O Superior Tribunal de Justiça (STJ) concluiu o julgamento do Recurso Especial nº 1903273/PR, sob relatoria da ministra Nancy Andrighi, e decidiu que a divulgação pública de mensagens trocadas na rede social WhatsApp configura ato ilícito.
A Terceira Turma do STJ manteve o entendimento das instâncias de origem e, portanto, a condenação ao pagamento de indenização por danos morais, por considerar ilícita a divulgação de prints de conversas trocadas em um grupo de WhatsApp, sob a premissa de que “(...) terceiros somente podem ter acesso às conversas de WhatsApp mediante consentimento dos participantes ou autorização judicial.”
Segundo o STJ, o sigilo das comunicações previsto no artigo 5º, inciso XII,[1] da Constituição da República Federativa do Brasil (CF) visa resguardar o direito à intimidade e à privacidade dos jurisdicionados e, embora o inciso trate da inviolabilidade das comunicações telefônicas, tendo em vista o avanço da tecnologia nas últimas décadas e o consequente advento de novas formas de comunicação, aplica-se, por simetria, às conversas mantidas por meio de redes sociais como o WhatsApp.
A ministra Nancy Andrighi destacou que o WhatsApp utiliza criptografia desde 2016 para evitar que as conversas mantidas por meio do aplicativo possam ser acessadas por terceiros, protegendo, assim, a comunicação mantida entre seus usuários. Ponderou, ainda, que a divulgação do conteúdo privado das mensagens enviadas por meio do WhatsApp configura não só quebra de confidencialidade como também violação “(...) à legítima expectativa, à privacidade e à intimidade do emissor”, pois, ao utilizar essa rede social como meio de comunicação, o emissor tem a expectativa de que sua mensagem será lida apenas pelo seu destinatário (ou destinatários, no caso de grupos de conversa).
O colegiado se reportou também à análise feita pelas instâncias ordinárias sobre o conjunto probatório, por meio da qual ficou constatada lesão à imagem e à honra do autor da ação ordinária de origem, causada pela divulgação ilícita dos prints das conversas mantidas em grupo do WhatsApp. A condenação do responsável pela divulgação das mensagens não se deu a partir da simples constatação da ilicitude dessa divulgação, mas sim da verificação, no caso concreto, pelas instâncias ordinárias, da violação dos direitos de personalidade do autor da ação perpetrada pela divulgação.
Para os ministros da Terceira Turma do STJ, o sigilo das comunicações somente poderá ser levantado:
- por decisão judicial, no caso de necessária investigação criminal ou instrução processual penal (artigo 5º, inciso XII, da CF);
- mediante consentimento dos participantes; ou
- nos casos em que “(...) a exposição das mensagens tiver como objetivo resguardar um direito próprio do receptor”, sendo necessário analisar o caso concreto nessa última hipótese, para ponderar se o direito à liberdade de informação ou o direito à privacidade prevalecerá.
É interessante chamar atenção para o entendimento do STJ em matéria de processo penal. As turmas especializadas em direito penal vêm firmando seu entendimento pela ilicitude da prova obtida a partir do acesso a mensagens trocadas por meio do WhatsApp sem que tenha havido autorização judicial para tanto, por entender que a conduta viola as garantias constitucionais da intimidade e da vida privada.[2]
De acordo com a Sexta Turma, "[e]ventual exclusão de mensagem enviada (na opção ‘Apagar somente para Mim’) ou de mensagem recebida (em qualquer caso) não deixa absolutamente nenhum vestígio, seja no aplicativo, seja no computador emparelhado, e, por conseguinte, não pode jamais ser recuperada para efeitos de prova em processo penal, tendo em vista que a própria empresa disponibilizadora do serviço, em razão da tecnologia de encriptação ponta-a-ponta, não armazena em nenhum servidor o conteúdo das conversas dos usuários".[3]
Diante do volume de informações trocadas diariamente via WhatsApp, o entendimento da Terceira Turma do STJ delineia e atualiza o conceito de sigilo das comunicações assegurado constitucionalmente, constituindo importante avanço na proteção das garantias constitucionais à privacidade e à intimidade dos emissores de mensagens eletrônicas.
Contudo, embora não tenha sido abordado com profundidade no acórdão, os ministros da Terceira Turma consideraram os casos em que será necessário a um dos polos das conversas mantidas no WhatsApp usar seu conteúdo para defender o próprio direito, hipótese em que será mitigada a ilicitude da divulgação pública de prints de conversas sem que haja autorização dos envolvidos ou autorização judicial.
Em síntese, a utilização das mensagens eletrônicas como meio de prova ainda encontra cenário nebuloso a ser delineado pela jurisprudência, a exemplo das ponderações trazidas pela Sexta Turma do STJ sobre a possível ausência de autenticidade das mensagens trocadas por meio do WhatsApp e sua completa invalidade como meio de prova. Com o avanço da tecnologia, espera-se que a jurisprudência enfrente, cada vez mais, questões como as tratadas nesse julgamento, que desafiam os conceitos definidos pelo legislador e levam à necessidade de o Judiciário interpretá-los.
[1] “XII – é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;”
[2] Rcl 36.734/SP, rel. ministro Rogerio Schietti Cruz, Terceira Seção, julgado em 10.2.2021, DJe 22.2.2021; AgRg no AgRg nos EDcl no REsp 1842062/RS, rel. ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 15.12.2020, DJe 18.12.2020.
[3] RHC nº 99.735/SC, rel. ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 27.11.2018, DJe 12.12.2018