Desde dezembro de 2019, fala-se sobre o avanço do coronavírus. Os países mais afetados inicialmente foram os primeiros a sentir o golpe no setor aéreo devido ao cancelamento de voos e ao fechamento de espaços aéreos e fronteiras. Rapidamente a situação se alastrou e, em efeito cascata, levou a um cenário de calamidade para esse mercado em escala mundial. Sem dúvida, as empresas aéreas vivem a pior crise da sua história – mais grave, abrangente e longeva do que as provocadas pelo 11 de setembro e pela recessão financeira de 2008.

No cenário doméstico, não teria como ser diferente. O aumento da cotação do dólar, que por si só já eleva os custos fixos operacionais do setor, veio combinado com uma queda exponencial rápida na demanda de voos de todas as companhias aéreas e na movimentação de passageiros nos terminais aeroportuários. Resultado: as companhias aéreas foram forçadas a cancelar inúmeros voos, remanejar passageiros e deixar suas aeronaves no chão.

Visando reduzir as consequências perniciosas da pandemia de covid-19 para o mercado aéreo, que podem inclusive culminar na insolvência das empresas do setor, mais que nunca será necessário contar com governos e outros stakeholders para apoiar a sobrevivência e o reerguimento do setor.

Em 18 de março, o governo federal publicou a Medida Provisória nº 925/20, que dispõe sobre medidas emergenciais para a aviação civil brasileira devido à pandemia de covid-19. Entre elas, destacam-se: (i) a extensão do prazo para pagamento das contribuições fixas e variáveis nos contratos de concessão de aeroportos até 18 de dezembro de 2020; e (ii) o estabelecimento do prazo de 12 meses para o reembolso do valor correspondentes à compra de passagens aéreas – os consumidores ficam isentos de penalidades contratuais caso aceitem o crédito para utilização da passagem em 12 meses.

As medidas são relevantes para aliviar o caixa das companhias aéreas no curto prazo, pois estendem o prazo de pagamento de taxas aeroportuárias e indenizações pelos voos cancelados, mas não parecem ser suficientes diante da gravidade da situação e da indefinição sobre o retorno da operação regular do setor.

Considerando que o setor aéreo é complexo, envolve diversos atores – financiadores, arrendadores, fabricantes, linhas aéreas, consumidores, operadores aeroportuários – e sofre as consequências da volatilidade do preço do petróleo e do valor do dólar, outras iniciativas provavelmente deverão ser adotadas para que o setor sobreviva a esse período de crise.

Por se tratar de uma das indústrias com maiores custos e menores margens do mundo, é possível antecipar que haverá impacto nos leasings e financiamentos de aeronaves e será necessário renegociar termos e condições de tais operações. Além disso, muito provavelmente o governo federal deverá intervir e prestar assistência às empresas aéreas, tanto no financiamento e na facilitação de crédito como na concessão de benefícios fiscais e até mesmo uma possível redução nas tarifas aeroportuárias aplicáveis.

Nos próximos meses, é provável que a cláusula de caso fortuito e força maior de contratos de financiamento e leasing de aeronaves seja acionada e os termos de tais documentos tenham que ser renegociados.

É uma situação global inédita, que exigirá um esforço conjunto de acionistas, empresas aéreas, financiadores, consumidores e operadores aeroportuários, para assegurar a continuidade da prestação de um serviço público tão relevante para a redução de distâncias na sociedade atual e para o desenvolvimento de diversas atividades, como turismo, medicina, transporte de cargas e pessoas, entre outras.

É de se louvar, portanto, o anúncio de linhas de crédito emergencial para o setor pelo BNDES, feito em 22 de março. Esse tipo de ação, concreta e ágil, pode ser o fiel da balança entre a sobrevivência e o desaparecimento das empresas no Brasil.

Medidas similares estão sendo adotadas em outras partes do mundo, com base em uma visão compartilhada de que a crise é grave, mas as atividades econômicas globais acabarão voltando à normalidade e o transporte aéreo será mais uma vez essencial, como sempre. Os tempos de forte turbulência devem ser atravessados mirando céus limpos em um futuro não tão distante.