de quórum qualificado de oito votos com relação ao termo de modulação.
Lembramos o recente julgamento da ADI 4411 (que julgou inconstitucional norma do estado de Minas Gerais que instituiu cobrança de taxa de segurança pública pela “utilização potencial” do serviço de extinção de incêndio), proferido no último dia 13 de abril.
Na ocasião, nove dos 11 ministros entenderam pela necessidade de modulação dos efeitos dessa decisão. Entretanto, seis ministros entenderam pela modulação a partir da data de publicação da ata de julgamento de mérito e três ministros entenderam pela modulação a partir da data de publicação da decisão nos embargos de declaração.
Nesse caso, foi pronunciada a decisão sobre a modulação considerando o quórum qualificado para modular e a maioria simples para definir o termo de início de vigência da modulação.
Caso esse entendimento também seja aplicado no presente caso, o STF deverá pronunciar a decisão em embargos de declaração a partir do voto vencedor do ministro relator Edson Fachin, para que a decisão produza efeitos a partir do exercício financeiro de 2024.
Em relação aos créditos, as duas propostas dispõem que deverá existir processo legislativo para regulamentar a questão. Entretanto, o voto vencedor, em uma análise preliminar, seria mais benéfico aos contribuintes, ao reconhecer a possibilidade de transferência, caso os estados não disciplinem a matéria até 2024.
Isso porque o voto do ministro Toffoli deixa nas mãos do Congresso a regulamentação da transferência de créditos, prevendo apenas que, caso o Legislativo não trate do tema, o contribuinte poderá socorrer-se do Judiciário. O posicionamento do ministro relator Edson Fachin, por outro lado, prevê que, caso os estados não regulamentem o tema, os contribuintes poderão transferir os créditos.
Apesar do voto do ministro relator Edson Fachin ser potencialmente mais benéfico aos contribuintes, não se pode deixar de destacar a indefinição sobre como poderia haver essa “transferência dos créditos” no caso de omissão legislativa.
Corre-se o risco de, após anos de discussão, a metodologia passível de ser adotada pelos contribuintes ser o efetivo destaque de ICMS nas operações de transferência de produtos entre estabelecimentos do mesmo contribuinte, retornando-se ao cenário de 2017, quando da propositura da ADC 49.
A questão, enfim, ainda está pendente de solução pelo STF, o que é esperado que ocorra nos próximos dias.