O agronegócio é uma das atividades mais importantes da economia brasileira, representando aproximadamente 24,4% do PIB, como divulgado pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Entretanto, de acordo com dados fornecidos pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), até 2030, cerca de 40% dos produtores rurais encerrarão suas atividades.
O dado nos faz refletir por que, em pouco mais de cinco anos, tantos produtores sairão do mercado em um país onde a produção agropecuária tem um papel tão relevante na economia.
Um dos fatores determinantes pode ser a ausência de planejamento patrimonial e sucessório das famílias envolvidas com o agronegócio – uma atividade tipicamente familiar. A falta de um controle empresarial efetivo pode ser outra causa.
Os produtores rurais que desejam que seu negócio se perpetue ao longo de gerações devem, portanto, considerar os benefícios de fazer um bom planejamento, capaz de preparar seus sucessores não apenas para os desafios da vida no campo, como também para conduzir a gestão de seu empreendimento.
Essa segunda tarefa pode envolver diversas e complexas estruturas econômicas, financeiras e jurídicas necessárias para obter recursos/financiamentos, regular as relações contratuais entre os diversos atores do setor, escoar a produção e até estruturar negócios em entes jurídicos, como sociedades e fundos.
Para além da profissionalização das atividades voltadas ao desenvolvimento dos cultivos e/ou criação de animais, é necessário estimular a cultura de gestão empresarial e aprimorar internamente conceitos básicos que permitam a manutenção do patrimônio.
O planejamento patrimonial e sucessório e a assessoria jurídica full service atenta às novidades legislativas, regulatórias e jurisprudenciais podem ser soluções para o desenvolvimento saudável e a perpetuação do negócio.
Nesse sentido, estruturar a atividade rural por pessoa física com registro na junta comercial ou por meio de pessoas jurídicas podem ser ferramentas para administrar negócios familiares.
A pessoa jurídica, ou holding, é um importante instrumento de gestão e sucessão do patrimônio familiar, que permite a implementação de regras de governança corporativa e familiar. Essa governança tem entre seus objetivos:
- profissionalizar os atos gerenciais;
- trazer clareza e transparência sobre os papéis de cada membro da família nos negócios;
- dissociar propriedade de gestão;
- diferenciar interesses pessoais e particulares dos interesses da empresa;
- segregar patrimônio familiar do patrimônio empresarial;
- definir instâncias de tomada de decisões;
- criar mecanismos de solução de impasses;
- mitigar possibilidade de conflitos familiares.
É necessário contar com uma assessoria jurídica em todos os ramos do direito e ter uma visão global de como atuar no agronegócio, especialmente considerando as recentes novidades trazidas por normas como a Lei do Agro, o Marco Legal das Garantias, a Lei 14.112/20 – que alterou a Lei de Recuperação e Falência (LRF) – e as novas regras tributárias.
Mesmo empresas/empresários rurais devidamente estruturados, com sólido planejamento sucessório e, especialmente, aqueles envolvidos com exportação de commodities em grande escala, precisam considerar o risco decorrente de operar em um ramo diretamente impactado por variações mercantis, socioeconômicas e, sobretudo, climáticas.
É de extrema importância que – como todo empresário – além de ter uma estruturação financeira e sucessória para a sua operação, o operador da atividade rural esteja preparado para as adversidades que sua atividade impõe.
Questões que podem levar à necessidade de reestruturar a dívida com os principais credores, obter crédito no mercado pelos mais variados meios, vender ativos para gerar liquidez ou até mesmo pedir recuperação judicial ou recuperação extrajudicial.
A forma como lidar com a crise deve ser muito bem avaliada. O empresário em dificuldade econômico-financeira não pode achar que a única e melhor saída é utilizar a mudança trazida pela Lei 14.122/20, por meio da inserção dos parágrafos 2º a 5º no artigo 48 na LRF. Entre outros pontos, a alteração permitiu a utilização da recuperação judicial pelo produtor rural pessoa natural com registro na junta comercial.
