A mediação e a conciliação são meios de solução de conflitos alternativos à tradicional jurisdição estatal ou arbitral que envolvem um terceiro que atuará, no caso da mediação, para facilitar o diálogo e a composição entre as partes e, na hipótese da conciliação, de maneira mais ativa, sugerindo alternativas e intermediando as conversas. Em ambos os casos, os processos dependem da concordância e disposição das partes. Além do requisito legal de submissão voluntária, o sucesso desses mecanismos certamente depende da disposição e do interesse das partes em se submeterem a eles.

O Código de Processo Civil de 2015 (CPC) positivou os institutos para fomentar a sua utilização, tanto com vistas à melhor pacificação social quanto para desafogar a justiça estatal, tão sobrecarregada com o volume de ações. Nesse sentido, os §§2° e 3° do art. 165 do CPC genericamente definiram que o conciliador atua nos casos em que inexiste vínculo anterior, auxiliando na compreensão das questões e interesses em disputa. Já o mediador atua nos casos em que existe vínculo anterior entre as partes, buscando facilitar a comunicação para que se identifiquem soluções consensuais.

Ainda em 2015, a Lei 13.140 tratou especificamente da mediação e seu papel na solução de controvérsias, prevendo como princípios gerais da sua prática a imparcialidade do mediador (o que, diga-se de passagem, impediria a atuação do administrador judicial como mediador), a isonomia entre as partes, a oralidade e informalidade, a autonomia de vontade das partes, a confidencialidade e a boa-fé.

A utilização da mediação e conciliação nos processos recuperacionais enfrentou, em um primeiro momento, alguma resistência, tendo em vista o volume de disposições legais cogentes que envolvem o processo e não podem ser afastadas pelas partes. De outro lado, é inegável que o procedimento de recuperação não deixa de ser uma grande negociação, com distribuição de ônus entre credores e devedores, e que pode se beneficiar de um sistema multiportas de solução de conflitos.

Antes da reforma da Lei 11.101/05 promovida pela Lei 14.112/20, o tema já havia surgido em algumas instâncias. O Enunciado 45 da I Jornada de Prevenção e Solução Extrajudicial de Litígios do Conselho da Justiça Federal (CJF), de 2016, previu que “a mediação e conciliação são compatíveis com a recuperação judicial, a extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, bem como em casos de superendividamento, observadas as restrições legais”.

Em 2019, a Recomendação 58/19 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) propôs aos magistrados “o uso da mediação, de forma a auxiliar a resolução de todo e qualquer conflito entre o empresário/sociedade, em recuperação ou falidos, e seus credores, fornecedores, sócios, acionistas e terceiros interessados no processo”. Mais especificamente, a recomendação fala da utilização da mediação nos seguintes casos:

  • incidentes de verificação de crédito;
  • auxílio à negociação de um plano de recuperação judicial;
  • definição da necessidade de consolidação substancial;
  • solução de disputas entre os sócios/acionistas do devedor, entre concessionárias/permissionárias de serviços públicos e órgãos reguladores; e
  • situações que envolvam credores não sujeitos à recuperação.

Em 2020, o Tribunal de Justiça de São Paulo passou a oferecer dois tipos de mediação empresarial para amenizar a crise judiciária e os efeitos da pandemia de covid-19: uma para empresários e sociedades empresárias, em relação a conflitos decorrentes de pandemia, nos termos do Provimento CG 11/20, e outra para disputas relacionadas à recuperação judicial e falências, nos termos do Provimento CG 19/20.

Posteriormente, a ampla reforma da Lei de Recuperação e Falência de 2020 positivou expressamente a possibilidade de utilização da conciliação e mediação em tais processos, inserindo os arts. 20-A a 20-D na Lei 11.101/05. A mudança foi motivada para conferir maior celeridade aos processos recuperacionais e de falência, contribuindo para desafogar o sistema judiciário que, desde 2004, segundo dados do CNJ, recebe mais processos do que é capaz de finalizar, gerando uma taxa de congestionamento alta.[1]

Em resumo, a lei positivou a possibilidade de utilização da mediação e conciliação em todos os graus de jurisdição. Elas podem ser realizadas em caráter antecedente ou incidental aos processos de recuperação, não suspendendo os prazos. Com isso, o diploma legal específico da recuperação e falência reforçou o já disposto no art. 3º, §3°, do CPC e trouxe maior clareza quanto à utilização da conciliação e mediação para os profissionais relacionados, incluindo administradores judiciais, empresas em crise, credores e juízes.

