Quando a Lei de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios (Lei 14.611/23) foi publicada, houve grande expectativa sobre os efeitos positivos que ela geraria para tornar a sociedade mais equitativa em relação a gênero. Esperava-se que a nova norma ajudasse a reduzir a conhecida discrepância de remuneração entre homens e mulheres no Brasil.

Grandes empresas que vinham levantando essa bandeira receberam a nova lei com entusiasmo: empresas com boas práticas seriam reconhecidas e empresas com más práticas ficariam expostas e precisariam se ajustar. A nova lei forçaria o walk the talk, ou seja, agir de acordo com o próprio discurso.

Pelos calendários da Lei de Transparência Salarial e de Critérios Remuneratórios e do Decreto 11.795/23, que a regulamentou, após enviar informações complementares no Portal Emprega Brasil (o que deveria ter sido feito até 30 de agosto), as empresas terão até 30 de setembro para publicar o 2º Relatório de Transparência Salarial elaborado pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).

Com a proximidade dessa data, cabe refletir: o Relatório de Transparência Salarial está cumprindo sua finalidade? A regulamentação do MTE não estaria impedindo que o relatório alcance plenamente seu objetivo?

Ao ser criada, a Lei de Transparência Salarial pressupunha que a elaboração e publicação de relatórios de transparência salarial pelas empresas permitiria comparar salários, remuneração e proporção de cargos de gestão ocupados por mulheres e homens. Os relatórios viriam acompanhados de informações que poderiam fornecer dados estatísticos sobre outras possíveis desigualdades relacionadas à raça, etnia, nacionalidade e idade.

O Relatório de Transparência Salarial deveria ser um marco importante. Com ele, as empresas poderiam demonstrar que buscam efetivamente reduzir e eliminar a discriminação de gênero e disparidades salariais entre homens e mulheres. O propósito da Lei de Transparência Salarial, porém, foi significativamente impactado pela forma como o MTE implementou as disposições da norma.

Ao decidir que o próprio MTE elaboraria os relatórios por meio da comparação entre salários e critérios de remuneração entre homens e mulheres com base nos grupos gerais da Classificação Brasileira de Ocupações (CBO), o Relatório de Transparência Salarial perdeu o seu propósito, já que a metodologia gera distorções nos resultados, ao agrupar empregados que realizam atividades completamente diferentes nos mesmos grupos gerais da CBO.

Tanto é assim que a importância dos resultados do Relatório de Transparência Salarial do primeiro semestre de 2024 foi muito menor do que o esperado, devido à regulamentação inadequada da Lei 14.611/23. A iniciativa não surtiu grande impacto nem do ponto de vista jurídico nem em relação à exposição de imagem.

O Relatório de Transparência Salarial contribuiu apenas para divulgar dados estatísticos em geral. Não houve um aprofundamento do tema que permitisse ao MTE ter parâmetros concretos para fiscalizar as empresas e aplicar as penalidades administrativas cabíveis. Para alcançar esse objetivo, o MTE sequer precisaria de uma nova lei. Bastaria consolidar e publicar as informações que ele recebe no eSocial.

No âmbito privado, os dados obtidos com o Relatório de Transparência Salarial do primeiro semestre de 2024 não agregaram valor às empresas. Na sua maioria, elas não precisaram implementar ajustes para cumprir a Lei de Transparência Salarial.

Além das inconsistências na metodologia, houve ainda a decisão do TRF da 6ª Região (TRF-6), que suspendeu, novamente, a obrigatoriedade da publicação dos relatórios – decisão proferida nos autos do Agravo de Instrumento 6002221-05.2024.4.06.0000/MG. As empresas, portanto, não precisam publicar o relatório fornecido pelo MTE, enquanto a decisão suspensiva permanecer em vigor.

Apesar de ter cogitado alterar o formato do Relatório de Transparência Salarial, o MTE manterá para o segundo semestre o mesmo modelo utilizado no primeiro semestre de 2024. Isso significa que o MTE continuará adotando critérios e métricas para comparar salário e remuneração de empregados que desenvolvem atividades diferentes – e que, portanto, não são comparáveis.

Em março, com o primeiro relatório, perdemos a oportunidade de construir um ambiente jurídico que de fato contribui para promover a igualdade salarial entre homens e mulheres. Em setembro, com o segundo relatório, a história se repetirá.

Fica a dúvida: até quando vamos continuar a perder oportunidades, insistindo em comparar o incomparável e publicando relatórios que não contribuem para aprofundar a discussão?