A Lei nº 14.151/2021, publicada em 13 de maio deste ano, estabelece no caput do seu art. 1° que “durante a emergência de saúde pública de importância nacional decorrente do novo coronavírus, a empregada gestante deverá permanecer afastada das atividades de trabalho presencial, sem prejuízo de sua remuneração”. No parágrafo único do mesmo dispositivo, consta que a empregada afastada “ficará à disposição para exercer as atividades em seu domicílio, por meio de teletrabalho, trabalho remoto ou outra forma de trabalho a distância”.

Muito se tem questionado sobre a responsabilidade do empregador pelo pagamento dos salários das gestantes no caso de impossibilidade de exercício das atividades à distância, considerando que a proibição de desempenhar as tarefas em ambiente presencial decorre da crise emergencial de saúde pública ocasionada pela pandemia e de determinação legal.

Não se questiona a responsabilidade do empregador de arcar com o ônus remuneratório, caso seja possível afastar a empregada das atividades presenciais, sem o prejuízo do trabalho efetivo. No entanto, nas atividades que precisam ser exercidas presencialmente, os empregadores têm ônus duplo, quando não podem ficar sem o trabalho efetivo: o pagamento dos salários da empregada gestante afastada e a contratação, como temporário, de outro empregado para a função.

Diversos empregadores questionaram diretamente a União sobre esse ônus excessivo e alguns pleitos já foram deferidos quando judicializados.

Recentemente, a Justiça Federal (Tribunal Regional Federal da 3ª Região – São Paulo/SP) proferiu duas decisões sobre o tema, nos autos dos processos nº 5003320-62.2021.4.03.6128 (1ª Vara Federal de Jundiaí/SP) e nº 5006449-07.2021.4.03.6183 (14ª Vara Cível Federal de São Paulo/SP).

Na primeira ação, por meio de mandado de segurança, uma empregadora pleiteou a antecipação do salário-maternidade de sua empregada doméstica. O pedido foi deferido pela Justiça Federal, que determinou ao INSS a antecipação do salário-maternidade pelo período de afastamento decorrente da impossibilidade de realização das atividades à distância pela trabalhadora gestante, nos termos art. 1° da Lei nº 14.151/21.

O magistrado se baseou na regra disposta no art. 394-A da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT),[1] que prevê a impossibilidade de realização de atividades insalubres por gestantes.

Na decisão, o juiz destacou que o caso envolvia uma segurada que exercia a atividade de empregada doméstica, o que impossibilitaria a realização de trabalho remoto ou qualquer outra forma de trabalho à distância. Ressaltou ainda que o benefício disposto no art. 1° da Lei nº 14.151/21 de afastar a gestante do trabalho presencial, sem prejuízo da remuneração, com objetivo de prevenir o risco de contágio por covid-19, foi criado pelo Estado. Portanto, não caberia ao empregador arcar com o encargo financeiro.

Além disso, para o magistrado, a situação se enquadraria na regra prevista no §3° do art. 394-A da CLT, que dispõe sobre restrições ao trabalho da gestante em ambiente insalubre, da mesma forma que o art. 1° da Lei nº 14.151/21.

A concessão de salário-maternidade antecipado seria atribuição do Estado, não podendo ser atribuída aos empregadores, por afrontar a proteção à maternidade e à gestante, asseguradas tanto pelo dispositivo previsto na CLT como pelo art. 1° da Lei nº 14.151/21.

A segunda decisão decorreu de uma ação ordinária na Justiça Federal contra o INSS e a União. A ação buscava a compensação direta do salário-maternidade pago pelo empregador durante o período de afastamento da empregada gestante por impossibilidade de realização do trabalho à distância, nos termos do art. 1° da Lei nº 14.151/21 (Processo nº 5006449-07.2021.4.03.6183).

No processo, foi informado que as empregadas gestantes prestavam serviços de atendimento médico de urgência e emergência em prontos-socorros e unidades hospitalares e, portanto, não poderiam prestar atendimento à distância.

A diferença nessa ação foi o rito, pois, apesar de pedido cautelar na ação de procedimento comum, os salários continuaram a ser pagos normalmente, e o empregador solicitou a compensação da remuneração efetuada.

Na decisão, ressaltou-se que, tratando-se de trabalho de enfermagem, seria impossível exercer as atividades à distância. Além disso, a Lei nº 14.151/21 não definiu a quem compete o pagamento da remuneração da trabalhadora gestante cuja atividade profissional seja incompatível com o trabalho à distância.

Considerando que a Constituição Federal assegura a todos o direito à saúde, à maternidade, à família e à sociedade (arts. 196, 201, II, 226 e 227), estabelece o dever do Estado de promover ações e políticas sociais e econômicas para alcançar tais finalidades, inclusive por meio do Sistema de Seguridade Social, e que é obrigação da Seguridade Social custear a cobertura de sinistros, como no caso de eventos não previstos decorrentes da crise emergencial causada pela pandemia de covid-19, foi deferido o pedido do empregador, inclusive com a tutela de urgência requerida.

Como se vê, a criação de uma obrigação de afastamento das funções laborais presenciais, de acordo com o art. 1º da Lei 14.151/2021, gera muito mais do que apenas o ato de afastar a empregada gestante. Cria também um ônus, muitas vezes excessivo para o empregador. Diante dessa situação, a Justiça Federal tem se posicionado pela responsabilidade do Estado de custear os salários do período de afastamento, seja pelo adiantamento do salário-maternidade, nos termos do art. 394-A da CLT, ou mesmo pela compensação dos salários já pagos pelo empregador.

Para isso, é imprescindível que haja impossibilidade de a empregada gestante exercer suas atividades fora do ambiente presencial do empregador, devendo a empresa comprovar que a empregada gestante não pode trabalhar em sua residência, por meio de teletrabalho ou trabalho remoto ou por outra forma de trabalho à distância. Em caso de deferimento do pedido, o empregador não poderá exigir que o empregado preste a ele qualquer serviço, sob pena de configurar estelionato contra a Previdência Social (art. 171, §3° do Código Penal).[2]

 


[1] “Art. 394-A. Sem prejuízo de sua remuneração, nesta incluído o valor do adicional de insalubridade, a empregada deverá ser afastada de: I - atividades consideradas insalubres em grau máximo, enquanto durar a gestação;

II - atividades consideradas insalubres em grau médio ou mínimo, durante a gestação;

III - atividades consideradas insalubres em qualquer grau, durante a lactação.

  • 2o Cabe à empresa pagar o adicional de insalubridade à gestante ou à lactante, efetivando-se a compensação, observado o disposto no art. 248 da Constituição Federal, por ocasião do recolhimento das contribuições incidentes sobre a folha de salários e demais rendimentos pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço.
  • 3oQuando não for possível que a gestante ou a lactante afastada nos termos do caput deste artigo exerça suas atividades em local salubre na empresa, a hipótese será considerada como gravidez de risco e ensejará a percepção de salário-maternidade, nos termos da Lei no8.213, de 24 de julho de 1991, durante todo o período de afastamento.

[2] Art. 171 - Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:

Pena - reclusão, de um a cinco anos, e multa, de quinhentos mil réis a dez contos de réis.

(...)

  • 3º - A pena aumenta-se de um terço, se o crime é cometido em detrimento de entidade de direito público ou de instituto de economia popular, assistência social ou beneficência.