O produtor rural precisa considerar que as alterações legislativas, em sua grande maioria, criaram hipóteses específicas de créditos não sujeitos à recuperação judicial (chamados também de créditos extraconcursais) no contexto do agronegócio, como:
- créditos que não decorram exclusivamente da atividade rural (artigo 49, parágrafo 6º, da LRF);
- crédito rural objeto de renegociação prévia (artigo 49, parágrafos 7º e 8º, da LRF);
- créditos oriundos da aquisição de propriedades rurais nos três anos anteriores ao ajuizamento da recuperação judicial (artigo 49, parágrafo 9º, da LRF);
- créditos e garantias decorrentes de cédula de produto rural (CPR) física com antecipação do preço ou representativas de operações de barter (artigo 11 da Lei 8.929/94, de acordo com a redação dada pela Lei 14.112/20);
- o patrimônio rural em afetação – PRA (artigo 10, parágrafo 4º, I, da Lei do Agro); e
- créditos decorrentes de atos cooperativos praticados pelas sociedades cooperativas com seus cooperados[1] (artigo 6º, parágrafo 13, da LRF).
Além disso, começa a se desenvolver na jurisprudência o entendimento de que entre os créditos que não devem se submeter à recuperação judicial do produtor rural estão também as garantias por ele outorgadas em obrigações de terceiros.
As garantias prestadas pelo produtor rural não se enquadram em obrigações que “decorram exclusivamente da atividade rural”, na forma exigida pelo parágrafo 6º do artigo 49 da LRF.
Ainda que o produtor rural seja sócio de pessoa jurídica ruralista, a garantia que ele venha a prestar a essa pessoa jurídica não decorre de sua atuação como produtor rural, e sim de sua condição de pessoa natural sócia de empresa – atribuição que não tem relação com sua atividade rural.
A não sujeição do crédito decorrente de fiança e aval prestados por produtor rural vem sendo confirmada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo em recentes decisões, como:
- Agravo de Instrumento (AI) 2239230-02.2021.8.26.0000, 15ª Câmara de Direito Privado, desembargador relator Elói Estevão Troly, julgado em 21 de abril de 2022;
- AI 2128769-26.2022.8.26.0000, 20ª Câmara de Direito Privado, desembargador relator Álvaro Torres Júnior, julgado em 7 de agosto de 2023;
- Embargos de Declaração Cível 2239188-50.2021.8.26.0000, 23ª Câmara de Direito Privado, desembargador relator Virgilio de Oliveira Junior, julgado em 9 de fevereiro de 2022; e
- AI 2234394-83.2021.8.26.0000, 23ª Câmara de Direito Privado, desembargador relator Helio Nogueira, julgado em 1º de dezembro de 2021.
Diante desse cenário legal e jurisprudencial, merece atenção o aumento recente e expressivo das recuperações judiciais no agronegócio informado pelo Serasa Experian. O levantamento indicou um crescimento de 300% nas recuperações judiciais entre produtores rurais pessoas naturais em 2023, em comparação com o ano anterior. É fundamental que os empresários rurais avaliem com cuidado todas as opções disponíveis antes decidirem pela recuperação judicial. Em alguns casos, essa escolha pode não ser a mais acertada, podendo agravar a situação da empresa em crise.
Assim, é essencial que as empresas familiares se organizem com antecedência, buscando orientação jurídica e financeira adequada, além de planejar a sucessão, mesmo quando o produtor opera de maneira saudável.
Em caso de crise econômico-financeira, é muito importante analisar se cabe recorrer ao instituto da recuperação judicial ou se a crise pode ser tratada de outra forma mais efetiva.
[1] Muito embora essa não seja uma previsão específica para recuperações judiciais envolvendo o agronegócio, sua menção é relevante diante da importância das cooperativas agropecuárias para o setor. Sobre a importância das cooperativas para o agronegócio: PELLENZ, Fernando. A crise financeira da sociedade cooperativa e o instituto da liquidação extrajudicial previsto na Lei n. 5.764/71. In Direito do Agronegócio: teoria e prática. Rafael Molinari Rodrigues e Lucas Monteiro de Souza (coord). São Paulo: LTr, 2019. p. 61