Em continuidade à análise das principais matérias julgadas nas três seções do Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf) em 2024, este artigo se dedicará à análise dos casos julgados pela 2ª Seção.
Em 2024, o Carf proferiu decisões sobre questões relevantes na esfera de competência originária da sua 2ª Seção, encarregada de julgar processos relacionados a questões previdenciárias, Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (IRPF), Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF), Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR) e penalidades pelo descumprimento de obrigações acessórias pelas pessoas físicas e jurídicas.[1]
Antes de tratar dos temas relevantes julgados pela 2ª Seção, é importante mencionar a recém-aprovada Súmula Carf 195,[2] que estabelece a incidência de contribuições previdenciárias sobre valores pagos aos diretores não empregados a título de participação nos lucros ou nos resultados.
Essa súmula gerou impacto negativo para os contribuintes, já que as decisões referentes ao tema não eram unânimes e havia muita discussão. Com a aprovação e publicação da súmula, os órgãos julgadores de primeira e segunda instância estão vinculados ao entendimento, o que impede debates em futuros julgamentos.[3]
Também foi alvo de intensos debates a Súmula Carf 210,[4] que estabelece a responsabilidade solidária pelo pagamento de contribuições previdenciárias das empresas que integram o mesmo grupo econômico, sem a necessidade comprovar a configuração de qualquer outra regra de responsabilização. Como regra geral, a súmula estende ao sujeito passivo a obrigação de pagar o tributo. A responsabilização de um terceiro depende da configuração de uma das hipóteses descritas no Código Tributário Nacional (CTN) – como o art. 124, I, do CTN (interesse comum) ou o art. 135 (atuação com excesso de poderes).
Entretanto, para fins de contribuição previdenciária, há uma norma específica, o art. 30, inciso IX, da Lei 8.212/91, que já estabelece uma responsabilização do grupo econômico. A súmula, portanto, fixou o entendimento de que bastava a configuração de grupo econômico para estabelecer a responsabilização pelo pagamento de contribuição previdenciária.
Ressalta-se que essa súmula foi bastante questionada no meio acadêmico, principalmente devido à inobservância da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) sobre o tema. A Corte Superior considera que “o fato de haver pessoas jurídicas que pertençam ao mesmo grupo econômico, por si só, não enseja a responsabilidade solidária”.[5] O STJ estabelece que a responsabilidade solidária entre empresas de um grupo econômico ocorre apenas quando elas realizam em conjunto a ação que gera uma obrigação. O simples interesse econômico não é o bastante para caracterizar essa responsabilidade conjunta.
Em relação aos temas julgados na 2ª Seção, destacamos a tributação de contribuições previdenciárias sobre:
- o plano de opções de compra de ações oferecido pela empresa a seus administradores e funcionários (stock options);
- o pagamento de bônus de contratação pagos aos futuros empregados (hiring bonus);
- a participação nos lucros e resultados (PLR) paga aos trabalhadores; e
- para fins de imposto de renda, o ganho de capital decorrente da incorporação de ações.
Julgamentos sobre planos de stock options
Os julgamentos envolvendo os planos de stock options na 2ª Seção do Carf envolvem a tributação para fins de imposto de renda e contribuições previdenciárias e examinam tanto a natureza jurídica (mercantil ou remuneratória) quanto o momento de tributação (em relação à oferta, aquisição e alienação das ações).
Sobre o tema stock options, cabe lembrar que, em 2024, o STJ, por meio do julgamento do Tema 1.226,[6] sob o rito de julgamento de recursos repetitivos, reconheceu a natureza mercantil do plano de oferta de ações, isentando as stock options da incidência de IRPF no momento da efetiva aquisição de ações.
Apesar de o STJ ter debatido a natureza dos planos de stock options – o que deveria repercutir nos julgamentos envolvendo qualquer espécie tributária –, como a incidência para fins de contribuições previdenciárias não foi diretamente abordada pelo STJ, a decisão da Corte Superior não gerou efeitos diretos nas decisões do Carf.
Mais especificamente, as turmas do Carf que julgaram o tema, mesmo depois do repetitivo do STJ, entenderam que a orientação vinculante da Corte Superior estava limitada à tributação pelo IRPF. Não se estendia, portanto, à contribuição previdenciária.[7]
Assim, nesses casos, prevaleceu o mesmo entendimento que já vinha sendo tradicionalmente adotado no Carf de que a verificação da natureza do plano de ações dependeria de uma análise caso a caso (sendo que nos dois casos analisados prevaleceu o entendimento de que seria remuneratória).
A 2ª Turma da Câmara Superior do Carf ainda não se manifestou sobre o mérito da discussão e considerou que os recursos especiais do período não foram conhecidos por ausência de similitude fática.[8] A incidência de contribuição previdenciária dos planos de stock option, no contexto pós-repetitivo do STJ, portanto, é um tema que deve ser julgado em 2025.
Tributação sobre bônus de contratação
Outro tema controvertido é a tributação pelo IRRF do bônus de contratação (hiring bônus), verba paga ao futuro empregado, no momento da contratação, como forma de incentivo e compensação por eventuais perdas salariais ou benefícios em seu emprego anterior.
Em 2024, a 2ª Turma da Câmara Superior do Carf manteve a jurisprudência desfavorável ao contribuinte, ao confirmar a exigência de contribuições previdenciárias sobre o hiring bônus.[9] Apesar disso, é possível encontrar decisões favoráveis sobre o tema proferida em outros períodos.[10] Assim, fica a expectativa para a análise de novos casos e novos debates ao longo de 2025.