A lei listou ainda um rol entendido como exemplificativo de matérias nas quais a conciliação e a mediação poderiam ser utilizadas, incluindo, além de parte das hipóteses previstas pelo CNJ, os casos de existência de créditos extraconcursais contra empresas em recuperação durante vigência de estado de calamidade pública para assegurar a continuidade da prestação de serviços essenciais. A despeito da lista, é importante destacar que o legislador não indicou expressamente a negociação coletiva do plano como uma das hipóteses.

No caso de negociação entre a empresa em dificuldade e seus credores em caráter antecedente, caso a empresa preencha os requisitos para pedir recuperação, ela poderá pleitear tutela de urgência cautelar suspendendo as execuções pelo prazo de 60 dias para viabilizar a tentativa de composição em procedimento instaurado perante o Cejusc (Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania) do tribunal competente ou câmara especializada. Caso venha a ser ajuizado pedido de recuperação judicial ou extrajudicial, o prazo de 60 dias será deduzido do stay period legal.

Além disso, caso venha a ser distribuído pedido de recuperação judicial ou extrajudicial em até 360 dias contados do acordo firmado na conciliação ou mediação pré-processual, o credor será restituído à sua posição com os direitos e garantias nas condições originalmente contratadas, deduzidos os valores que tenham sido pagos após a composição.

A lei proibiu a conciliação e a mediação de versarem sobre a natureza e a classificação dos créditos e critérios de votação em assembleias gerais de credores. A vedação tem por objetivo proteger os interesses dos demais credores, evitando maior oneração do patrimônio do devedor.

Caso os processos de conciliação e mediação sejam bem-sucedidos, o acordo obtido deverá ser homologado pelo juiz competente.

Os casos práticos mostram que a utilização da mediação e conciliação em processos recuperacionais – mesmo antes da reforma da lei – podem ser bastante frutíferos. Exemplo disso foi a primeira utilização no caso da recuperação judicial da Oi,[2] que viabilizou a celebração de mais de 55 mil acordos envolvendo mais de R$ 3 bilhões. Outro caso paradigmático foi não da recuperação judicial da Saraiva.[3] Instaurada de forma preventiva em duas fases, até a apresentação do plano e até a assembleia geral de credores, ela viabilizou o ajuste do plano e sua melhor adequação aos interesses de credores e da recuperanda.

Vale mencionar também que o art. 20-D permitiu a realização de sessões de mediação ou conciliação por meios virtuais.

Mesmo com a recomendação do CNJ e a reforma da lei, é preciso que a conciliação e a mediação respeitem o limite das normas cogentes presentes nos processos recuperacionais para, por exemplo, não violarem o princípio da pars conditio creditorum. Observados esses limites, certamente a mediação e a conciliação em muito poderão ajudar os processos recuperacionais a fim de torná-los mais eficientes, modernos e efetivos, como já demonstrado em diversos casos concretos.

 


[1] Dados dos relatórios Justiça em Números do CNJ. Disponível em https://paineis.cnj.jus.br/QvAJAXZfc/opendoc.htm?document=qvw_l%2FPainelCNJ.qvw&host=QVS%40neodimio03&anonymous=true&sheet=shResumoDespFT, acesso em 02/10/2021.

[2] TJRJ, Processo 0203711-65.2016.8.19.0001, Dr. Fernando Cesar Ferreira Viana, 7ª Vara Empresarial.

[3] TJSP, Processo 1119642-14.2018.8.26.0100, Dr. Paulo Furtado de Oliveira Filho, 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais da Comarca da Capital.