O Superior Tribunal de Justiça (STJ) julgou, em 11 de setembro, o Tema 1.226, sob o rito dos recursos repetitivos, para definir a incidência do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) sobre as opções de compra de ações (stock options) oferecidas pelas empresas a colaboradores. O entendimento estabelecido pela Corte Superior representa um importante direcionamento sobre a questão.

Neste artigo, abordamos as teses firmadas pelo STJ e os próximos passos, além de reunir informações básicas necessárias para entender os planos de opção de compra de ações e para utilizá-los como incentivo de longo prazo.

O QUE SÃO STOCK OPTIONS E PARA QUE SÃO USADAS


Na literatura científica, a “teoria da agência” destaca os conflitos entre interesses de administradores e acionistas. Enquanto acionistas tendem a preferir retornos de longo prazo com a valorização de suas ações e lucros sustentáveis, administradores podem buscar resultados imediatos, mesmo que pouco sustentáveis no longo prazo – ganhos que se traduzam em valores maiores, estabilidade no emprego ou outras prioridades que não coincidam com as dos acionistas.

As stock options são instrumentos usados pelas empresas para corrigir essa distorção: ao vincular os ganhos dos administradores ao desempenho das próprias ações no mercado, os interesses desses administradores tendem a convergir ao interesse dos acionistas.

Essa vinculação acontece porque as stock options conferem ao colaborador a possibilidade de, transcorrido o prazo de carência denominado vesting, exercer a opção de adquirir ações da empresa a um valor predeterminado, chamado “preço de exercício”, o qual não é necessariamente atrelado ao valor de mercado.

É comum que as ações adquiridas por meio de opções desse tipo não possam ser vendidas durante um período determinado (lock-up). Assegura-se, com isso, que o colaborador mantenha sua condição de acionista e, dessa forma, continue alinhado aos interesses da empresa.

Com o desenvolvimento do instituto, as stock options ganharam espaço como diferencial para engajamento de colaboradores – que são atraídos pela possibilidade de permanecer na empresa e se beneficiar, como acionistas, do crescimento para o qual contribuem.

INCIDÊNCIA DE IRPF SOBRE STOCK OPTIONS


A discussão sobre o tratamento tributário a ser dado às stock options não é nova e decorre das diferentes interpretações dadas ao instituto. Seriam três correntes principais:

  • A primeira, bastante minoritária, considera que a própria concessão da opção ao colaborador seria evento tributável pelo IRPF, independentemente de o colaborador vir a exercê-la ou não. Por essa linha de pensamento, a opção seria caracterizada como remuneração pelo trabalho do colaborador e, portanto, submete-se à tributação por alíquotas progressivas até 27,5%.
  • A segunda, normalmente adotada pelas autoridades fiscais, considera que o exercício da opção pelo colaborador seria um evento tributável e que a diferença entre o valor de mercado da ação e o preço de exercício deveria ser considerada rendimento decorrente do trabalho (remuneração indireta). As autuações fiscais normalmente exigem que esse “rendimento” seja tributado pelo IRPF pela alíquota de 27,5%.
  • A terceira corrente vê na concessão da opção e no seu exercício pelo colaborador uma expectativa de ganho que somente se realizará se e quando houver venda da ação adquirida pelo colaborador por valor acima do preço de exercício. Para essa corrente, não há “remuneração” quando o colaborador adquire a ação.

Aliás, sequer haveria controle de eventual ganho no futuro. Pode ocorrer que o colaborador perca dinheiro nesse contexto, sobretudo se houver um período de lock-up posterior ao exercício da opção – o que causa exposição às oscilações do valor da ação.

Por essa última linha de pensamento, apenas quando se vende as ações é que se mede o resultado financeiro obtido – que seria tributado como ganho de capital, sujeito ao pagamento de IRPF pelas alíquotas progressivas de 15% a 22,5%.

COMO ESTÁ A REGULAMENTAÇÃO SOBRE O TEMA


A Lei das S/A prevê a possibilidade de conceder a opção de compra de ações a administradores, empregados ou pessoas naturais que prestem serviços à sociedade ou a suas controladas.

Tramita no Congresso o Projeto de Lei 2.724/22 (PL 2.724/22), que dispõe sobre o regime dos planos de outorgas de opção de compra de participação societária. É o chamado Marco Regulatório das Stock Options.

O PL reconhece a natureza mercantil do plano de compra de ações que seguem a norma proposta. Isso inclui o cumprimento de algumas condições mínimas para o exercício do direito (como vesting de 12 meses, onerosidade na aquisição e forma de deliberação).

Nesse contexto, o PL dispõe que a opção de compra de participação societária não integra a base de encargos tributários, trabalhistas ou previdenciários e, portanto, não se incorpora ao contrato de trabalho.