Há de se destacar que o entendimento que vem sendo firmado no âmbito do colegiado depende da análise de cada caso, principalmente sobre a comprovação de elementos de convicção relacionados ao vínculo do pagamento da verba pela contraprestação pelo trabalho.
O tema do pagamento de PLR aos trabalhadores também gerou debates no âmbito da 2ª Turma da CSRF, especialmente com relação à interpretação do art. 2º, §1º, I, da Lei 10.101/00, ou seja, a necessidade de pactuação prévia de acordos coletivos capaz de afastar a incidência de contribuições previdenciárias sobre as verbas pagas aos empregados a título de PLR.
Apenas para esclarecer, a PLR é uma verba paga pela empresa aos seus empregados, de forma variável, de acordo com o lucro e o desempenho da empresa e do trabalhador. A Lei 10.101/00 estabelece que a PLR não tem natureza salarial e, portanto, não está sujeita à incidência de contribuições previdenciárias, desde que atendidos alguns requisitos, entre eles, a pactuação prévia de um acordo coletivo entre a empresa e os empregados ou seus representantes.
Em relação à interpretação do art. 2º, §1º, I, da Lei 10.101/00, apesar do tema também depender de uma análise bastante casuística, pode-se apontar quatro decisões proferidas[11] pela 2ª Turma da CSRF ao longo do ano de 2024, todas com teor desfavorável ao contribuinte, seja por maioria de votos ou pela aplicação do voto de qualidade.
De forma geral, constata-se uma tendência de decisão da Câmara Superior de que o contribuinte deve demonstrar que as metas foram fixadas, contratadas e com planos assinados, no ano anterior àquele em que elas deveriam ser alcançadas, para que seja respeitado o requisito de “pactuação prévia”.
Segundo a jurisprudência majoritária da turma, essa tese parte da análise dos elementos probatórios juntados para averiguar se o contribuinte conseguiu demonstrar que o acordo de pagamento do PLR permitiu ou não aos empregados conhecer previamente o nível de esforço necessário para atingir as metas pré-fixadas para o ano seguinte.
Outro tema relevante analisado pela 2ª Turma da CSRF em 2024 foi a incidência de IRRF sobre o ganho de capital decorrente da incorporação de ações.
Em 2024, a 2ª Turma da CSRF manteve a sua jurisprudência, desfavorável ao contribuinte, de que o acionista da empresa incorporada terá ganho de capital passível de tributação pelo IRRF, ao receber as ações da companhia incorporadora com valorização.[12]
Para o ano de 2025, a busca por clareza e segurança jurídica na interpretação de leis e acordos coletivos relacionados à PLR certamente serão pontos de destaque, assim como discussões sobre novos temas, como as que envolvem tributação da Contribuição Previdenciária sobre Receita Bruta (CPRB).
[1] Ressalta-se que, de acordo com as portarias 22.564/20 e 12.202/21, foram estendidas à 2ª Turma da Câmara Superior do Carf diversas matérias de competência originária da 1ª Turma da Câmara Superior, como: acréscimos legais/juros de mora, penalidades (multa isolada, agravada e de ofício), depósitos bancários de origem não comprovada, entre outros temas.
[2] Súmula 195: "Os valores pagos aos diretores não empregados a título de participação nos lucros ou nos resultados estão sujeitos à incidência de contribuições previdenciárias".
[3] § 4º do art. 123 do Ricarf.
Art. 123. A jurisprudência assentada pelo CARF será compendiada em Súmula de Jurisprudência do CARF.
§ 4º As Súmulas de Jurisprudência do CARF deverão ser observadas nas decisões dos órgãos julgadores referidos nos incisos I e II do caput do art. 25 do Decreto nº 70.235, de 1972.
[4] Súmula 210: "As empresas que integram grupo econômico de qualquer natureza respondem solidariamente pelo cumprimento das obrigações previstas na legislação previdenciária, nos termos do art. 30, inciso IX, da Lei nº 8.212/1991, c/c o art. 124, inciso II, do CTN, sem necessidade de o fisco demonstrar o interesse comum a que alude o art. 124, inciso I, do CTN".
[5] Vide EREsp 834.044/RS, julgado em 8 de setembro de 2010. Em sentido idêntico sentido: AgInt no REsp 1860479/PR, julgado em 28 de setembro de 2020; AgRg no AREsp 89.618/PE, rel. ministro Gurgel de Faria, julgado em 23 de junho de 2016; AgInt no REsp 1.911.919/SP, julgado em 9 de novembro de 2022.
[6] Tese firmada:
“a) No regime do Stock Option Plan (art. 168, § 3º, da Lei 6.404/76), porque revestido de natureza mercantil, não incide o imposto de renda pessoa física/IRPF quando da efetiva aquisição de ações, junto à companhia outorgante da opção de compra, dada a inexistência de acréscimo patrimonial em prol do optante adquirente.
b) Incidirá o imposto de renda pessoa física/IRPF, porém, quando o adquirente de ações no Stock Option Plan vier a revendê-las com apurado ganho de capital”.
[7] Acórdãos 2101-002.971, 2101-002.972, 2401-012.043, 2401-012.044, 2401-012.045 e 2401-012.046.
[8] Acórdãos 9202-011.505, 9202-011.415
[9] Acórdãos 9202-008.600 e 9202-011.036, 9202-011.409
[10] Acórdãos 9202-010.570, 9202-010.361 e 9202-009.762
[11] Acórdãos 9202-011.174, 9202-011.525, 9202-011.175 e 9202-011.176.
[12] Acórdãos 9202-011.249, 9202-010.643 e 9202-010.488.