O mandado de segurança é instrumento processual previsto na Constituição Federal para proteger os cidadãos contra abuso de poder ou ilegalidade praticada por integrante da Administração Pública. Com essa ação constitucional, almeja-se o restabelecimento da situação de legalidade e a proteção do direito do administrado arbitrariamente cerceado por uma autoridade.
Ante tantas peculiaridades da tramitação do mandado de segurança, há um ponto importante sobre a possibilidade ou não de desistir dele a qualquer tempo, especialmente após a prolação de sentença denegatória da ordem e independentemente da concordância da autoridade administrativa.
A Lei nº 12.016/09, que estabelece a disciplina do mandado de segurança, não trata do tema, de modo que as disposições do Código de Processo Civil (CPC) são aplicáveis à matéria.
De antemão, vale fazer a distinção entre a desistência e a renúncia. A desistência produz efeitos eminentemente processuais, ao passo que a renúncia, justamente por guardar íntima relação com o direito material propriamente dito em debate no processo, recebe um tratamento distinto.
Se a parte de uma relação processual optar por desistir da demanda, o efeito desse ato unilateral de manifestação de vontade é a extinção do processo sem a resolução do mérito, como previsto no artigo 485, inciso VIII, do CPC.[1]. Isso ocorre porque, independentemente do motivo que tenha levado a parte a desistir do processo, tal conduta assume contorno processual, fazendo cessar tão somente o processo em si mesmo. Ou seja, há reflexo tão somente no campo processual. O direito material permanece intacto. Em outras palavras, a discussão existente não terá o condão de afetar o direito material subjacente para qualquer efeito. Assim, admite-se que o particular proponha nova ação – mandado de segurança ou qualquer outro tipo compatível com o pedido formulado – desde que disponha de prazo para o seu exercício.
Por outro lado, com a renúncia, os efeitos provenientes dessa manifestação de vontade atingem o direito material subjacente e a parte que a externou reconhece o direito da contraparte, inclusive com efeitos retroativos. Tanto é assim que a sentença que homologa a renúncia manifestada pela parte resolve o mérito do processo, sendo equivalente ao acolhimento da pretensão da parte contrária. Essa é a previsão do artigo 487, inciso III, alínea ‘c’, do CPC.[2]
Diante dos efeitos que essas manifestações unilaterais propagam, o CPC não contém disposição para condicionar a sentença que resolve o mérito (na hipótese de renúncia) à concordância da parte contrária. De outro lado, o § 5º do artigo 485 do CPC prevê que a desistência da ação poderá ser apresentada até a sentença. Isso levou a se defender o entendimento de que, após a prolação dessa decisão, sua homologação estaria condicionada à concordância da parte contrária.
No entanto, em sede de mandado de segurança, diferentemente do que se verifica em ações envolvendo apenas particulares, a concordância da autoridade com o pedido de desistência é prescindível. Isso se dá porque, enquanto nas relações privadas (totalmente disciplinadas pelo CPC) o réu também tem interesse na tutela jurisdicional a partir do momento em que integra o processo, nos litígios contra a Administração Pública, pela via mandamental, não há que se falar em interesse do Estado em obter uma decisão que reconheça a legalidade do ato contestado.
Com efeito, os atos praticados pela Administração Pública são considerados, ainda que por presunção, em sintonia com o ordenamento jurídico até que sobrevenha outro (ato administrativo ou decisão judicial) que diga o contrário. Logo, pela perspectiva da Administração Pública, antes ou depois de proferida a sentença em um mandado de segurança, sequer há interesse processual que vincule a homologação da desistência à concordância da autoridade.
Pela característica de autoexecutoriedade dos atos administrativos, é dispensável a atuação do Poder Judiciário com o objetivo de reconhecer a existência de determinando direito contra o particular. Permite-se que a Administração adote medidas para a execução direta do ato. Como exemplo, têm-se as execuções fiscais.
O tema foi objeto de apreciação pelo Supremo Tribunal Federal (STF), sob o regime de repercussão geral, no julgamento do Recurso Extraordinário 669.367-RJ, oportunidade em que a Corte decidiu que o dispositivo do Código de Processo Civil de 1973 (artigo 267, § 4º – reproduzido no artigo 485, § 5º, do CPC/2015) que exigia a concordância da parte adversa para homologação da desistência após a prolação de sentença não é aplicável ao mandado de segurança.
Segundo a ministra Rosa Weber, que proferiu o voto vencedor, mesmo se a sentença tiver concedido a segurança pleiteada, “ao desistir de um provimento jurisdicional favorável em mandado de segurança, sujeita-se o impetrante à prevalência do ato administrativo que, antes, buscou afastar, como se o writ jamais houvesse sido impetrado; ressurge, integral, a auto executoriedade do ato administrativo”.
A rigor, com a desistência em mandado de segurança manifestada após a prolação da sentença – tenha ela sido favorável ou contrária ao particular – o efeito é o de restabelecer a executoriedade do ato administrativo questionado no processo. Mesmo nas situações em que a sentença for desfavorável ao particular, a desistência do mandado de segurança apenas implicará a preservação do ato de autoridade tal e qual lançado, não tendo motivo para ocorrer insurgência por parte da Administração Pública.
Tratando-se de mandado de segurança, não interessa à Administração Pública obter um título judicial (coisa julgada) para se proteger do contribuinte. O ato administrativo combatido já é dotado de autoexecutoriedade. Com a desistência da demanda, sua legalidade é confirmada.
Os elementos delineados contribuem para concluir sobre o acerto da posição alcançada pelo STF, seguida pelos tribunais pátrios, e sobre a necessidade de interpretar as normas que estabelecem o procedimento em consonância com as particularidades do direito material discutido na ação específica.
A desistência do mandado de segurança, independentemente do estágio do processo, restabelece a autoexecutoriedade do ato administrativo impugnado. Por conseguinte, a exigência de que a autoridade concorde com o pedido do particular é desnecessária, visto que o fim colimado pela própria Administração Pública já será alcançado.
[1] Art. 485. O juiz não resolverá o mérito quando: (...) VIII - homologar a desistência da ação;
[2] Art. 487. Haverá resolução de mérito quando o juiz: (...) III - homologar: (...) c) a renúncia à pretensão formulada na ação ou na reconvenção.