No último artigo da série que analisa as principais matérias julgadas nas três seções do Conselho de Administração de Recursos Fiscais (Carf) em 2024, abordamos os casos julgados pela 3ª Seção.

Essa é a seção responsável pelo julgamento de controvérsias envolvendo tributos como PIS/Cofins, Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), Imposto de Importação (II), Imposto de Exportação (IE), casos de classificação fiscal de mercadorias, matérias aduaneiras, entre outros tributos e assuntos definidos no art. 45 do Regimento Interno do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Ricarf).

Antes de mencionar os temas relevantes julgados pela 3ª Seção, é importante destacar a aprovação de cinco novas súmulas. Duas delas tratam do aproveitamento de crédito de PIS e Cofins sobre determinadas despesas no contexto da Lei 10.637/02 e da Lei 10.833/03.

A primeira, a Súmula Carf 188,[1] permite o aproveitamento de créditos de PIS/Cofins sobre despesas com fretes na aquisição de insumos não tributados. Segundo a 3ª Turma da Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF), o frete tributado é uma operação autônoma e não há impedimento legal para o aproveitamento de créditos.

A segunda que merece destaque é a Súmula Carf 217,[2] que determina que os gastos com fretes relativos ao transporte de produtos acabados entre estabelecimentos da mesma empresa não geram créditos de contribuição para o PIS/Pasep e de Cofins. Prevaleceu o entendimento de que esses fretes são despesas pós-produtivas e não se caracterizam como insumos.

A aprovação dessa súmula preocupa os contribuintes, pois consolida um entendimento contrário ao aproveitamento de créditos sobre essas operações. Outro ponto de atenção é que o Carf tende a aplicar a súmula apenas para os casos de empresas industriais, excluindo as empresas comerciais. Para essas empresas, os contribuintes argumentam que os fretes se enquadram no inciso IX do art. 3º das leis 10.637/02 e 10.833/03 e são parte da operação de venda.

Além da aprovação de importantes enunciados de súmula, o ano de 2024 na 3ª Seção do Carf foi marcado por julgamentos de temas que merecem destaque, como:

  • a possibilidade de creditamento de despesas de publicidade e propaganda;
  • o conceito de “praça” para o cálculo do Valor Tributável Mínimo (VTM) e a aplicação de forma retroativa da Lei 14.395/22; e
  • interposição fraudulenta.

Creditamento de despesas de publicidade e propaganda

A discussão sobre a possibilidade de creditamento na rubrica de insumos, no contexto das leis 10.637/02 e 10.833/03, continua sendo objeto de ampla análise na 3ª Seção do Carf. É feita uma diferenciação na análise para empresas industriais e para as comerciais/varejistas.

No geral, a maioria dos conselheiros do Carf tem adotado o entendimento de que não é possível aproveitar o PIS e a Cofins sobre insumos para empresas comerciais/varejistas, mesmo com a comprovação de que a despesa é essencial e relevante. Entende-se que há, no caso, uma tomada de crédito indevida, pois não se trata de despesa proveniente de produção ou prestação de serviço.

Um caso relacionado a esse assunto julgado pelo Carf tratava de uma empresa predominantemente comercial que atua no e-commerce e apropriava créditos de PIS/Cofins de diversos insumos, o que levou à lavratura de um auto de infração.

No julgamento, a 1ª Turma da 2ª Câmara da 3ª Seção deu parcial provimento ao recurso voluntário em diversos pontos, permitindo, inclusive, a apropriação de créditos em relação a gastos com veiculação de propaganda e marketing na internet. Essa decisão foi fundamentada na essencialidade desses dispêndios, já que a empresa depende do meio digital para a execução de suas atividades.[3]

Valor Tributável Mínimo (VTM) e a retroatividade da Lei 14.395/22

Para além da discussão sobre os créditos de PIS/Cofins envolvendo insumos, também foi objeto de debate no conselho a relação do Valor Tributável Mínimo (VTM) e a retroatividade da Lei 14.395/22.[4]

O VTM tem previsão no art. 195 do Regulamento do IPI (Ripi) e é considerado uma típica norma antielisiva para operações com produtos industrializados. Seu objetivo é evitar uma manipulação artificial da base de cálculo do IPI, especificamente quando ocorrem operações entre empresas interdependentes.

Portanto, a base de cálculo ficta do IPI pode ser apurada com base em duas metodologias distintas estabelecidas no art. 196 do Ripi:

  • caso exista mercado atacadista na praça do remetente, o VTM será apurado com base no preço corrente no mercado pelo cálculo da média ponderada de preços das empresas atacadistas da referida localidade; e
  • caso inexista mercado atacadista na praça do remetente, o VTM será apurado com base em uma cesta de elementos objetivamente traçados pelo legislador.

A controvérsia apresentada gira em torno da interpretação e dos limites dos conceitos de “praça do remetente” e “mercado atacadista”.

Em 2022, foi publicada a Lei 14.395/22, que solucionou um impasse de décadas sobre o IPI, ao determinar que o conceito de “praça” se refere ao município onde está localizado o estabelecimento do remetente. Essa sempre foi a tese defendida pelo contribuinte.

