A Câmara dos Deputados aprovou em 8 de julho a nova redação da Medida Provisória nº 925/20 (MP 925), que estabelece as medidas emergenciais para o setor aéreo brasileiro em razão da pandemia de covid-19.
Inicialmente publicada em 18 de março deste ano, a redação original previa a possibilidade de prorrogação do prazo para pagamento das contribuições fixas e variáveis devidas pelos concessionários de aeroportos e estabelecia período de 12 meses para reembolso dos valores relativos à compra de passagens aéreas. A MP 925 foi a primeira reação do governo federal para tentar prevenir um colapso do mercado aéreo nacional, praticamente paralisado em decorrência das restrições de movimentação impostas para conter a disseminação do coronavírus.
Com validade prestes a se esgotar, a MP foi aprovada pela Câmara com algumas inclusões importantes e aguarda sanção presidencial até 5 de agosto. Caso a redação final de relatoria do deputado Arthur Oliveira Maia seja aprovada sem alterações, as disposições a seguir serão convertidas em lei federal.
Contribuições fixas e variáveis
Os valores devidos pelas concessionárias aeroportuárias a título de contribuições fixas e variáveis e com vencimento este ano poderão ser pagas até 18 de dezembro de 2020, com as devidas atualizações calculadas com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC). O mero adiamento do pagamento das contribuições não dará ensejo ao reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos por parte do governo federal.
Reembolso de passagens aéreas
Os reembolsos devidos em razão do cancelamento de voos entre 19 de março e 31 de dezembro de 2020 poderão ser realizados pelas companhias aéreas em até 12 meses contados da data do voo cancelado. É permitida a substituição do reembolso pela concessão de crédito ao consumidor em valor igual ou superior ao da passagem cancelada. O crédito terá validade de 18 meses e poderá ser utilizado pelo próprio consumidor ou por terceiro na aquisição de produtos ou serviços oferecidos pela companhia.
Sempre que possível, as companhias deverão oferecer a possibilidade (i) de reacomodação em voo próprio ou operado por outra empresa ou (ii) de remarcação da passagem com as mesmas condições aplicáveis à passagem originalmente contratada e sem custos adicionais. Também será permitido aos consumidores optar (i) por crédito no valor correspondente ao da passagem, sem que sejam aplicadas quaisquer penalidades, ou (ii) pela desistência do voo, hipótese em que deverá ser efetuado o reembolso no prazo de 12 meses, aplicadas as eventuais penalidades contratuais. Nesse caso, se a desistência se referir a passagem adquirida com antecedência igual ou superior a sete dias em relação à data de embarque, e se ela for feita no prazo de até 24 horas contados do recebimento do bilhete, não serão aplicadas as penalidades.
Alterações ao Código Brasileiro de Aeronáutica – responsabilidade por dano a passageiros e cargas
A nova redação traz propostas de alteração ao Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA – Lei nº 7.565/86) que não estavam contempladas no texto original da MP 925. Foi sugerida a criação de um novo artigo (251-A) prevendo que a indenização por dano extrapatrimonial decorrente de falha na execução do contrato estará condicionada à demonstração pelo passageiro (ou expedidor/destinatário da carga) da efetiva ocorrência do prejuízo. Caso a proposta não seja vetada pelo presidente da República ou modificada pelo Senado, os pedidos de indenização em razão de danos não patrimoniais estarão sujeitos à comprovação da sua real existência.
O texto pretende também alterar a regra que trata da responsabilidade do transportador nos casos em que os atrasos ocorrerem por motivo de força maior ou determinação da autoridade aeronáutica. A nova redação prevê que o transportador só não será responsável pelos danos decorrentes dos atrasos se comprovar que, por motivo de caso fortuito ou força maior, foi impossível adotar as medidas adequadas e necessárias. O requisito de comprovação de impossibilidade de adoção das medidas não existe na atual redação do CBA.
Um novo parágrafo está sendo proposto para definir como casos fortuitos ou força maior (i) as restrições de pouso e decolagem decorrentes de condições meteorológicas, indisponibilidade da infraestrutura aeroportuária, determinação das autoridades de aviação civil ou outras autoridades da administração pública; ou (ii) a decretação de pandemia ou publicação de atos de governo em razão de pandemia.
O inciso I do artigo 264 do CBA também poderá sofrer alterações. A versão atual isenta o transportador da responsabilidade por danos à carga quando este comprovar que o atraso foi causado por determinação da autoridade aeronáutica ou por fatos cujos efeitos não era possível prever, evitar ou impedir. A sugestão da Câmara é que tal isenção só ocorra na hipótese de existência dos eventos de caso fortuito ou força maior destacados no parágrafo anterior.
Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) de aeronautas e aeroviários
Atendendo a um pedido formulado pela Caixa Econômica Federal, os deputados inseriram dispositivo prevendo que os aeronautas e aeroviários com conta vinculada ao FGTS e que tiverem a suspensão total ou redução do salário em decorrência da pandemia terão direito ao saque dos recursos, até o limite do saldo existente na conta, em seis parcelas de: (i) R$ 3.135,00, nos casos de suspensão total do salário, ou (ii) R$ 1.045,00.
Fundo Nacional de Aviação Civil (FNAC)
Outra novidade é a proposta de alteração da Lei nº 12.462/11, que dispõe sobre a criação do FNAC. A nova redação prevê que os recursos do fundo também poderão ser aplicados no (i) desenvolvimento, ampliação e reestruturação de aeroportos concedidos, desde que os investimentos não constituam obrigação dos concessionários; (ii) custeio de eventuais despesas decorrentes de responsabilidade civil perante terceiros, na hipótese de ocorrência de danos provocados por atos de guerra ou por eventos correlatos contra aeronaves de matrícula brasileira operadas por companhias aéreas.
A maior novidade, no entanto, está na possibilidade de utilização dos recursos como garantia de empréstimos tomados até 31 de dezembro de 2020 por concessionárias aeroportuárias, prestadores de serviço regular de transporte aéreo e prestadores de serviços auxiliares ao transporte aéreo que comprovarem prejuízos decorrentes da pandemia.
Uma medida inicialmente simples e de caráter emergencial ganhou corpo com as alterações propostas pela Câmara dos Deputados. A crise sanitária provocada pela covid-19 causou mudanças significativas no mercado aeronáutico mundial, afetando relações de trabalho, modelos de negócios de companhias e relações comerciais. De todas as possíveis alterações a serem implementadas caso a MP 925 seja convertida em lei, a mais promissora é a nova regra de aplicação dos recursos do FNAC. A permissão para que sejam utilizados como garantia é um aceno positivo ao mercado e pode ser crucial para a sobrevivência de algumas empresas do setor. O acesso ao crédito certamente será menos custoso se os bancos e investidores tiverem seus recursos garantidos por um fundo bilionário.
A MP 925 já foi encaminhada ao Senado e aguarda aprovação para que seja convertida em lei. A única certeza em meio ao caos é que a aviação ainda passará por algumas turbulências.
*informações atualizadas em 20 de julho de 2020.