Publicamos ontem um artigo em que analisamos por que, em nossa opinião, a metodologia utilizada pelo Ministério do Trabalho (MTE) para a elaboração do relatório de transparência salarial não permite que a Lei de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios (Lei 14.611/23) alcance seu maior objetivo: assegurar a igualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens para a realização de trabalho de igual valor ou no exercício da mesma função.

No último dia 18 de setembro, o MTE publicou a Instrução Normativa (IN) GM/MTE 6 para regulamentar a implementação da Lei de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios, em complementação ao Decreto 11.795/23 e à Portaria MTE 3.714/23.

A instrução normativa dispõe sobre aspectos operacionais do relatório de transparência salarial, mantendo o que já vinha sendo praticado pelo MTE e pelas empresas, incluindo aspectos sobre a elaboração do relatório pelo MTE (e não pelas empresas), a prestação de informações complementares por meio de questionário de igualdade salarial, o formato, o conteúdo e a metodologia do relatório de transparência salarial e a divulgação do relatório pelas empresas.

Além disso, regulamentou em maiores detalhes a atuação da fiscalização da Lei de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios pelos auditores fiscais, bem como a implementação do Plano de Ação para Mitigação da Desigualdade Salarial com a participação de entidades sindicais e representantes dos empregados. Ao final deste artigo, detalhamos esses aspectos.

O principal ponto da instrução normativa é a manutenção do disposto pelo Decreto 11.795/23 e pela Portaria 3.714/23, ao estabelecer que o relatório continuará reunindo os empregados nos grandes grupos de ocupação da Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), o que gera comparações entre empregados não comparáveis, na medida em que:

  • os grandes grupos de ocupações reúnem posições, cargos, funções, atividades completamente diferentes entre si;
  • a CBO (e os seus grandes grupos) nunca foi considerada pela lei, nem utilizada pela Justiça do Trabalho, como parâmetro para análise de equiparação salarial entre pessoas (independentemente de gênero) ou de isonomia;
  • a CBO não prevê diferentes níveis de senioridade, o que impede a comparação objetiva entre comparáveis; e
  • a CBO não engloba todas as atividades/funções atualmente existentes.

Como já esclarecemos no passado, a utilização da CBO é excelente para fins estatísticos, mas não para alcançar o objetivo da Lei de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios.

Além disso, a metodologia de cálculo comparativo definida pela IN estabelece que a composição da remuneração comparável engloba verbas que independem de ações da empresa e de características pessoais, como valores pagos a título de comissões, horas extras, adicional noturno, de insalubridade e de periculosidade e gorjetas – o que pode distorcer o total da remuneração utilizada para fins de comparação.

A IN não divide pagamentos fixos e variáveis, o que também gera distorções não baseadas em discriminação. Da mesma forma, não há nenhuma regra de análise comparativa para empregados intermitentes, horistas ou empregados que trabalhem jornadas inferiores a 220 horas (base comparativa mensal e não horária), que podem ter remuneração maior ou menor a depender da quantidade de horas trabalhadas.

Diante desse contexto, entendemos que o MTE, mais uma vez, perdeu a oportunidade de aprimorar a metodologia utilizada para a elaboração dos relatórios de transparência salarial e, com isso, aprofundar, de forma efetiva, a busca da igualdade salarial entre mulheres e homens.

Destacamos abaixo os principais aspectos trazidos pela IN, além dos expostos acima:

  • Atuação da fiscalização do MTE e observância dos requisitos para equiparação salarial previstos pelo artigo 461 da CLT: até então, apesar de a Lei de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios fazer menção expressa ao artigo 461 da CLT, o Decreto 11.795/23, a Portaria 3.714/23 e os relatórios disponibilizados pelo MTE às empresas em março/2024 não deixavam claro como os requisitos para equiparação salarial previstos pelo artigo 461 da CLT seriam considerados pelo MTE no âmbito de fiscalizações sobre o tema.

    Com a IN, está claro que, caso as empresas consigam demonstrar que as divergências salariais apontadas pelo relatório podem ser explicadas a partir da aplicação do artigo 461 da CLT, o MTE não concluirá que há diferença salarial injustificada entre mulheres e homens (artigo 19, parágrafo único, da IN). Esse ponto traz grande segurança jurídica às empresas, pois, com isso, os auditores do MTE não deveriam autuar as empresas por violações à Lei de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios.
  • Anonimização de dados e observância da LGPD: uma das principais preocupações das empresas com o advento da Lei de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios era a publicização de dados/informações que permitissem a identificação de empregados e suas remunerações.

    Apesar da ausência de regulamentação, o relatório de março já havia tratado corretamente dessa preocupação do ponto de vista prático. A IN, neste momento, regulamenta a prática que já havia sido adotada pelo MTE, trazendo segurança jurídica às empresas.
  • Metodologia de cálculo/comparação: até a publicação do primeiro relatório – e mesmo após a sua disponibilização pelo MTE – a metodologia e os parâmetros utilizados pelo MTE para a elaboração da análise comparativa de critérios remuneratórios não eram regulamentados. O Anexo da IN, neste momento, regulamenta a prática que já havia sido adotada pelo MTE, trazendo segurança jurídica às empresas.
  • Possibilidade de publicação de notas explicativas: a IN reconhece expressamente a possibilidade de publicação de notas explicativas com informações complementares pelas empresas, para que elas possam esclarecer eventuais divergências.

    Dessa forma, o MTE reconhece que o relatório, por si só, não é suficiente para concluir a existência ou não de discriminação de gênero e permite às empresas trazerem esse contexto e a sua realidade individual, protegendo-se, inclusive, de interpretações equivocadas.
  • Plano de Ação para Mitigação da Desigualdade Salarial: ao longo da fiscalização, caso o auditor fiscal entenda que não há justificativas para as diferenças salariais com base no artigo 461 da CLT, o auditor fiscal do trabalho notificará a empresa para apresentação do Plano de Ação para Mitigação da Desigualdade Salarial em até 90 dias.

    O formato do Plano de Ação para Mitigação da Desigualdade Salarial será de livre escolha das empresas, mas deve ser garantida a participação de representantes das entidades sindicais e dos empregados nos locais de trabalho, como medidas de transparência e inclusão efetivas.

    Apesar disso, caso a empresa verifique internamente diferença salarial entre mulheres e homens, deverá elaborar, implementar e executar medidas para mitigação da desigualdade salarial independentemente da atuação da Auditoria-Fiscal do Trabalho.

Antes da IN, foi expedida em 3 de setembro intimação eletrônica para a União sobre a decisão do TRF da 6ª Região (TRF-6), que suspendeu, novamente, a obrigatoriedade da publicação dos relatórios. A decisão foi proferida nos autos do Agravo de Instrumento 6002221-05.2024.4.06.0000/MG. Em razão disso, as empresas, não precisam publicar o relatório fornecido pelo MTE, enquanto a decisão suspensiva permanecer em vigor.

A decisão é aplicável para todas as empresas no Brasil. No entanto, como ela ainda não transitou em julgado, poderá ser objeto de recurso da União. Caso isso ocorra e eventual recurso seja admitido e julgado procedente, o cenário atual poderá sofrer mudanças.