O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), em 2024, retomou o julgamento dos processos com o firme objetivo de diminuir o acervo acumulado nos últimos anos devido às diversas suspensões das sessões de julgamento causadas pela pandemia e greves sucessivas.

Segundo dados oficiais fornecidos pelo próprio Carf,  o tribunal iniciou o ano com cerca de 84 mil processos em seu estoque. Até novembro de 2024, havia conseguido diminuir esse número para 73 mil – uma redução de aproximadamente 13%. A meta foi priorizar julgamentos de processos de valores altos. O presidente do Carf divulgou que as projeções para o biênio 2023/2024 em valores de processos superaram a marca histórica de R$ 1 trilhão.

Foi também em 2024 que as modalidades de julgamento – sessões síncronas híbridas e sessões assíncronas (plenário virtual) – foram regulamentadas, o que contribuiu muito para o aumento do número de julgamentos.

Outro marco importante foi a criação de novas turmas ordinárias de julgamento (nove turmas no total), o que resultou em aumento de 40% no número de conselheiros atuantes. Mais uma vez, o objetivo foi ampliar a capacidade de julgamento.

Durante o ano de 2024, foram aprovadas 29 súmulas no órgão, algo bastante relevante, considerando que a última reunião para apreciação de enunciados de súmulas aconteceu em 2021.

Além disso, a Portaria Carf 414/24 introduziu um procedimento simplificado de propositura e aprovação das súmulas. Com isso, as súmulas agora podem ser propostas por conselheiros da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) e serem pautadas em um número menor de paradigmas (apenas três paradigmas da própria turma).

Todos esses ajustes refletem o forte empenho do Carf em reduzir o estoque de processos e priorizar o julgamento de processos com valores mais altos, em linha com o objetivo do governo de aumentar a arrecadação para o ano. Considerando os últimos dados divulgados pelo Carf, com a data base de outubro de 2024, o tribunal havia proferido 20.252 julgamentos (20.252 acórdãos), envolvendo o valor de R$ 624 bilhões.

Para 2025, o próprio calendário do Carf já reflete a expectativa de um aumento do número de processos julgados, com sessões previstas para ocorrer de segunda a sexta-feira – o normal é de terça a quinta-feira.

Como todos os anos, trazemos, em três artigos, uma breve retrospectiva de cada uma das três seções de julgamento do Carf, bem como as perspectivas de temas que serão julgados em 2025. Que seja um bom ano!

1ª Seção de Julgamento

A 1ª Seção do Carf, à qual compete analisar processos que discutem o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ), a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) e o Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF), entre outros, aprovou quatro novas súmulas durante o ano.

Entre elas, destaca-se a Súmula Carf 204, que determina que: Enquanto não transcorrido o prazo de homologação tácita da Declaração de Compensação (DCOMP), pode o fisco confirmar os requisitos legais de dedução de retenções na fonte e estimativas mensais na apuração de saldo negativo de IRPJ e CSLL”.

Esse entendimento já estava consolidado nos julgamentos da 1ª Turma da CSRF. Por esse motivo, a súmula foi aprovada por unanimidade de votos. Prevaleceu a tese defendida pela Fazenda, de que a decadência se opera para o fisco quando transcorrido o prazo de cinco anos contados da data de entrega da DCOMP (prazo de homologação tácita), de acordo com o art. 74 da Lei 9.430/96. A tese vencida, defendida pelo contribuinte, era de que o prazo decadencial de cinco anos se iniciava a partir da data do fato gerador das antecipações formadoras do saldo negativo de IRPJ.

Em 2024, a amortização de ágio foi um tema de destaque nos julgamentos da 1ª Turma da CSRF e resultou no julgamento de subtemas que geraram debates e mais de 70 acórdãos formalizados.

Entre esses subtemas, destacam-se o ágio interno, ágio com utilização de empresa veículo, necessidade de apresentação de laudo de avaliação de rentabilidade futura, bem como questões decorrentes como, a concomitância de multas de ofício e isolada e a qualificação da multa.[1]

Especialmente com relação à aplicação de multa qualificada em matéria de ágio, confirmou-se a tendência das turmas ordinárias[2] em manter a qualificadora de maneira excepcional – ou seja, apenas nos casos em que haja evidente comprovação de fraude, dolo ou conluio – assim como já vinha entendendo a 1ª Turma da CSRF.

Ainda sobre o tema ágio, a 1ª Turma da CSRF, por maioria de votos, reconheceu a possibilidade de amortização de ágio em operação envolvendo holding formada no Brasil especificamente para aquisição de investimento. Segundo a fiscalização, no caso, a holding teria sido efetivamente adquirida por investidor estrangeiro.

Após análise do caso, a turma rejeitou a acusação de artificialidade na operação, considerando que havia justificativa para a criação da holding e que a operação está alinhada com a atividade realizada. Além disso, destacou que, se o contribuinte tivesse realizado a operação de outra maneira, não teria alcançado o objetivo principal – o que foi devidamente comprovado nos autos.[3]

O tema de participação em lucros e resultados (PLR), muito discutido pela 2ª Seção de Julgamento durante o exame de tributação pelas contribuições previdenciárias, foi apreciado pela 1ª Turma da CSRF, sob a perspectiva de dedutibilidade dos valores de PLR pagos a diretores empregados no IRPJ.

No acórdão 9101-007.015, a turma entendeu que esses valores são indedutíveis da base de cálculo do imposto pela empresa, independentemente do regime de contratação dos diretores.

Para 2025, espera-se que o Carf continue priorizando o julgamento de processos com valores altos, para buscar reduzir o estoque acumulado. Além disso, novos casos devem ser objeto de análise, como o preço de transferência sob a perspectiva da Lei 14.592/23 e a amortização de ágio em operações de compra alavancada.[4]

Nos próximos artigos da retrospectiva do Carf, abordaremos os julgamentos da 2ª Seção e da 3ª Seção. Desejamos uma boa leitura e que as informações sejam úteis para o seu entendimento.


[1] Exemplos: acórdãos 9101-007.200, 9101-006.847, 9101-006.991, 9101-007.049.

[2] Acórdãos 1102-001.529, 1101-001.399, 1101-001.373, 1301-007.438, 1202-001.363, entre outros.

[3] Acórdão 9101-007.250

[4] Exemplo 1102-001.571