A aprovação do Marco Regulatório das Stock Options seria importante para normatizar o tema e direcionar a implementação de planos de outorga.

O QUE DECIDIU O STJ: CUIDADOS E PRÓXIMOS PASSOS

Em 11 de setembro de 2024, o STJ apreciou o Tema Repetitivo 1.226 e decidiu que o IRPF não deve ser cobrado na concessão de stock options ou no momento do exercício pelo colaborador. De acordo com o relator, ministro Sergio Kukina, não há conteúdo remuneratório nas stock options, mas sim mercantil e comercial.

A suposta renda apurada quando do exercício da opção é apenas potencial. Essa renda não se incorpora de imediato ao patrimônio do colaborador. A existência de ganho dependerá de o colaborador conseguir alienar as ações com lucro. Nesse momento, o IRPF pode ser cobrado sobre o ganho de capital auferido, caso ocorra.

Com isso, o STJ fixou as seguintes teses:

  • no regime de stock option plan (art. 68, §3º, da Lei 6.404/76), porque revestido de natureza mercantil, não incide o Imposto de Renda da pessoa física/IRPF quando da efetiva aquisição de ações, junto à companhia outorgante da opção de compra, dada a existência de acréscimo patrimonial em prol do optante adquirente.

  • Incidirá o Imposto de Renda pessoa física/O IRPF, porém, incidirá quando o adquirente de ações no stock option plan vier a revendê-las com ganho de capital.

Esse precedente deverá ser observado em atenção ao princípio da uniformização da jurisprudência dos tribunais, estabelecido nos arts. 926 e 927, III, do Código do Processo Civil (CPC),[1] e ao princípio da segurança jurídica (art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal).[2]

Em relação a esse tema, o STF manifestou, nos autos do RE 1.436.593, que a natureza jurídica das stock options não estaria na alçada da estrutura constitucional. Na ocasião, a Suprema Corte não admitiu o recurso apresentado e reconheceu que cabe ao STJ decidir sobre o assunto.

Consideramos que, em linhas gerais, as teses firmadas pelo STJ estão consonantes com o direcionamento dado ao tema no PL 2.724/22. Essa diretriz jurisprudencial, portanto, pode ter o efeito de acelerar os trâmites para aprovação do Marco Regulatório das Stock Options.

E AS CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS?

O julgamento do tema pelo STJ, embora não tenha tratado diretamente das contribuições previdenciárias, a nosso ver, traz alento e direciona para a impossibilidade de se exigir contribuições previdenciárias sobre as stock options conferidas aos colaboradores. Isso se deve ao entendimento de que tal instrumento tem natureza mercantil (não laboral ou remuneratória), logo, não se enquadraria como remuneração para fins previdenciários.

Como já apontamos em outro artigo, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) entende que as stock options não integram o salário dos colaboradores abrangidos por esses programas. As opções de compra de ações, portanto, também não deveriam compor a remuneração dos colaboradores para fins previdenciários.

Embora o posicionamento das turmas ordinárias do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) seja diferente, o pronunciamento mais recente de sua Câmara Superior (CSRF) ao analisar a controvérsia[3] afasta a cobrança das contribuições previdenciárias sobre as stock options.[4]

Considerando os aspectos fáticos envolvidos e os limites de conhecimento do tema, em outras ocasiões mais recentes, a CSRF não conheceu da matéria.[5] Os tribunais regionais federais vêm reconhecendo, embora ainda não de forma pacífica, que as stock options não são remuneração dos colaboradores e, portanto, não se sujeitam à incidência das contribuições previdenciárias. Dessa forma, a controvérsia existente em relação à exigência das contribuições previdenciárias conta, agora, com sólido direcionamento do STJ.

Em nossa avaliação, a implementação de plano de stock options ainda exige cuidados de ordem jurídica e prática, em atenção às peculiaridades do julgamento do STJ e da regulamentação aplicável.

Estamos à disposição para ajudar você e sua empresa a implementar incentivos de longo prazo efetivos, capazes de engajar colaboradores e de se alinhar aos interesses dos acionistas.

 


[1] Art. 926. Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente. (...)

Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão: (...)

III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; (...)

[2] Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada; (...)

[3] O Acórdão 9202-010.634, de 22 de março de 2023, analisou apenas o momento da incidência do tributo, concluindo que ela deveria se dar quando a opção fosse exercida. Por razões processuais, porém, os julgadores, na ocasião, não podiam reanalisar a incidência do tributo em si.

[4] Acórdãos 9202-010.511 e 9202-010.510, julgados em 9 de fevereiro de 2023.

[5] Acórdão 9202-011.175, julgado em 19 de março de 2024.