Inovadora em vários aspectos, a Lei da Empresa Limpa ou Lei Anticorrupção (12.846/2013) incorporou ao ordenamento jurídico brasileiro disposições já presentes em outros países, como os EUA e o Reino Unido. Alguns exemplos são a previsão de aplicação de pesadas multas para empresas envolvidas em práticas corruptas no Brasil e no exterior e o incentivo à adoção de mecanismos preventivos, os programas de compliance, chamados na lei brasileira de programas de integridade.
Se, de um lado, a aplicação das disposições punitivas previstas no texto legal ainda é embrionária (em todo o território nacional, são pouquíssimos os casos de penas atribuídas com base na lei e não existem casos em âmbito federal), as cláusulas de incentivo à implementação de um ambiente corporativo ético alteraram o cotidiano de empresas que operam no Brasil.
É interessante notar que o legislador não obrigou as empresas a implementar programas de compliance. A transformação que observamos é impulsionada, em grande parte, pelo atenuante concedido expressamente no cálculo da pena às empresas que, na eventualidade de uma sanção, demonstrem a existência de um programa de compliance eficiente e robusto, em conformidade com as melhores práticas do mercado, à época da ocorrência.
A previsão de responsabilidade objetiva para a aplicação das pesadas sanções nos termos da lei e os profundos danos reputacionais causados pelo envolvimento em escândalos de corrupção também servem de argumento para a adoção de práticas preventivas. A esses aspectos se soma a necessidade de incluir nos programas de compliance mecanismos de proteção individual de acionistas, diretores e conselheiros.
É bem verdade que não se alterou o texto legal sobre os deveres dos administradores. Em linhas gerais, permanece a lição de que o administrador deve ter em relação aos negócios da companhia a mesma diligência e cuidado que teria nos seus próprios negócios. Sua atuação deve exibir razoável prudência e todo o profissionalismo que se esperaria de alguém encarregado de administrar uma complexa entidade empresarial. Contudo, a interpretação do que é considerado razoável prudência e profissionalismo pode e deve variar de medida no cenário atual brasileiro.
A Lei Anticorrupção aumentou profundamente os riscos punitivos que as empresas correm pelo cometimento de atos de corrupção, e a conjuntura atual – em que grandes empresas têm perdido relevante valor de mercado pela associação de seus nomes a casos de quebra de integridade – indica que prevenir a ocorrência de atos ilícitos não é apenas um imperativo ético, mas efetivamente uma prática indispensável para a sobrevivência de uma sociedade empresarial.
O aumento da gravidade de tais riscos e o fato de que a Lei Anticorrupção e sua regulamentação indicam expressamente mecanismos de prevenção podem reforçar o argumento de que a ausência de implementação de tais medidas seja considerada uma infração às obrigações fiduciárias dos administradores.
Tal omissão poderia não apenas expor os executivos às sanções dos órgãos reguladores específicos, como a CVM, mas também torná-los alvo de eventuais ações reparatórias por parte de acionistas da companhia, no caso de prejuízos causados à empresa por atos de corrupção.
Naturalmente, isso não implica dizer que já estaria em vigor no Brasil a obrigação de que os executivos implementem um programa de integridade completo nas empresas em que atuam. Contudo, é inegável – a depender do tamanho, da complexidade e do grau de exposição da empresa a risco – que a adoção de iniciativas preventivas deve constar da lista de prioridades de administradores empresariais.
A importância desses mecanismos para empresas e para administradores já parece ter sido notada. É crescente o número de organizações, de diversos tamanhos e setores, que vêm empregando iniciativas para identificar e prevenir os riscos de quebra de integridade, incluindo elementos como a adoção de um canal de denúncia interno e de um Código de Ética, a criação de uma estrutura interna para a gestão de riscos relacionados à corrupção, a fiscalização das atividades de terceiros e a realização de diligências anticorrupção específicas em operações de M&A.