É comum que rodadas de investimento de startups sejam precedidas de reorganização envolvendo a transferência da participação societária da empresa brasileira para a companhia constituída no exterior, em jurisdições cuja legislação ofereça maior flexibilidade e segurança jurídica a investidores estrangeiros.

Essas reorganizações também são implementadas por companhias brasileiras que buscam acesso a mercados de capitais estrangeiros por meio de listagem em bolsa de valores no exterior.

Como resultado dessas reorganizações societárias, também conhecidas como inversões de capital ou flip, os sócios originais passam a deter participação societária em sociedade no exterior. Essa sociedade, por sua vez, se torna controladora da startup brasileira.

Como regra geral, as inversões são implementadas sob o formato jurídico de aumento de capital da companhia estrangeira com entrega das ações ou quotas da startup brasileira. Sob a perspectiva tributária, deve-se avaliar os impactos dessa transação para os sócios fundadores. Neste artigo, trataremos dos sócios brasileiros pessoas físicas.

O flip implementado é qualificado como alienação e pode levar ao reconhecimento de ganho de capital tributável, caso o valor atribuído às ações ou quotas seja superior ao seu custo de aquisição, conforme registrado pelos sócios fundadores.

Não há, porém, dispositivo legal que exija a valoração da participação societária no mercado para fins da transferência. É possível que o valor de custo seja adotado pelas partes e, assim, a transação fica fiscalmente neutra.

De acordo com a regulamentação do Banco Central do Brasil, a inversão requer a implementação de operações simultâneas de câmbio, com valor embasado em laudo que indica o valor máximo que pode ser atribuído às ações/quotas.

As operações de câmbio simulam a saída de investimento brasileiro para o exterior – sujeita à incidência do IOF/câmbio com alíquota de 0,38% – e a entrada de investimento estrangeiro no Brasil – sujeito à alíquota zero do IOF/câmbio. Trata-se do custo tributário da realização do flip.

Os lucros e dividendos pagos pela startup brasileira à sua nova controladora no exterior não são tributados no Brasil, mas podem, em tese, ser tributados na jurisdição em que a controladora é residente. Já os lucros e dividendos distribuídos pela companhia estrangeira aos sócios fundadores brasileiros serão tributados no Brasil.

No caso de sócios fundadores pessoas físicas, incide a alíquota máxima do Imposto de Renda – 27,5%. Um eventual tributo incidente na fonte sobre os dividendos na jurisdição da controladora no exterior (pouco provável) poderá ser deduzido do imposto devido no Brasil.

Apesar de as startups, em geral, não serem entidades lucrativas aptas a distribuir dividendos, na hipótese de distribuição futura, a tributação dos dividendos pelos sócios brasileiros representa ineficiência resultante do flip.

Nos casos de evento de liquidez que envolva alienação privada das ações da companhia no exterior, o ganho de capital auferido pelos sócios fundadores pessoas físicas ficaria sujeito à tributação no Brasil, com a aplicação de alíquotas progressivas de 15% a 22,5%.

Esse mesmo tratamento é aplicável ao ganho de capital auferido em alienação de ativos no Brasil – ou seja, o regime tributário no caso de alienação secundária não é afetado em decorrência do flip.

Caso a controladora no exterior aliene participação societária na startup brasileira, um eventual ganho de capital também ficará sujeito à tributação no Brasil sob a sistemática de retenção na fonte.

Caberá ao adquirente ou a seu representante reter e recolher o tributo devido. Caso a controladora seja residente em jurisdição definida como paraíso fiscal, o Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) será cobrado com base na alíquota geral de 15% ou alíquota majorada de 25%.

Eventual necessidade de unflip (evento de “tropicalização”) para desfazer a interposição da controladora no exterior deve ser cuidadosamente avaliada para evitar o reconhecimento de ganhos tributáveis no Brasil.