A aguardada regulamentação do relatório de transparência salarial e dos critérios remuneratórios, publicada em 27 de novembro pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) por meio da Portaria MTE 3.714/23, trouxe como principais inovações:

  • a definição de que caberá ao MTE a responsabilidade de elaborar o relatório de transparência salarial, com base em informações do eSocial e informações complementares a serem prestadas pelas empresas; e
  • as empresas deverão dar publicidade ao relatório de transparência salarial elaborado pelo MTE, divulgando o documento em seus sites, em suas redes sociais ou em instrumentos similares, sempre em local visível, e garantindo a ampla divulgação para seus empregados, trabalhadores e público em geral.

Apesar de a regulamentação descrever os dados que serão utilizados pelo MTE, ela não estabelece qual será a metodologia utilizada para a elaboração do relatório de transparência salarial nem que informações serão efetivamente incluídas pelo ministério no relatório.

Esse cenário de incerteza expõe as empresas a danos irreparáveis relacionados à concorrência, à divulgação de dados pessoais e à indicação de diferenças salariais inexistentes que podem atingir a sua imagem e reputação institucional.

Diante disso, preparamos um guia com perguntas de respostas e um passo a passo para ajudar os departamentos jurídico e de RH das empresas a enfrentar esses desafios.

Guia de perguntas e respostas

  1. Qual será a base de comparação? O Ministério do Trabalho e Emprego poderá utilizar o nome do cargo ou a Classificação Brasileira de Ocupações (CBO) para comparar os salários?

De acordo com a regulamentação, o MTE extrairá dados dos cargos ou das CBOs já declarados no eSocial, para verificar a equidade salarial e os critérios remuneratórios e emitir o relatório de transparência salarial.

  1. O cargo ou a CBO é suficiente para comparar salários entre homens e mulheres?

Não. Pela Lei 14.611/23, a igualdade salarial entre mulheres e homens é pautada pelos requisitos do artigo 461 da Consolidação das Leis do Trabalho, o que inclui, entre outros, função idêntica, produtividade e perfeição técnica.

A simples nomenclatura do cargo, portanto, não é suficiente. A Justiça do Trabalho já tem esse entendimento consolidado há décadas. O assistente de uma empresa, por exemplo, pode exercer atividades administrativas, financeiras, jurídicas ou operacionais. Nenhum dos cargos, apesar da nomenclatura “assistente”, tem função idêntica ou exerce um trabalho com o mesmo valor. O cargo, por si só, não permite fazer uma comparação adequada.

O mesmo raciocínio se aplica aos casos em que for utilizada a CBO. Às vezes, aplica-se a descrição constante na CBO que mais se aproxima das atividades realizadas, mas que pode abranger atividades diferentes desenvolvidas por diferentes cargos – que não refletem, de forma alguma, função idêntica ou um trabalho com o mesmo valor. Além disso, é preciso  mencionar que a Portaria MTE 397/02 determinou que a CBO fosse adotada para finalidades específicas. Não há qualquer previsão legal de utilizar a CBO para fins de equiparação salarial.

  1. O que acontecerá se forem utilizados apenas o nome do cargo ou a CBO para a elaboração do relatório de transparência salarial?

Provavelmente, serão identificadas diferenças salariais com base em empregados que, na verdade, não são comparáveis. Essas distorções poderão ser interpretadas pelas autoridades (e pelo público em geral) como discriminação de gênero.

  1. Se forem identificadas diferenças salariais com base no cargo ou na CBO, a empresa pode ser notificada para implementar um plano de ação?

Sim. Por isso, as empresas devem:

  • revisar todos os dados enviados por meio do eSocial e que serão utilizados como fonte de informação na elaboração do relatório de transparência salarial, para minimizar a possibilidade de distorção de dados e inconsistências; e
  • revisar detalhadamente o relatório de transparência salarial emitido pelo Ministério do Trabalho e Emprego e se preparar para questionar, inclusive judicialmente, resultados inconsistentes decorrentes da metodologia utilizada.
  1. As empresas deverão dar publicidade ao relatório de transparência salarial se esse documento apontar diferenças salariais em decorrência da metodologia utilizada pelo Ministério do Trabalho e Emprego?

Apesar de a regulamentação estabelecer que sim, entendemos que as empresas poderão buscar medidas judiciais garantindo o direito de não publicar um relatório de transparência salarial que não reflita a realidade das informações e, consequentemente, possa afetar a reputação e imagem institucional da empresa.

Por esse motivo, as empresas deverão analisar detalhadamente os relatórios elaborados pelo Ministério do Trabalho e Emprego e se certificar de que não há qualquer inconsistência decorrente da utilização de metodologia equivocada.

  1. O relatório de transparência salarial divulgará a remuneração dos empregados?

A legislação estabelece que os dados deverão ser anonimizados e que a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) deverá ser observada. Entretanto, como não há qualquer disposição expressa sobre a forma como as informações serão divulgadas no documento a ser emitido pelo MTE, não podemos descartar a possibilidade de o relatório divulgar a remuneração dos empregados.

Considerando que, em diversos casos, é possível identificar o salário de determinado profissional mesmo que não seja divulgado o seu nome, a elaboração do relatório de transparência salarial contendo números absolutos de salário e remuneração poderia ser interpretada como afronta à LGPD. Além disso, a divulgação de informações confidenciais das empresas também poderia gerar danos concorrenciais.

Caso o relatório de transparência salarial seja emitido com números absolutos de salário e remuneração mensal, seria possível entrar com medidas judiciais para garantir o direito de não publicar o relatório de transparência salarial.

Passo a passo para os departamentos jurídico e de RH:

A adoção das medidas abaixo relacionadas pelos departamentos jurídico e de RH permitirá que as empresas consigam questionar juridicamente eventuais inconsistências presentes no relatório de transparência salarial preparado pelo Ministério do Trabalho e Emprego:

  1. Analise os dados inseridos no eSocial sobre cargos e a CBO e identifique se há necessidade de ajustes que possam minimizar o risco de indicação de diferenças salariais inconsistentes, que não refletem a realidade.
  2. Analise os valores dos salários e remuneração por cargos e CBO, antecipando eventuais diferenças salariais que possam ser apontadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego.
  3. Busque justificativas jurídicas para as diferenças salariais que o Ministério do Trabalho e Emprego possa vir a apontar, analisando se, do ponto de vista jurídico, as justificativas são robustas o suficiente para explicar o pagamento diferenciado.
  4. Analise se, juridicamente, há necessidade de formalizar, por meio de políticas ou programas, os pagamentos de remuneração variável e fortaleça as justificativas diretamente relacionadas à performance
  5. Analise, do ponto de vista jurídico, o sistema de avaliação de performance individual, para garantir que os formulários de avaliação estejam consistentes e fortalecer as justificativas diretamente relacionadas à performance individual.
  6. Após o Ministério do Trabalho e Emprego enviar o relatório de transparência salarial, analise as diferenças salariais apontadas, para verificar se as discrepâncias estão – ou não – de acordo com os parâmetros legais.
  7. Avalie medidas judiciais cabíveis que garantam à empresa a possibilidade de não publicar o relatório de transparência salarial enquanto não forem sanados os erros e as inconsistências, além da não obrigatoriedade de implementar um plano de ação, sob pena de sofrer danos irreparáveis à sua imagem e reputação.