A Lei nº 14.112/20, sancionada em 24 de dezembro, introduziu diversas alterações na Lei de Falência e Recuperação Judicial (Lei nº 11.101/05 ou LRF). Entre as principais, estão as referentes à atuação do administrador judicial, que tem como principais funções auxiliar o juízo, zelando pelo bom andamento do processo, e fiscalizar os atos do devedor e o cumprimento do plano de recuperação judicial.
As funções do administrador judicial foram ampliadas, notadamente em razão das outras inovações da LRF, como a possibilidade de os credores apresentarem um plano alternativo de recuperação judicial, a expressa previsão do uso de mecanismos de conciliação e mediação e a regulamentação da insolvência transnacional.
As atribuições do administrador judicial podem ser divididas entre aquelas (i) comuns à recuperação judicial e falência; (ii) exclusivas da recuperação judicial; e (iii) exclusivas da falência.
No que tange às atribuições comuns, a LRF incumbiu o administrador judicial de estimular métodos alternativos de resolução de conflitos, como conciliação e mediação. Embora essa previsão seja uma novidade na LRF, na prática, com base na Lei de Mediação, na Resolução nº 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e em portaria emitidas por tribunais estaduais, há muito já se vem aplicando a mediação em diversos casos de recuperação judicial, como nos da Oi e da Saraiva, em que a mediação foi utilizada para solucionar diversos conflitos no decurso do processo em relação ao plano de recuperação, a créditos e a conflitos bilaterais.
Além disso, mantendo-se em linha com a era digital, cabe agora ao administrador judicial, por disposição legal, manter endereço eletrônico na internet, por meio do qual deverão ser disponibilizadas informações atualizadas sobre os processos e enviados os pedidos de habilitação e divergências de crédito, o que facilita o acompanhamento da recuperação judicial pelos credores.
No âmbito da recuperação judicial, o administrador judicial também teve o escopo de suas funções ampliadas, principalmente em relação a:
- fiscalizar a veracidade e conformidade das informações prestadas pelo devedor para a elaboração do relatório mensal de atividades, as negociações entre devedor e credores (assegurando que as partes não adotem expedientes dilatórios ou prejudiciais) e as deliberações da assembleia tomadas por termo de adesão, votação por meio eletrônico ou qualquer outro mecanismo idôneo (art. 39, § 5º);
- submeter à votação, em assembleia de credores que rejeitar o plano de recuperação judicial proposto pelo devedor, a concessão de prazo de 30 dias para que os credores apresentem seu plano de recuperação judicial (art. 56, § 4º);
- apresentar em 48 horas relatório das manifestações dos credores sobre a realização de assembleia para deliberar sobre a venda de ativos, requerendo sua convocação.
As novas competências do administrador judicial na falência incluem:
- apresentar, em 60 dias do seu termo de nomeação, plano detalhado de realização dos ativos;
- proceder à venda de todos os bens da massa falida no prazo máximo de 180 dias, contado da data da juntada do auto de arrecadação, sob pena de destituição, salvo por impossibilidade fundamentada, reconhecida por decisão judicial;
- em caso de insuficiência dos bens para as despesas do processo, promover a venda dos bens arrecadados nos prazos máximos de 30 dias (para bens móveis) e de 60 dias (para bens imóveis), caso os credores não requeiram o prosseguimento da falência; e
- arrecadar os valores dos depósitos realizados em processos administrativos ou judiciais nos quais o falido figure como parte e que sejam oriundos de penhoras, bloqueios, apreensões, leilões, alienação judicial e outras hipóteses de constrição judicial, ressalvados os depósitos de tributos federais.
Uma das maiores inovações da LRF é a regulamentação dos processos de insolvência transnacional, nos quais a atuação do administrador judicial é muito relevante. Ele tem autorização para atuar em processos judiciais estrangeiros na qualidade de representante do processo judicial brasileiro, em caso de falência, e obrigação de cooperar e se comunicar com a autoridade estrangeira e com os representantes estrangeiros.
O objetivo das mudanças nas funções do administrador judicial é ampliar a participação do auxiliar do juízo e permitir sua atuação tempestiva, o que acabará por aumentar suas responsabilidades e seu trabalho. Embora as novidades sejam benéficas para o sistema como um todo, por aumentarem a segurança jurídica e dar agilidade aos processos de insolvência, elas podem desestimular os interessados em preencher esse cargo, especialmente em virtude da obrigação de checar a veracidade das informações da empresa devedora.
De todo modo, espera-se que a atuação dos administradores judiciais esteja sob escrutínio maior, cabendo ao Judiciário, aos credores, ao devedor e à sociedade como um todo cobrar lisura, celeridade e comprometimento do auxiliar do juízo no desempenho de suas funções.