Em maio de 2024, a 3ª Turma da CSRF, por meio dos acórdãos 9303-015.075 e 9303-014.772, negou a aplicação retroativa da Lei 14.395/22, argumentando que a lei não prevê explicitamente a retroatividade, mas apenas altera a legislação em vigor.

Para os conselheiros, a retroatividade é uma exceção que deve estar claramente prevista na lei. No entanto, a decisão não é unânime, alguns casos foram decididos por voto de qualidade e outros por maioria acirrada (5x3).

Após a publicação da Lei 14.395/22, 11 casos foram julgados pelo conselho, dos quais apenas três favoráveis à tese do contribuinte – entendendo a norma como interpretativa e permitindo sua retroatividade. Oito casos proibiram sua aplicação a fatos anteriores. Dos casos que foram desfavoráveis ao contribuinte, quatro deles foram apreciados pela 3ª Turma da CSRF, todos em 2024.[5]

Diante das controvérsias sobre o conceito de "praça" e a retroatividade da Lei 14.395/22, é evidente que a questão continua gerando debates e divergências.

Embora a nova lei tenha trazido uma definição clara para o termo "praça", a discussão sobre sua natureza interpretativa e a possibilidade de aplicação retroativa permanece em aberto. Os julgamentos recentes do Carf revelam uma divisão de entendimentos, com resultados divergentes em relação à retroatividade da lei, demonstrando a complexidade e a importância desse tema.

Interposição fraudulenta

A 3ª Seção do Carf também foi movimentada por questões relacionadas ao tema da interposição fraudulenta, uma infração aduaneira tipificada no inciso V do art. 23 do Decreto-Lei 1.455/76.

A acusação é de ocultação do real adquirente nas operações de importação ou exportação feita por pessoa interposta, por de meio fraude ou simulação, com intuito doloso. As penalidades incluem o perdimento, convertido em multa equivalente ao valor da mercadoria, quando esta já foi consumida, revendida ou não localizada.

Em 2024, as turmas ordinárias da 3ª Seção do Carf julgaram diversos casos de interposição fraudulenta, com resultados que variaram de acordo com o contexto fático.

Um caso envolvendo uma empresa de comercialização de perfumes teve seu recurso voluntário provido pela 1ª Turma da 4ª Câmara, que entendeu que a interposição fraudulenta alegada pelo fisco não foi comprovada.[6]

Por outro lado, a 2ª Turma da 3ª Câmara da 3ª Seção negou provimento a um recurso voluntário,[7] sustentando que a parte não comprovou a disponibilidade, a origem e as transferências dos recursos empregados nas operações de comércio exterior, o que gerou a presunção de interposição fraudulenta de terceiros. Além disso, foi mantida a responsabilidade solidária dos sócios-administradores em relação à multa equivalente ao valor aduaneiro da mercadoria.

Uma observação importante é que, desde maio de 2024, as 1ª e 2ª Turmas da 4ª Câmara da 3ª Seção são as responsáveis pelo julgamento de casos envolvendo assuntos aduaneiros, inclusive a tese de interposição fraudulenta, de acordo com a Portaria Carf/MF 627/24.

Essas câmaras especializadas representam uma grande evolução no sistema de julgamento, pois proporcionam maior eficiência e precisão na análise de questões complexas e específicas, como as relacionadas à classificação fiscal, multas aduaneiras, interposição fraudulenta. As câmaras especializadas também garantem maior segurança jurídica aos operadores do comércio internacional, além de contribuir para maior celeridade nos julgamentos.

Devido ao elevado número de recursos julgados pelas turmas ordinárias do Carf sobre interposição fraudulenta em 2024 e a divergência de entendimento entre as turmas, é esperado que em 2025 diversos recursos especiais sobre o tema sejam encaminhados para a 3ª Turma da CSRF.

Diante dos desafios que o Carf enfrentará em 2025, incluindo a consolidação das mudanças no regimento interno, o avanço tecnológico, a redução da temporalidade e a aprovação de novas súmulas, o órgão deverá aumentar o número de julgamentos, o que levará a uma considerável redução de estoque de processos. Que seja um bom ano!


[1] Súmula Carf 188 – É permitido o aproveitamento de créditos sobre as despesas com serviços de fretes na aquisição de insumos não onerados pela contribuição para o PIS/Pasep e pela Cofins não cumulativas, desde que tais serviços, registrados de forma autônoma em relação aos insumos adquiridos, tenham sido efetivamente tributados pelas referidas contribuições.

[2] Súmula Carf 217 – Os gastos com fretes relativos ao transporte de produtos acabados entre estabelecimentos da empresa não geram créditos de contribuição para o PIS/Pasep e de Cofins não cumulativas.

[3] Vide acórdão 3201-012.196

[4] Altera a Lei 4.502, de 30 de novembro de 1964, para conceituar o termo “praça” para os fins que especifica.

[5] Vide acórdãos 9303-015.075, 9303.014-773, 9303.014.772 e 9303.014.774.

[6] Vide acórdão 3401-013.384.

[7] Vide acórdão 3302-014.721.